Acórdão nº 899/10.2TVLSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução02 de Julho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em Plenário das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça AA, instaurou, em 20.4.2010, acção declarativa de condenação com processo comum ordinário, contra: BB Alegando em síntese: - que na pendência do casamento contraído entre as partes, em 24.7.1982, no regime da comunhão de adquiridos, foi comprado um imóvel que veio a tornar-se a casa de morada de família, cujo preço foi pago com dinheiro proveniente de poupanças suas, ainda em solteira, ou com a venda de bens que lhe advieram por sucessão de seus pais, pelo que tal imóvel não integra o acervo de bens comuns do casal, devendo antes ser considerado como bem próprio da Autora, excluído da comunhão, o que pede seja declarado, condenando-se o Réu a reconhecê-lo como tal e determinando-se o registo respectivo.

O Réu contestou, por excepção e impugnação, defendendo a impropriedade do meio processual por ser meio próprio o processo de inventário, impugnando a proveniência do dinheiro empregue no pagamento do sinal, preço e empréstimo, e pedindo, na procedência da reconvenção que deduz, a condenação da Autora a indemnizar o Réu de todos os gastos por ele suportados com a aquisição do imóvel em causa, no montante de € 205.307,06.

Replicou a Autora defendendo a propriedade do meio processual utilizado e impugnando os factos alegados em reconvenção.

Foi proferido despacho, julgando procedente a excepção de erro na forma de processo e, em consequência, foi o Réu absolvido da instância, decisão de que houve recurso que foi julgado procedente, determinando-se o prosseguimento dos autos.

Foi designada audiência preliminar e proferida decisão que julgou inadmissível a reconvenção, absolvendo a Autora da instância reconvencional e organizou a matéria de facto assente e a base instrutória, sem reclamações.

*** A final, foi proferida sentença que julgou a acção procedente.

*** Desta decisão interpôs recurso o Réu, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa revogado o decidido, julgando a acção improcedente.

*** Inconformada, recorreu de revista, a Autora Teresa Fernandes, tendo pedido que se revogue o Acórdão recorrido, julgando-se procedente a acção, nos termos decididos na sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância.

*** Por Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 3.7.2014 – fls. 744 a 758 – foi concedida a revista, revogando-se o Acórdão recorrido para ficar a vigorar o decidido em 1ª Instância.

*** Transitado em julgado o referido Acórdão, o Réu BB, interpôs recurso para Uniformização de Jurisprudência – nos termos do art. 688º e seguintes do Código de Processo Civil – Lei nº49/2013, de 2.6 – por considerar que existe contradição com o decidido no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 13.7.2010, transitado em julgado, proferido no Proc. 1047/06.9TVPRT.P1.S1, sobre a mesma questão fundamental de direito.

*** Nas alegações apresentadas formulou as seguintes conclusões: 1.ª Em 19.04.2010 a Autora, AA, instaurou os presentes Autos contra o Réu, ora Recorrente, alegando em síntese que ambos foram casados entre si no regime da comunhão de bens adquiridos, e que na pendência do casamento foi adquirido um imóvel que veio a tornar-se a casa de morada de família, cujo preço foi pago com dinheiro proveniente de poupanças da Autora, ainda em solteira, ou com a venda de bens que lhe advieram por sucessão de seus pais, pelo que tal imóvel não integra o acervo de bens comuns do casal, devendo antes ser considerado como bem próprio da Autora, excluído da comunhão, fundamentando a sua pretensão nos termos da alínea c) do art. 1723° do Código Civil.

2.ª Os Autos seguiram os ulteriores trâmites legais e foram, em devido tempo, interpostos recursos para o Tribunal da Relação de Lisboa e, posteriormente, para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo que o primeiro considerou o prédio urbano em causa nos presentes autos comum do casal e o último considerou-o bem próprio da Autora.

3.ª Sucede que, o Acórdão recorrido não pode manter-se, uma vez que não efectuou uma correcta apreciação dos princípios legais e das normas em vigor.

4.ª Consta dos factos provados nos autos que Autora e Réu casaram, entre si, em 24 de Julho de 1982, sob o regime da comunhão de adquiridos, e na constância do matrimónio adquiriram o prédio urbano visado nos presentes autos, mediante a celebração de uma escritura pública de compra e venda, outorgada pelo Réu, por si só, e sem qualquer menção quanto à eventual proveniência do dinheiro ou de representação do seu cônjuge.

5.ª Sucede que, o Supremo Tribunal de Justiça, na decisão ora recorrida, decidiu que a falta de declaração exigida pela alínea c) do art.1723° do Código Civil, pode ser substituída por qualquer meio de prova que demonstre que o pagamento foi feito apenas ou maioritariamente com o dinheiro de um deles ou com bens próprios de um deles, afastando, desse modo, a aplicação do art. 1724° do Código Civil, e aplicando o art. 1726° do Código Civil.

6.ª Sucede ainda que, com esta decisão, aquele Tribunal esqueceu o segundo requisito da alínea c) do art. 1723° do Código Civil, ou seja, ignorou a exigibilidade de intervenção de ambos os cônjuges, e ainda mais, o facto da escritura ter sido assinada apenas pelo Réu, ora Recorrente.

7.ª Mais, sucede que essa decisão é contraditória com a decisão tomada anteriormente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no processo n.°1047/06.9TVPRT.91.S1.

8.ª Neste, à semelhança do que sucede nos presentes autos, resultou provado que foi adquirido um imóvel mediante a celebração de escritura pública outorgada pelo cônjuge marido sem qualquer menção especial quanto à proveniência do dinheiro, tendo resultado, ainda, provado que a maior parte do dinheiro utilizado para o pagamento daquela aquisição era da titularidade do cônjuge mulher.

9.ª Sucede que, naquele caso, o Supremo Tribunal de Justiça, ao contrário do que fez nos presentes autos, considerou que o bem não podia ser considerado bem próprio fundamentando-o da seguinte forma: apesar de se considerar que a alínea c) do art. 1723° do Código Civil contém uma presunção juris tantum quanto à propriedade dos bens, que poderá ser ilidida nas relações internas entre cônjuges após a dissolução do casamento, não significa que não se considere que aquele preceito legal exige a intervenção de ambos os cônjuges, um a adquirir por reemprego de bens próprios e outro a reconhecer que esses bens adquiridos são próprios do seu consorte que adquire. Sem prejuízo, nesse caso, de um eventual direito de compensação.

10ª. A verdade é que a escritura pública de compra e venda não foi outorgada por ambos os cônjuges, mas sim, pelo cônjuge marido que interveio por si só, sem qualquer intervenção do cônjuge mulher ou sem qualquer poder de representação desta.

11.ª Pelo exposto, entende o ora Recorrente, com o devido respeito e, salvo melhor opinião que o supra citado Acórdão está em contradição com o Acórdão proferido nos presentes Autos, tendo em conta que a factualidade em causa em ambos os processos é idêntica, senão igual, estando em causa a mesma questão fundamental de direito a qual foi apreciada sob o domínio da mesma legislação. No entanto, aos mesmos factos, e à mesma questão de direito (que seja reconhecido determinado imóvel como bem próprio da cônjuge mulher), o Supremo Tribunal de Justiça vem aplicar normas e entendimentos sobre a aplicação das mesmas normas totalmente diferentes e opostas.

12.ª A verdade é que no Acórdão mais antigo o Supremo Tribunal de Justiça entende que, independentemente da prova da proveniência do dinheiro ou dos bens utilizados na aquisição do bem em causa, é sempre necessária a intervenção de ambos os cônjuges no documento de aquisição, nos termos da 2ª parte da alínea c) do art. 1723° do Código Civil, enquanto, no Acórdão dos presentes autos, de que ora se recorre, o mesmo Supremo Tribunal de Justiça afirma que uma vez feita a prova da proveniência daqueles dinheiros ou bens usados para a aquisição do bem, está afastada a aplicação do art. 1724°, alínea b) e aplica, ao invés, o art. 1726, sem sequer se referir ao requisito previsto na última parte da alínea c) do art. 1723° do Código Civil, ou seja, à necessidade de intervenção de ambos os cônjuges nos documentos de aquisição e, inclusive, não considerando como relevante o facto da escritura ter sido assinada apenas pelo Réu e das implicações que daí decorrem quanto ao direito de propriedade.

13.ª No nosso modesto entender, o Acórdão ora Recorrido, contraria expressamente a decisão do Acórdão anterior, supra identificado, em virtude de ter preterido e ignorado a exigência da segunda parte da alínea c) do art. 1723° do Código Civil, e aplicado, sem mais, e interpretando incorrectamente a aplicação do art. 1726° do Código Civil.

14.ª A aplicação do art. 1726° do Código Civil não dispensa, nem afasta a aplicação da alínea c) do art. 1723° do Código Civil, e seus requisitos. Dito de outra forma, no caso de prevalecer a entrada com bens próprios e por isso, também este bem se considerar próprio, importa não dispensar o cônjuge adquirente de se submeter à disciplina estabelecida nas normas referentes à sub-rogação real.

15.ª Por sinal, não faria sentido que a exigência do art.1723°, al. c) do Código Civil deixasse de ser aplicada só porque a aquisição não foi realizada apenas com dinheiro ou valores próprios, mas também com uma percentagem de capital comum…Assim, se não se tratar de uma troca directa e se o cônjuge adquirente não mencionar a proveniência do dinheiro com intervenção de ambos os cônjuges, todo o bem adquirido será comum.

16.ª Requer-se, por isso, a V. Ex.ªs a uniformização da Jurisprudência quanto a esta matéria, e, em consequência, seja definido se no caso de uma escritura pública outorgada apenas por um cônjuge, e ainda que o outro cônjuge prove que foram utilizados apenas ou maioritariamente dinheiros próprios seus, aquele bem pode ser declarado bem próprio seu sem que tenha intervindo naquela aquisição, conforme exige a alínea c) do art....

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