Acórdão nº 338/11.1TBCVL.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Abril de 2015
Magistrado Responsável | MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA |
Data da Resolução | 30 de Abril de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA instaurou uma acção contra BB, advogada, e CC - Corretores de Seguros e Companhia de Seguros DD, SA, pedindo: – que se declarasse que a primeira ré não cumpriu o contrato de mandato forense entre ambas celebrado “tendo em vista a resolução de um diferendo que a opunha à Imobiliária (…), o que pressupunha na falência da resolução consensual, o recurso à via judicial nos prazos legalmente estabelecidos para o efeito”, – que se reconhecesse “o incumprimento contratual e a consequente perda de chance da A. em ver apreciada judicialmente a sua pretensão”, – que, “em consequência dessa violação contratual a A. sofreu danos” – e que as rés fossem condenadas no pagamento de € 129.657,54, acrescidos de IVA, “quando aplicável”, por danos patrimoniais, do “montante das rendas vincendas após Fevereiro de 2011”, de € 100.000,00 por danos não patrimoniais, tudo com juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação até ao pagamento integral, por não ter “agido atempadamente”, propondo a necessária “acção judicial dentro do prazo de garantia do imóvel”, que apresentava defeitos de construção que o tornavam inabitável.
Relativamente às segunda e terceiras rés, a autora invocou terem celebrado com a primeira ré contratos de seguro destinados a garantir eventual “responsabilidade civil profissional”.
BB contestou. Por entre o mais, delimitou os termos do mandato aos “problemas (…) relacionados apenas e só com a água que surgia” no interior da habitação, afirmou que, após a notificação judicial avulsa dirigido ao “construtor/vendedor”, referida pela autora, tinha a “intenção imediata” de propor uma acção “utilizando o instituto jurídico do enriquecimento sem causa” mas que a autora revogou o mandato, sem lhe permitir “aprofundar (…) as questões (…) essenciais” para o efeito, negou que as rendas a que a autora se refere se pudessem ligar causalmente aos defeitos do imóvel e impugnou diversos factos alegados pela autora. Requereu ainda a intervenção principal de EE Company (Europe).
A autora apresentou réplica.
Também contestaram: a ré CC – Corretores de Seguros, SA. Sustentou a sua ilegitimidade e defendeu-se por impugnação; e a ré Companhia DD, SA, nomeadamente afirmando desconhecer muitos dos factos alegados e questionando o nexo de causalidade entre a omissão atribuída à primeira ré e os danos invocados; a ambas as contestações a autora respondeu, em réplica.
Pelo despacho de fls. 356 foi admitida a intervenção de EE Company (Europe), que veio contestar.
No despacho saneador, a ré CC – Corretores de Seguros, SA foi absolvida da instância Pela sentença de fls. 506, a acção foi julgada improcedente nestes termos: “(...) quando a A. constitui novo mandatário, podia ainda ser intentada acção contra a construtora/vendedora para fazer valer os direitos daquela, relativa aos alegados defeitos do imóvel, denunciados em 2008. E assim, não pode concluir-se, como pretende a A., que a 1.ª R. incumpriu o contrato de mandato forense que lhe foi conferido, ao não intentar atempadamente a competente acção judicial. E com esta conclusão, sequer cumpre apreciar as demais questões suscitadas, porque logicamente prejudicadas.” A autora recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, juntando um parecer jurídico, do Prof. Doutor José Luís Bonifácio Ramos; mas a Relação negou provimento à apelação, confirmando a sentença: “(…) é de concluir, como fez a decisão recorrida, que quando a autora constitui novo mandatário, o que sucedeu em finais de 2009, princípios de 2010, revogando tacitamente o mandato conferido à 1ª ré (artigo 1171º do Código Civil), ainda não estava findo o prazo para a autora exercer judicialmente os seus direitos contra a vendedora do imóvel.
(…) Se a autora, quando revogou tacitamente o mandato conferido à 1ª ré, ainda tinha a possibilidade de accionar judicialmente a vendedora e de ter sucesso na sua demanda, não se pode declarar, como pede a ora recorrente, que a mesma, em consequência da omissão da 1ª ré, perdeu a “chance” de ver apreciada judicialmente a sua pretensão.
Note-se por último que, mesmo laborando no pressuposto em que labora a recorrente, ou seja, no pressuposto de que a 1ª ré deixou passar o prazo previsto na lei para propor a mencionada acção, não se podia concluir, sem mais, que a acção havia caducado (…).
Uma vez que a caducidade da acção não era de conhecimento oficioso, pois a matéria em causa não estava excluída da disponibilidade das partes (artigo 303º do Código Civil aplicável pela remissão do n.º 2 do artigo 333º do mesmo diploma), a caducidade necessitava, para ser declarada, de ser invocada judicialmente pela vendedora (Sociedade Imobiliária FF, SA).
Daí que a circunstância de a 1ª ré não ter proposto a acção dentro do prazo de caducidade previsto na lei não determinava sem mais a caducidade da acção. O que se podia dizer era que, caso a acção fosse intentada, seria muito provável que a ré invocasse a caducidade e que o tribunal a declarasse, com a consequente absolvição da demandada dos pedidos (artigo 576º, n.º 3, do Código Civil). Por outras palavras, mesmo laborando no pressuposto em que laborou a recorrente, a caducidade não podia dar-se como certa; apenas como provável ou muito provável.
Considerando que todos os pedidos laboram no pressuposto de que a 1ª ré deixou caducar o direito de a autora exigir judicialmente à vendedora do imóvel a reparação dos defeitos e a indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes dos defeitos e que este pressuposto não se verifica, bem andou a decisão recorrida em julgar improcedente a acção e em absolver as rés dos pedidos”.
* 2. A autora recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, interpondo recurso de revista excepcional, que foi admitido pelo acórdão de fls. 895.
Nas alegações que apresentou, e deixando de lado a parte relativa à justificação da admissibilidade da revista excepcional, a autora formulou as seguintes conclusões, no que releva para a definição do objecto do recurso (artigo 635º, nº 4, do Código de Processo Civil): (…) II. Em primeiro lugar, cumpre decidir se o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, relativo às garantias dos bens de consumo, se aplica aos contratos de compra e venda e empreitada de bens imóveis celebrados antes de Junho de 2008, III. Em segundo lugar, e sem conceder, caso se entenda que ao contrato dos presentes autos, assim como, em geral, aos contratos de compra e venda e empreitada de imóveis, celebrados após 8 de Abril de 2003 e antes de 20 de Junho de 2008 (data da entrada em vigor do Decreto-Lei n,º 84/2008, de 21 de Maio, cujo âmbito de aplicação abrange já os bens imóveis corpóreos), se aplica o regime constante do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, o que se admite por mero dever legal de patrocínio forense, sempre haveria que analisar uma segunda vexata quaestio, que se relaciona com a eventual aplicação retroactiva do Decreto-Lei nº 84/2008, de 21 de Maio, aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor.
(…) V. No caso em apreço, cumpria resolver o incumprimento do contrato de mandato celebrado entre a Autora e a 1ª Ré; reconhecer e declarar o incumprimento contratual e a consequente perda de chance da Autora em ver apreciada judicialmente a sua pretensão; reconhecer e declarar que em consequência dessa violação contratual a Autora sofreu os danos invocados bem como reconhecer que o direito de acção da Autora caducara, em razão da aplicação ao caso da normação do Código Civil ou, sem prescindir, e caso se entenda que regulará esta as normas relativas à defesa do consumidor, apenas o disposto no DL 67/03, de 8.04, sem as alterações do DL 84/2008 de 21.05.
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Aquando da outorga do mandato à 1ª Ré, em 16 de Junho de 2008, a A. deu a conhecer àquela todos os elementos relativos à situação dos defeitos evidenciados pelo imóvel, designadamente a carta de denúncia dos defeitos remetida em 10 de Janeiro de 2008 à sociedade construtora/vendedora e o teor do Auto de Vistoria realizado ao imóvel em 25 de Março de 2008, para que procedesse de imediato à propositura da acção judicial competente.
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A 1ª Ré manteve uma inacção desde Junho de 2008 a Novembro de 2009, retirando à A. a possibilidade do exercício do direito de acção quando é certo conhecer a 1ª R. os exactos termos e limites desse exercício, em concreto a sua caducidade, sendo certo que a própria declaração da entidade fiscalizadora, autora da vistoria, permitia à A. a afirmação quanto á probabilidade da procedência da acção a propor contra a sociedade construtora/vendedora pelos defeitos de construção verificados no imóvel.
VIII.
Tais defeitos, comprovados no Auto de Vistoria, foram identificados como emergentes de vício ou erros na construção e como tal indemnizáveis ao abrigo do regime previsto no artigo 1225º do Código Civil, aplicável in casu em face da dupla qualidade da Imobiliária FF, S.A. como vendedora e construtora do imóvel - cfr. nº 4 do artigo 1225º do Código Civil, sendo que em 16 de Junho de 2008, estava ainda em curso o prazo de garantia legal de 5 anos e bem assim o prazo para propositura da acção respectiva previstos no artigo 1225º do Código Civil.
(…) XII. Sem prescindir do alegado supra, caso se entenda dever aplicar-se ao contrato sub judice o Decreto-Lei n.º 67/2003, o que se admite por mero dever legal de patrocínio forense, sempre haveria que concluir pela inaplicabilidade do diploma que procedeu à alteração daquele, mormente o artigo 5.
º-A do Decreto-Lei n.
º 84/2008, de 21 de Maio.
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A decisão da aplicação à questão dos autos das normas contidas nos preceitos constantes dos artigos 4º, nº 1, 5º, nº 1, 5º, nº7 e 5º A, nº 3, do Decreto-Lei n.
º 67/2003, de 08 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n. 84/2008, de 21 de Maio, fazendo valer o prazo para o exercício de direitos além consignado, constitui, como no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.10.2011, uma verdadeira actividade legislativa, vedada ao intérprete, porquanto o...
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