Acórdão nº 618/11.6TTPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LEONES DANTAS
Data da Resolução12 de Novembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I AA instaurou a presente ação emergente de contrato de trabalho contra INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL I.P., pedindo: a) - dever ser declarado que a Autora é trabalhadora do Réu desde maio de 1982; b) - dever julgar-se nulo o contrato de avença celebrado entre Autora e Réu; c) - dever ser declarada a nulidade do despedimento da Autora, ocorrido em 31.12.2010; d) - a condenação do Réu a reintegrar a Autora ao seu serviço, no Lar BB, ou então, a pagar-lhe a indemnização por antiguidade, desde maio de 1982, e no valor de € 42.208,88, acrescido dos juros legais desde a citação e até integral pagamento; e) - a condenação do Réu a pagar as remunerações vincendas até ao trânsito em julgado da sentença, acrescidas dos juros de mora à taxa legal até efetivo e integral pagamento; f) - a condenação do Réu a pagar a quantia de € 56.425,60, relativa a subsídios de férias e de Natal não pagos, acrescida dos juros vincendos até integral pagamento; g) - a condenação do Réu a pagar uma indemnização pelos danos não patrimoniais causados à Autora, em virtude do despedimento ilícito, cujo montante será apurado em liquidação de sentença.

Invocou como fundamento da sua pretensão que foi admitida ao serviço do Réu em maio de 1982, para exercer as funções de médica de clínica geral, mediante a retribuição mensal certa ilíquida de € 138.000$00, e sob as ordens e direção do Lar BB, o qual é tutelado pelo Ministério do Trabalho e da Segurança Social. Nessa qualidade a Autora consultava os utentes desse Lar, avaliava a sua situação clínica e procedia ao seu tratamento, tendo a seu cargo as consultas e diagnóstico da situação clínica dos candidatos a utentes do Lar.

No referido Lar a Autora dispunha de um gabinete e de uma secretária, papel timbrado e material de escritório, bem como os equipamentos necessários ao exercício da profissão de medicina de clínica geral. A Autora cumpria um horário de trabalho, de segunda a quinta-feira, das 14 às 18 horas, o qual foi determinado pela sua entidade patronal. No entanto, a Autora estava obrigada a dar permanente assistência telefónica mesmo fora do seu horário de trabalho ou a deslocar-se ao Lar, em caso de urgência. A Autora, desde maio de 1982 até ao ano de 1993, auferiu ainda subsídios de férias e de Natal. Quanto ao gozo de férias, a Autora acordava com a Direção do Lar o período em que as poderia gozar, tendo em conta a organização do serviço médico. No dia 02.01.1994, e tendo em vista a manutenção do exercício das funções de médica no Lar, a Autora celebrou um contrato com o então Centro Regional de Segurança Social do Norte, designado de «contrato de avença», com a duração de um ano, mediante a remuneração mensal de 144.900$00. A partir da data da celebração do dito contrato a Autora não mais recebeu subsídios de férias e de Natal, sendo certo que tudo o mais se processou como anteriormente. Em 13.10.1999, por adenda ao dito contrato de avença, a Autora passou a auferir a quantia mensal certa de 250.000$00. Sucede que no dia 22.10.2010 o Réu remeteu à Autora carta a denunciar o «contrato de avença» com efeitos a partir de 31.12.2010 traduzindo essa comunicação um despedimento ilícito, já que durante 28 anos a relação jurídica estabelecida entre as partes traduziu-se num contrato de trabalho. A ação prosseguiu seus termos e veio a ser decidida por sentença de que a julgou parcialmente procedente, tendo-se decidido «que a Autora, em 1986, celebrou com o Réu um contrato de trabalho nulo; [que] o despedimento da Autora ocorrido em 31.12.2010 é ilícito, e em consequência, condena-se o Réu a pagar-lhe as retribuições que deixou de receber desde o seu despedimento até à data em que foi apresentada a contestação, sem prejuízo das deduções previstas no artigo 390º, nº 2, al. a) a c) do CT, acrescidas dos juros de mora calculados à taxa de 4% ao ano desde a data do respetivo vencimento até integral pagamento, e cuja liquidação se relega para execução de sentença e uma indemnização fixada em 30 dias de retribuição base mensal ilíquida por cada ano completo ou fração de antiguidade, contabilizada desde o ano de admissão (1986) acrescida dos juros moratórios calculados à taxa de 4% ao ano desde o trânsito em julgado até efetivo pagamento».

Mais se decidiu condenar «o Réu a pagar à Autora a quantia de € 56.425,60 relativa aos subsídios de férias e de natal acrescidos dos juros moratórios calculados à taxa de 4% ao ano desde a data do respetivo vencimento até integral pagamento e uma indemnização de € 10.000,00 por danos não patrimoniais acrescida dos juros moratórios calculados desde o trânsito em julgado até pagamento, absolve-se do demais peticionado».

Inconformado com esta decisão dela recorreu o Réu para o Tribunal da Relação do Porto que veio a conhecer do recurso por acórdão de 23 de fevereiro de 2015, e que integra o seguinte dispositivo: «Termos em que se julga a apelação procedente, se revoga a sentença recorrida, se substitui pelo presente acórdão e em consequência se julga a ação improcedente e de todos os pedidos se absolve o Réu.

Custas a cargo da apelada/Autora.» Irresignada com esta decisão, dela recorreu a Autora, agora de revista para este Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido nos autos à margem referenciados que julgando procedente o recurso interposto pela Ré, revogou a sentença proferida na 1.ª Instância, 2. Na medida em que concluiu que "a factualidade apurada nos presentes autos é manifestamente insuficiente para se concluir pela existência de um contrato de trabalho", 3. Baseando tal conclusão no facto de que "apenas temos como factos indícios a retribuição auferida pela Autora e o recebimento durante sete anos de subsídios de férias e de Natal", ..

  1. Apesar de ter mantido, no essencial, como provados os factos já considerados como tal na douta sentença da 1.ª instância e bem assim os factos assentes - que, por isso, uns e outros, ficaram definitivamente assentes no Acórdão recorrido -, 5. E enquadrado tal matéria assente nos factos índice normalmente utilizados para caracterizar o contrato de trabalho, tais como, o local e os instrumentos de trabalho (determinados pela e pertencentes à entidade empregadora), horários de trabalho, assiduidade, gozo e marcação de férias e bem assim pagamento das mesmas e, ainda, ordens a vários níveis recebidas pela Autora por parte da Ré, 6. Do que resulta até, na ótica da Recorrente, a sua manifesta e óbvia inserção na estrutura organizativa da Ré e que determinariam por si só, salvo o devido respeito, conclusão totalmente contrária à retirada no Acórdão recorrido, no que se refere à qualificação do contrato em causa, como sendo de trabalho.

  2. E que por isso mesmo o Tribunal da Relação deveria ter respondido também às questões colocadas pela Ré na sequência de se considerar a existência de uma verdadeira e própria relação laboral, 8. Relação laboral essa que a Recorrente considera, salvo o devido respeito, que logrou provar, já que chamou a si a alegação e prova dos factos constitutivos da existência de um contrato de trabalho, ao invés de se escudar na presunção de laboralidade constante dos artigos 12° do Contrato de Trabalho de 2003 e do Contrato de Trabalho de 2009.

  3. E se viesse a considerar que tal contrato de trabalho era nulo, pelas razões constantes na legislação vigente à data, deveria ter retirado as consequências que dessa nulidade foram retiradas para a esfera pessoal e patrimonial da ora Recorrente, tendo em conta o disposto no artigo 15° do Decreto-Lei 49 408 de 24/11/69, se se entender que deve ser esse o diploma aplicável.

  4. Pelo que se interpõe o presente recurso de Revista e que ora se submete à douta apreciação dos Venerandos Conselheiros o caso sub judice, que plasma questão jurídica muito debatida e pertinente no nosso ordenamento jurídico, qual seja a de qualificar uma relação jurídica estabelecida e mantida por uma médica de clinica geral com um Lar de Idosos durante cerca de 28 anos, nas concretas condições e circunstancialismos em que a mesma se verificou- se de prestação de serviços, se de contrato de trabalho.

  5. Entende a Recorrente que durante vinte e oito anos manteve um contrato de trabalho com o Lar de Idosos BB, gerido pela Segurança Social, pois conformou toda a sua vida pessoal e laboral nesse sentido, tendo na sua ótica logrado fazer prova dessa sua asserção.

  6. Tendo em conta a matéria de facto definitivamente provada e assente, para a qual, por razões de economia processual se permite remeter e constante dos artigos 21 a 33 destas Alegações (páginas 6 a 21), no que se refere, designadamente, ao local e instrumentos de trabalho, à definição e âmbito das funções da Recorrente - médica de clínica geral, com a latitude que esta especialidade implica e, por isso, com a abrangência e essencialidade que tal implica num Lar de Idosos com esta dimensão, horário laboral fixado pela Direção do Lar, disponibilidade exigida à Autora em conexão com a fixação deste horário, remuneração mensal certa ilíquida e forma de pagamento e recebimento da mesma, pagamento de forma sucessiva e ininterrupta à Autora pela Ré de subsídios de férias e de Natal e bem assim o pagamento das respetivas férias, forma de marcação das consultas (efetuada pela Enfermeira Chefe) não lhe estando permitido pela Ré adiar consultas ou marcá-las segundo a sua conveniência pessoal, regras quanto à marcação de férias dependentes da vontade da Direção do Lar e inclusão da Autora no mapa de férias do pessoal, obrigatoriedade de comunicar ausências, de comunicar previamente qualquer necessidade de troca de dias de trabalho e obrigatoriedade de apresentação de atestado médico para justificar as suas faltas, que demonstram a completa inserção da Autora na estrutura organizativa da Ré e as relações de subordinação existentes, 13. Tanto mais que sempre foi designada por empregada, recebendo...

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