Acórdão nº 1963/09.6TVPRT.P1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelFERNANDES DO VALE
Data da Resolução02 de Julho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. nº 1963/09.6TVPRT.P1.S2[1] (Rel. 219) Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça 1 – AA, em seu nome e em representação de seu filho, BB, instaurou, em 03.09.09, no (então) Tribunal Cível da comarca do Porto, acção declarativa, com processo comum e sob a forma ordinária, contra o Estado Português, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 741 859,11, acrescida de juros de mora, à taxa de juro, sucessivamente, aplicável, desde a citação até integral pagamento.

Fundamentando a respectiva pretensão, alegou, muito em resumo e essência, ter sido preso ilegalmente, em consequência do que lhe advieram, para si e para o filho por si representado, danos do peticionado montante e cuja obrigação de ressarcimento impende sobre o R.

O Estado Português, para além de arguir a falta de capacidade judiciária e de constituição de advogado, tudo relativo ao 2º A., impugnou os factos alegados, considerando não serem os mesmos permissivos das conclusões a que se chega e, bem assim, que a sujeição do A. à pena de prisão se ficou a dever a um entendimento aceitável, legal, efectuado segundo os padrões e ditames de uma boa hermenêutica jurídica, o que, em seu entender, afasta a obrigação de indemnizar, mais considerando, para o caso de assim não se entender, ser exorbitante e excessiva a indemnização peticionada, para além da falta de nexo de causalidade entre alguns dos alegados danos e o facto de ter sido preso.

Replicaram os AA., respondendo às excepções, pedindo, a final, que se julguem sanadas as deduzidas excepções obstativas do conhecimento total do mérito da causa, por cuja integral procedência pugnam.

Sem embargo, o 1º A.

, reconhecendo a ilegitimidade do A. menor, BB, reduziu o pedido à quantia de € 736 859,11, ao que o R. nada opôs.

Foi proferido despacho saneador, em que, além do mais tabelar, se julgou ocorrer falta de causa de pedir e de pedido quanto ao A. menor e, assim, a p. i. (petição inicial) manifestamente inepta, nos termos do art. 193º, nº/s 1 e 2, do CPC, com a inerente nulidade de todo o processado quanto a tal A., ao abrigo do preceituado nos arts. 193º, nº/s 1 e 2, 288º, nº1, al. b), 493º e 494º, al. b), do CPC, pelo que foi o R., correspondentemente, absolvido da instância, determinando-se o prosseguimento desta apenas quanto ao A. AA.

Prosseguindo os autos a sua tramitação, veio, a final, a ser proferida (em 19.03.12) sentença que, julgando, parcialmente, procedente a acção, condenou o R. a pagar ao A. a quantia de € 66 000,00, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, bem como no pagamento do que se vier a comprovar ter sido liquidado, a título de honorários, no processo-crime, o que se relegou para execução de sentença (sic).

Esta decisão veio a ser revogada por acórdão de 05.03.13, da Relação do Porto, o qual, na procedência da apelação do R., absolveu este do pedido, tendo, em conformidade, por prejudicado o conhecimento do recurso subordinado interposto pelo A.

Na procedência da revista por este interposta, foi, por acórdão de 05.11.13, deste Supremo (Fls. 1062 a 1089), revogado o acórdão recorrido, tendo-se ordenado a baixa dos autos ao tribunal recorrido, a fim de se tomar conhecimento das demais questões que haviam sido suscitadas na apelação e cujo conhecimento havia sido considerado prejudicado pela decisão, aí, tomada de considerar aplicável, “in casu”, o preceituado no art. 13º, nº2, da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, emergindo dos autos que não se mostra comprovado que a decisão judicial que decretou a prisão do A. tivesse sido objecto de revogação.

Por seu novo acórdão de 06.05.14 (Fls. 1102 a 1137), a Relação do Porto decidiu, por maioria e com um voto de vencido, “julgar parcialmente procedentes os recursos principal e subordinado e alterar a sentença recorrida, ficando o R. Estado condenado a pagar ao A., a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais (incluindo os respeitantes ao denominado «dano biológico»), a quantia de € 31 300,00 (trinta e um mil e trezentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, bem como a importância que vier a apurar-se em posterior liquidação, a título de honorários que pagou no processo-crime após o decretamento da sua prisão e por causa da actividade processual relacionada com a privação da sua liberdade”.

Daí as presentes revistas interpostas por ambas as partes, visando a revogação do acórdão recorrido, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes (extensíssimas e muito longe da ortodoxia processual, no caso do A…) conclusões: / I - Do R.-Estado: / 1ª - Em causa está o conceito de erro judiciário, que a sentença proferida na 1ª instância julgou verificado; 2ª - O STJ pronunciou-se, em recurso anterior, pela inaplicabilidade ao caso em apreço da norma do nº2 do art.° 13° do RRCEE (Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas - Lei n° 67/2007, de 31 de Dezembro), tendo determinado a análise da pretensão indemnizatória do A. à luz do art° 225° do Código de Processo Penal (CPP); 3ª - O douto acórdão do STJ (fls. 1062/1089) não proferiu decisão sobre a questão da (i)legalidade da prisão do A.; 4ª - Na decisão de “Habeas Corpus”, considerou-se que a situação não se enquadrava em nenhum dos fundamentos taxativamente enunciados no art.° 222°, nº2, do CPP; 5ª - Para apreciação do presente recurso relevam as disposições da al. a) do nº 1 do art. 225°, e da al. b) do nº2 do art° 222.°, ambos do CPP; 6ª - O despacho em que o A.-recorrido fundou a sua pretensão de indemnização, interpretou devidamente os comandos normativos do Direito Penal substantivo, designadamente os arts. 43°, 44° nº1 , al. a), 46°, nº1 e 50°, todos do Código Penal; 7ª - Impõe-se assim apurar se tal decisão (em que o recorrido funda a sua pretensão) padece de erro de direito que permita afirmar a ilegalidade da prisão do recorrido, e consequente responsabilização do Estado Português; 8ª - Ou seja, está em causa uma questão de interpretação de normas jurídicas; 9ª - A interpretação efectuada pela decisão que fundamenta o pedido indemnizatório do A.-recorrido foi no sentido de que, transitado o despacho que ordena o cumprimento da prisão em consequência do não pagamento da multa por que fora substituída, nos termos do art. 43º, nº/s 1 e 2, do CP, é irrelevante o pagamento posterior da multa; 10ª - Esta interpretação é, não só uma das interpretações possíveis das disposições legais aplicáveis, como corresponde à jurisprudência maioritária dos Tribunais Superiores, tendo vindo a obter acolhimento no Acórdão Uniformizador nº 12/2013, do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-09-2013, www.dgsi.pt.jstj, proc. 319/06. 7SMPRT.P I-A.S1, lavrado por unanimidade e do seguinte teor: "Transitado em julgado o despacho que ordena o cumprimento da pena de prisão em consequência do não pagamento da multa por que aquela foi substituída, nos termos do artigo 43° nº/s 1 e 2, do Código Penal, é irrelevante o pagamento posterior da multa por forma a evitar o cumprimento daquela pena de prisão, por não ser caso de aplicação do preceituado no nº 2 do artigo 49° do Código Penal".

11ª - A decisão da 1ª instância que está na base da pretensão do recorrido, não pode ser considerada ilegal para efeitos de fundar responsabilidade extracontratual do Estado; 12ª - A al. b) do nº2 do art° 222° do CPP, aqui em causa - ter a privação da liberdade sido ilegal, porque motivada por facto pelo qual a lei a não permite - não se mostra preenchida, pois o recorrido foi condenado pela prática de um crime de aproveitamento de obra usurpada, previsto e punido pelos arts. 199°, 195° e 197°, todos do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos, como foi reconhecido na providência de “Habeas Corpus”, onde se afirmou que o caso em apreço não cabe em qualquer das alíneas do artigo 222º, nº2, CPP ; 13ª - Tendo a prisão do A. resultado do cumprimento de um despacho judicial transitado em julgado, que interpretou devidamente a lei, acolhendo em tal interpretação a corrente jurisprudencial maioritária e uniformizadora, inexiste a ilicitude subjacente à obrigação de indemnização por parte do Estado Português; 14ª - O douto acórdão recorrido violou as normas dos arts. 225°, nº1, al. a), e 222°, nº2, al. b), ambas do CPP.

Termos em que, revogando o douto acórdão recorrido e substituindo-o por outro que absolva o R. Estado Português, Vossas Excelências farão JUSTIÇA.

/ II - Do A. AA: / 1ª - O acórdão recorrido considerou, e bem, tal como a primeira instância, plenamente verificados os requisitos da responsabilidade civil do Estado, mas, no que se refere ao quantum indemnizatório atribuído ao A., reduziu aquele montante de € 66 000,00 atribuídos pela 1ª instância, para € 31 300,00, o que constitui uma redução de € 34 700,00, ou seja, de 52,5 % (!), face ao montante inicialmente concedido ao A., e dai o presente recurso, na medida em que os danos efectivamente sofridos pelo A. justificavam a condenação do R. Estado Português ao pagamento de uma quantia muito superior, e nunca inferior ao valor fixado pela 1.ª instância; 2ª - O R., Estado Português, veio alegar nas suas alegações de revista que não estão verificados os pressupostos previstos nos artigos 225º, nº 1, aI. a) e 222º, nº 2, aI. b) do CPP, na medida em que considera que a prisão ordenada na sequência da decisão tomada em 12.07.07, pelo 1º Juízo Criminal do Porto, no âmbito do processo com o nº 110/01.7PJPRT, não constitui uma prisão ilegal, mas como melhor foi já confirmado quer pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do pedido de “Habeas Corpus”, quer no âmbito destes autos pelo Tribunal de primeira instância e pelo Tribunal da Relação do Porto ora recorrido, estão plenamente verificados os pressupostos para a responsabilidade civil extracontratual do R. Estado Português, senão vejamos: 3ª - O artigo 225º do CPP consagra genericamente um direito a indemnização...

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