Acórdão nº 253/11.9TBVZL.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução03 de Novembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I M intentou acção declarativa com processo ordinário de reconhecimento e investigação de paternidade, contra A, C e E, pedindo o seu reconhecimento como filha legítima de A M e de B J, que seja oficiado à Conservatória do Registo Civil para averbamento da ascendência completa e que seja declarado nulo o procedimento simplificado de habilitação de herdeiros com o nº 0000/2010 elaborado na Conservatória do Registo Civil de …, alegando para o efeito e em síntese, que nasceu do relacionamento sexual havido entre o falecido A M e a sua mãe e que o falecido sempre tratou a Autora como filha.

Os Réus contestaram, tendo o Réu E arguido a incompetência territorial do tribunal de … e o Réu C a caducidade da acção e, no mais, todos eles impugnaram os factos articulados pela Autora, concluindo pela improcedência da acção.

Na réplica a Autora respondeu à excepção da caducidade alegando que a acção foi interposta no prazo de um ano desde a data em que teve conhecimento da morte do pai, sendo que tal direito é imprescritível, tendo no mais mantido o alegado em sede de Petição Inicial.

Por despacho proferido a fls. 110 dos autos, foi julgada procedente a incompetência do tribunal em razão do território e ordenada a remessa dos autos, ao Tribunal competente.

Por despacho proferido a fls. 220 dos autos foi julgada improcedente a excepção de caducidade invocada.

A final veio a ser produzida sentença a julgar a acção procedente e em consequência reconheceu-se judicialmente M, como filha de A M e de B J, devendo ainda figurar como avoenga paterna M M e M R; declarou-se a nulidade do procedimento simplificado de habilitação nº0000/2010, datado de 15709/2010, elaborado na Conservatória do Registo Civil de … e ordenou-se a comunicação à Conservatória do Registo Civil de …, da decisão proferida, após trânsito, por meio de certidão, a fim de se proceder ao devido averbamento ao assento nº0000/2009.

Inconformados com esta decisão dela apelaram os Réus E e C, tendo ambos os recursos vindo a ser julgados improcedentes, com a confirmação da sentença impugnada.

De novo irresignado veio o Réu E interpor recurso de Revista excepcional, com fundamento nas alíneas a) e b) do artigo 672º do NCPCivil, a qual foi admitida por Acórdão de fls 1142 a 1144, e no que á economia da mesma concerne, apresentou as seguintes conclusões: - A Lei 14/2009 estabeleceu um prazo de caducidade de dez anos para a propositura da acção de investigação de paternidade.

- Necessariamente deverão ser ponderados todos os valores mesmo que conflituantes.

- Tal prazo não constitui uma restrição não justificada e desproporcionada e não admissível no direito do investigante em saber de quem descende.

- Com efeito o prazo de dez anos não é inconstitucional.

- Contudo o artigo 1817º do CCivil conserva um sentido útil, que, simultaneamente, se ajusta à motivação principal do legislador – dissuadir a «caça à herança paterna» - e traduz uma concretização da figura do abuso do direito.

Comprovadamente - A pretensão da Autora é exercida em manifesto abuso do direito.

- E excede os limites impostos pela boa fé.

Em face do exposto - Não sendo de afirmar a inconstitucionalidade da norma vigente nº1 do artigo 1817º do CCivil, por o prazo de dez anos nele fixado não ser limitador do exercício da acção de investigação de paternidade, e estando diante de um quadro factual exuberante de abuso de direito, - Dever-se-á cindir, sem ofensa da lei Fundamental, o estatuto pessoal do estatuto patrimonial inerentes à declaração de filiação, limitando-se as consequências desse reconhecimento, excluindo os aspectos patrimoniais, como sejam os direitos sucessórios, - Uma vez que se evidencia que o desiderato primeiro foi o de obter estatuto patrimonial, merecendo censura no quadro da actuação abusiva do direito a pretensão exercida pela Autora.

Nas contra alegações a Autora pugna pela manutenção do julgado.

II O único problema que se põe no âmbito do presente recurso é o de saber se a Autora, ao instaurar a presente acção de reconhecimento de paternidade, agiu ou não em abuso de direito.

As instâncias deram como assentes os seguintes factos: 1. A M, faleceu no dia 3 de Setembro de 2010, com 78 anos, no estado de viúvo de M J - cf. Fls. 16; 2. Os RR. A, C e E, filhos do falecido foram habilitados como únicos herdeiros do mesmo, pelo procedimento simplificado de habilitação n° 0000/2010, elaborado na Conservatória do registo civil de … – cf. Fls. 14 e 15 cujo teor se reproduz; 3. M nasceu no dia 19 de Março de 1953, na freguesia de …, concelho de …, registada como filha de B J - cf. Fls. 18; 4. A M outorgou testamento, no dia 15 de Março de 2007, no Cartório de …, no qual estabeleceu legados a favor de seus filhos A, C e E, deixando igualmente ao 1º e 2º, em comum e partes iguais, a quota disponível de prédios identificados no testamento - cf. Doc. de fls. 139 a 143 cujo teor se reproduz; 5. B J trabalhou sazonalmente nas terras ou herdades do pai do falecido A M, sitas em …, na década de 50; 6. Nessa propriedade, numa casa da herdade onde ficavam alojados os trabalhadores, entre os quais a mãe da A, esta manteve relações sexuais com A M; 7. Em finais de Junho de 1952, a mãe da A e o falecido mantiveram relações sexuais de cópula completa; 8. Foi em consequência de tais relações sexuais que a A. foi gerada; 9. A M enviou várias cartas à mãe da A onde expressava o seu amor e preocupação; 10. Na localidade onde a A vive sempre foi reconhecido que A M era pai da A.

  1. Do prazo para a instauração da presente acção de investigação de paternidade.

    Insurge-se o Recorrente contra a decisão plasmada no Acórdão de que recorre excepcionalmente, porquanto na sua tese, tendo a Lei 14/2009, de 1 de Abril, na alteração efectuada ao artigo 1817º do CCivil, estabelecido um prazo de caducidade de dez anos para a propositura da acção de investigação de paternidade prazo esse que não é inconstitucional, nem constitui uma restrição não justificada e desproporcionada e não admissível no direito do investigante em saber de quem descende, deverão ser ponderados todos os valores mesmo que conflituantes, uma vez que o aludido normativo conserva um sentido útil, que, simultaneamente, se ajusta à motivação principal do legislador – dissuadir a «caça à herança paterna» - e traduz uma concretização da figura do abuso do direito.

    Antes de mais, impõe-se fazer um ponto de ordem, no que tange às conclusões de recurso.

    O que está em causa nos presentes autos, mais concretamente nesta impugnação recursiva, que como se sabe apenas foi admitida excepcionalmente, por a questão suscitada ser de relevância jurídica e social, não é saber, nem tão pouco discutir, se o prazo de dez anos a que se refere o artigo 1817º, nº1 do CCivil é ou não inconstitucional, já que, a problemática de uma eventual extinção da acção por caducidade da mesma se encontra resolvida por decisão com trânsito em julgado como deflui do Acórdão recorrido, sem prejuízo de, em termos teóricos, doutrinais e jurisprudenciais, tal questão continuar a ter a maior acuidade face às posições assumidas pela comunidade jurídica, no sentido da imprescritibilidade deste tipo de acções, mau grado as recentes posições do Tribunal Constitucional a respeito, cfr inter alia os Ac TC 247/2014 de 22 de Maio de 2012 (Relator Pamplona de Oliveira), 704/2014 de 28 de Outubro de 2014 (Relator Cunha Barbosa) e 547/2014 de 15 de Julho de 2014 (Relatora Catarina Sarmento e Castro).

    Efectivamente, não podemos ignorar a tese defendida por Paulo Mota Pinto no Ac TC de 23 de Janeiro de 2006, aquando da declaração de inconstitucionalidade do prazo de dois anos aludido na redacção anterior do artigo 1817º, nº1, aplicável por força do artigo 1873º, este como aquele do CCivil, contado a partir da maioridade do investigante, para intentar a acção de investigação de paternidade, de onde se assaca a ideia essencial de que «(…) o direito à identidade pessoal inclui, não apenas o interesse na identificação pessoal (na não confundibilidade com os outros) e na constituição daquela identidade, como também, enquanto pressuposto para esta auto-definição, o direito ao conhecimento das próprias raízes. Mesmo sem compromisso com quaisquer determinismos, não custa reconhecer que saber quem se é remete logo (pelo menos também) para saber quais são os antecedentes, onde estão as raízes familiares, geográficas e culturais, e também genéticas (cfr., aliás, também a referência a uma “identidade genética”, que o artigo 26.º, n.º 3, da Constituição considera constitucionalmente relevante). Tal aspecto da personalidade – a historicidade pessoal (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, pág. 179, falam justamente de um “direito à historicidade pessoal”) – implica, pois, a existência de meios legais para demonstração dos vínculos biológicos em causa (note-se, aliás, que os exames biológicos conducentes à determinação de filiação podem ser realizados, fora dos processos judiciais, e a pedido de particulares, sem qualquer limitação temporal, pelos próprios serviços do Instituto Nacional de Medicina Legal, nos termos do artigo 31.º do Decreto‑Lei n.º 11/98, de 24 de Janeiro), bem como o reconhecimento jurídico desses vínculos.

    Deve, pois, dar-se por adquirida a consagração, na Constituição, como dimensão do direito à identidade pessoal, consagrado no artigo 26.º, n.º 1, de um direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento da maternidade e da paternidade.

    Simplesmente, tem-se admitido que outros valores, para além “da ilimitada recepção à averiguação da verdade biológica da filiação – como os relativos à certeza e à segurança jurídicas, possam intervir na ponderação dos interesses em causa”, como que “comprimindo a revelação da verdade biológica”. Da perspectiva do pretenso pai, aliás, invoca-se também, por vezes, o seu “direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar”: tal intimidade poderia ser...

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