Acórdão nº 122/14.0GABNV.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelJOÃO SILVA MIGUEL
Data da Resolução04 de Novembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência na 3.ª secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, que correram termos pela Secção Central da Instância Central da Comarca de Santarém com a referência n.º 122/14.0GABNV, o arguido AA, identificado nos autos, foi, por acórdão de 8 de janeiro de 2015, (fls. 603-637, do 4.º vol.), condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido (p. e p.), pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1, do Código Penal (CP), na pena de 19 (dezanove) anos de prisão.

  1. Inconformados com a decisão, dela interpuseram recurso o arguido (Fls 673-696) e os assistentes BB (Fls 657-672) e CC (Fls 699-704), o primeiro restrito a questão de direito, e os assistentes suscitando questões de facto e de direito, a todos tendo respondido o Ministério Público (fls 735 a 757, 768 a 781 e 735 a 757). À motivação de recurso do arguido responderam os assistentes BB (fls 785 a 791) e CC (fls 809 a 829).

  2. Na sua motivação (fls 673 a 696, corrigidas a fls 678, 707 e 717, do 4.º vol.), o recorrente formula as seguintes conclusões[1]: «1) Nos termos do que se deixou supra (pontos 4) a 25) destas alegações de recurso), o artigo 72.º do Código Penal implica que, na ponderação da pena concretamente aplicável, se devam mobilizar em favor do arguido todas as circunstâncias de facto que lhe aproveitem ou sejam favoráveis; 2) Embora na respetiva “MOTIVAÇÃO” o acórdão em crise tenha, por mais de uma vez, imputado ao arguido afirmações (que correspondem efetivamente ao que pelo próprio foi dito e revelado em audiência de discussão e julgamento) correspondentes a uma confissão (que o arguido entende ser total, o Tribunal nem tanto), também elas hão de corresponder a um mínimo de benefício do arguido; 3) Na verdade, mesmo que assumindo o livre arbítrio do Tribunal na apreciação da confissão do arguido, não pode ser aceitável que, considerando o Tribunal que está diante de um arguido que “admite ter causado os golpes sofridos pela vítima” (P. 12 do Acórdão recorrido), que diz, inclusivamente, “só posso ter sido eu” (P. 12 do Acórdão recorrido), que admite que ele e falecido “acabaram por cair (…) para dentro de uma chaminé, onde ficaram cara a cara” (P. 11 do Acórdão em crise) se omita por completo que se esteve perante um arguido que, pelo menos não mentiu; 4) E se é verdade que tem de se reconhecer aos arguidos o direito ao silêncio, não deixa de ser menos verdade que por algum motivo (legal) os mesmos não prestam juramento, se decidirem prestar declarações (são limitadas pela lei as declarações a que, mesmo um arguido, tem dever de obedientemente responder com verdade); 5) E portanto há que destrinçar entre o arguido que mente, o arguido que decide não falar, o que decide mentir, e aquele outro grupo de arguidos que, falando verdade, podem ter mais ou menos coerência e alinhamento de discurso, mas que não contradizem os factos que sabem ser reais, em colaboração com a realização da justiça; 6) E o Tribunal, no Acórdão em crise, ao aceitar, julga-se suficientemente, que o arguido reconheceu a prática dos factos, pelo menos dos essenciais – ainda que lhe impute algum vício de lógica e coerência no discurso o que aparentemente terá sido determinante para considerar que a confissão não foi integral e sem reservas – há de ter de valorar esse facto (a que chamamos, pelo menos, de “confissão parcial”) em sede de determinação de medida da pena; 7) Ora, na escolha da medida da pena, a favor do arguido, o Tribunal apenas valorou a inexistência de antecedentes criminais; 8) O que, nesta parte, faz o Acórdão em crise incorrer em clara violação dos ditames do artigo 72.º do Código Penal, já que a confissão – ainda que entendida como parcial – deveria ter sido tida em conta como elemento favorável ao arguido (aceita-se: em menor medida que uma confissão integral e sem reservas, se no entendimento do tribunal esta não existiu) em sede de determinação da medida da pena, naturalmente como uma sua atenuante; 9) O Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, entra em contradição lógica quando refere que (p. 22 do Acórdão) “no caso dos autos nada se logrou provar quanto ao motivo que levou à prática dos atos imputados ao arguido, não podendo pois, na ausência de qualquer motivo apurado, concluir-se que o mesmo seria torpe ou fútil”; 10) Para logo depois, “acabar” a qualificar o crime de homicídio por se entender ter o arguido agido sob uma conduta de especial perversidade e censurabilidade (fundamentos melhor expressos a pp 25 e 26 do Acórdão em crise); 11) Salvo o devido respeito, a qualificação de um crime de homicídio ao abrigo do próprio conceito de especial perversidade surge associado a um conjunto de circunstâncias, envolventes do próprio crime, que têm de se provar e que, grosso modo, poderão traduzir-se elas mesmos em “motivo”; 12) Nos autos não estão provados factos suscetíveis de integrar a conduta do arguido no conceito legal de “especial perversidade ou censurabilidade” (até pelo contrário, resultam provados factos que demonstram a ausência dessa especial perversidade: a confissão do arguido em audiência, o facto de voluntariamente se ter entregue na GNR logo a seguir à prática dos factos, e mesmo o facto de estar demonstrado que a morte é produzida não com 38 facadas como em toda a “motivação” o tribunal expendeu, mas sim com 6 golpes como resulta dos factos provados); 13) Não resulta de nenhuma matéria provada um único facto que permita a conclusão de que o arguido teve “a intenção ou vontade causar sofrimento”: como é que o Tribunal chega a esta conclusão? Com base em factos? Se nem sequer credibiliza, como talvez devesse, as declarações do arguido? Ou o facto de ter prestado declarações só se aproveita…em prejuízo do próprio? 14) É errada a conclusão, plasmada na decisão em crise, atentos os factos provados, que “a morte da vítima teria sido igualmente obtida com um número de golpes muitíssimo inferior”, como forma de pretender-se associar os 38 golpes dados como provados a 38 golpes dados, todos eles, com “intenção de matar”; 15) Dos factos provados resulta que só 6 golpes foram mortais, e dos depoimentos (que se aceitam) dos senhores inspetores da Polícia Judiciária resultou (credivelmente como admite a decisão em crise) que os demais golpes serão, muito provavelmente, consequência da luta e atos de defesa e/ou proteção da vítima; 16) A jurisprudência mobilizada no Acórdão não se refere a um caso sequer similar com o presente; 17) Não foi – devendo ter sido – considerado como favorável ao arguido o comportamento seguinte à prática do crime, designadamente pela voluntária entrega do próprio no posto da GNR de Samora Correia; 18) Salvo o devido respeito, vem mal interpretado o artigo 132.º/ 1 do Código Penal, na parte em que se subsumem os factos provados e a conduta do arguido à prática de um crime de homicídio que mereceu qualificação, quando na verdade nenhum facto (dos provados e não provados) suporta que o arguido tenha agido dentro de um quadro que a doutrina e jurisprudência dominante (repescamos aqui a doutrina e jurisprudência citadas nas alegações supra) considerem ser de “especial censurabilidade ou perversidade”); 19) Finalmente, também erra a decisão em crise quando considera como único elemento favorável ao arguido, a inexistência de antecedentes criminais; 20) São diferentes as necessidades de prevenção especial num arguido que, pena cumprida, estará com uma idade próxima dos 70 anos, do que de um outro arguido com metade dessa idade; 21) Ao contrário do que se mobiliza na decisão em crise (aportando como fundamento de reforço da necessidade de prevenção especial o facto de o arguido não ter uma sólida estrutura familiar de suporte), a idade é um fator seguro e firme com o qual à data da escolha da medida da pena se deve contar; 22) Em reverso, fundamentar – para agravar a pena – que a medida da pena se deve pautar num quadro mais intenso (com uma pena concreta maior) porque o arguido não tem (hoje!) um contexto familiar sólido é antecipar, sem limites, que no final de uma pena elevada esse contexto se manterá instável: A idade do arguido, no fim da pena, é certa. O contexto familiar, ao fim de tantos anos, provavelmente não é tão certo; 23) As necessidades de prevenção especial deverão ter em conta a personalidade do agente. Acompanhando José Souto de Moura diremos “nela far-se-ão sentir fatores como a idade”; 24) O Tribunal, salvo o devido respeito, também erra, pois, na aplicação do artigo 71.º do Código penal: a idade do arguido (atual, e a que terá ao cabo do cumprimento da pena) tinha de influenciar decisivamente – para baixo – a escolha da medida da pena que, só por aqui, não podia nem devia, nunca ter atingido 19 anos;» Conclui pedindo que seja «dado provimento ao recurso e revogado o acórdão recorrido, sendo desqualificado o crime pelo qual o arguido vem condenado, passando a condenação do arguido à condenação pelo cometimento de um HOMICÍDIO SIMPLES (art. 131.º do Código Penal), revogando-se a pena de 19 anos de prisão a qual se substituirá por outra que, em Justiça, não deve exceder o máximo de 13 anos (…)».

  3. Na resposta, a Senhora magistrada do Ministério Público na 1.ª instância pronuncia-se pela confirmação do acórdão recorrido (fls 735 a 757, do 4.º vol.), concluindo como segue: «1. O arguido AA foi condenado, no âmbito dos presentes autos, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. nos art.

    os 131.º e 132.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 19 anos de prisão; 2. O arguido não fez uma confissão integral e sem reservas dos factos que lhe foram imputados; 3. Efetivamente, como resulta da motivação explanada no acórdão, os factos dados como provados em 3, designadamente que o arguido AA muniu-se de uma faca de cozinha, com 18 centímetros de lâmina, com o comprimento total de 29,5 centímetros, e 5 centímetros de largura máxima, e desferiu com a mesma, pelo menos, 38 golpes no...

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