Acórdão nº 284040/11.0YIPRT.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução09 de Julho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA apresentou um requerimento de injunção, dirigido contra a Irmandade de BB, pedindo o pagamento de € 84.891,57 (€ 73.800,00 de capital, dos quais € 60.000,00 de honorários e o restante de IVA, e € 10.938,57 de juros de mora), correspondentes a honorários devidos por ter procedido à "direcção técnica da obra de construção da Unidade de Cuidados Continuados do Hospital de CC, propriedade da requerida", na qualidade de arquitecto e "sob adjudicação e mandato" da mesma.

Disse ainda tê-la interpelado por diversas vezes, mas que a requerida nada pagou, apesar de ter reconhecido a dívida.

A ré contestou, negando dever qualquer quantia ao requerente. Alegou que a sociedade DD, Arquitectos, Unipessoal, Ldª, mas não o requerente, lhe prestou serviços de arquitectura, que foram integralmente pagos. Disse ainda ser inepto o requerimento de injunção, por falta de causa de pedir, ser falso que alguma vez tivesse reconhecido tal dívida e pediu a condenação do requerente como litigante de má fé, em multa e em indemnização não inferior a € 5.000,00.

A autora replicou; e pediu que fosse a ré a ser condenada por litigância de má fé, em multa e indemnização não inferior a € 8.000,00.

No saneador, determinou-se que a acção seguisse a forma de processo comum ordinário.

A acção foi julgada improcedente pela sentença de fls. 418, com o fundamento de que “o autor não logrou demonstrar, como lhe competia, os factos constitutivos do direito que alega”; considerou-se ainda não haver razão para condenar nenhuma das partes como litigante de má fé.

O autor recorreu, impugnando a decisão sobre a matéria de facto e a improcedência da acção; mas a Relação confirmou a sentença, nestes termos: “Desde logo se salienta que a reapreciação da matéria de facto, pela Relação, no âmbito dos poderes conferidos pelo artº 712º do CPC, ora com igual referência ao artº 662º do NCPC, não pode confundir-se com um novo julgamento, destinando-se essencialmente à sanação de manifestos erros de julgamento, de falhas mais ou menos evidentes na apreciação da prova, sendo entendimento dominante na jurisprudência que a convicção do julgador, firmada no princípio da livre apreciação da prova (artº 607º-nº4 do Código de Processo Civil), só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando fundamentada em provas ilegais ou proibidas ou contra a força probatória plena de certos meios de prova, ou então quando afronte as regras da experiência comum, por verificação de erro de julgamento.

(…) Atento o comando do art.º 640º do Código de Processo Civil e os ónus que por via do indicado preceito legal são impostos aos recorrentes que pretendam impugnar a matéria de facto, conclui-se que, no caso sub judice, não cumpriu o apelante o ónus imposto pelo n.º 2-a) do citado artigo, designadamente, desde logo, nas alegações do recurso de apelação, o recorrente não procede à indicação das “exactas” “passagens da gravação em que funda” o seu recurso para basear o alegado erro de julgamento com referência às provas gravadas – depoimentos de parte e depoimentos testemunhais –, tendo, no caso, a recorrente, distintamente, procedido tão só à mera indicação do início e termo da gravação de cada depoimento por referência ao assinalado na acta nos termos que vigoravam na redacção dos art.º 690º-A-n.º2 e 522º-C-n.º2 do Código de Processo Civil na redacção anterior à decorrente das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, não sendo já tais preceitos aplicáveis no caso em apreço; sendo, ainda, que nos termos expressos no art.º 640º-n.º2-a)-parte final, do Código de Processo Civil, a faculdade de a parte proceder à transcrição total ou parcial dos depoimentos não exclui o indicado ónus imposto no mesmo artigo.

E, a lei sanciona o incumprimento do indicado ónus com a imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, na parte respectiva parte.

(…) Assim, relativamente aos depoimentos gravados invocados pelo recorrente, designadamente depoimentos de parte e depoimentos testemunhais indicados, não poderão os mesmos, por imperativo legal, ser reapreciados em sede de recurso, consequentemente, não relevando quaisquer considerações referentes a tais depoimentos expostas pelo recorrente.

(…) Relativamente às declarações da legal representante da Ré, inexiste nos autos confissão judicial escrita, (…) Os indicados documentos e os demais documentos assinalados, e juntos aos autos, reportam-se, todos, e quaisquer deles (…), à intervenção do Autor na obra em referência como “Projectista de Arquitectura” ou “Coordenador de Projecto” em representação da firma “ DD, Arquitectos, Lda.”, nunca em nome próprio, singular, e, todos eles, constituem mero escrito particular conforme a legal definição dada pelo art.º 363º-n.º 1 e 2 do Código Civil, e, de livre apreciação pelos Tribunais, (…) (…) consequentemente, nenhuma prova vinculada resultando assim de tais documentos nos termos do indicado preceito legal, e, não constituindo ainda, em qualquer caso, e quanto aos documentos de intervenção da Ré, “confissão”, (…) devendo manter-se as respostas dadas aos artigos da Base Instrutória em referência, nenhuma prova tendo sido oferecida pelo Autor que “documente” a responsabilidade da Ré pela peticionada divida invocada na petição inicial.

Nestes termos, inexistindo erro de julgamento que se evidencie, e não ocorrendo violação ou preterição de meio de prova vinculada, improcedem os fundamentos de impugnação da matéria de facto.” Mantendo a decisão de facto, a Relação confirmou a improcedência da acção.

  1. O autor recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões: «1. Nos termos do art. 662° n° 1 do CPC, a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa; 2. Em qualquer destes casos, a Relação limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório, deve integrar na decisão o facto que considere provado ou, retirar dela facto que ilegitimamente foi considerado provado; 3. 0 Recorrente levou ao conhecimento do Tribunal da Relação todos os elementos probatórios que impunham a modificação da decisão sobre a matéria de facto; 4. 0 Tribunal da Relação fez mau uso dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 662º do CPC, ao considerar que não houve erro de julgamento, não alterando a decisão sobre a matéria de facto; 5. O STJ tem poderes para sindicar o mau uso, ou o não uso, da prorrogativa que o art. 662° do CPC confere à Relação, quando tal se imponha por violação das regras de direito probatório material e errada interpretação da prova – hipóteses verificada no caso vertente; 6. No caso dos autos, estes contêm elementos probatórios bastantes ao nível da prova documental, incluindo prova vinculada, para concluir, sem qualquer dúvida pela celebração de um contrato de mandato entre Recorrente e Recorrida, com vista ao exercício pelo primeiro da direcção técnica da obra em apreço sob ajuste e a pedido da Recorrida; 7. Refere-se, sem rigor a fls. 16 do douto acórdão recorrido que, todas as actas de reunião reportam-se à intervenção do Autor em obra como "Projectista de Arquitectura" ou "Coordenador de Projecto" e não a qualquer intervenção em nome próprio, afirmação contrariada pelas actas de reunião de obra nºs 7 e 9; 8. Colhe-se da acta de reunião de obra nº7, de 02/03/2010, ponto 25 que "O Arquitecto AA na qualidade Director de Obra, solicitou que as actas de reunião se encontrassem no livro de obra alertando que em virtude de ser solicitada a prorrogação do prazo da licença de demolições deverá ser realizada uma visita da fiscalização camarária. Pediu ainda ao Dono de Obra para se assegurar da tolerância da Câmara Municipal de … relativamente ao prosseguimento da obra sem que esteja emitida licença de construção"; 9. Na mesma acta de reunião de obra – ponto 26 refere-se "O Arquitecto AA na qualidade de Director de Obra informou o empreiteiro da necessidade da apólice de seguros da obra dever cobrir todas as responsabilidades, independentemente de a licença de construção estar emitida ou não "; 10. Também na acta de reunião de obra n° 9, de 18/ /03/2010, no seu ponto 1 refere-se "Seguro de Responsabilidade Civil de Obra – o Arquitecto AA perguntou ao empreiteiro se já...

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