Acórdão nº 65/14.8YREVR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Julho de 2015
Magistrado Responsável | JOÃO SILVA MIGUEL |
Data da Resolução | 09 de Julho de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Évora promoveu, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 50.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto ‒ Lei da Cooperação Judiciária Internacional ‒, o cumprimento do pedido de extradição do cidadão de nacionalidade..., AA, ..., natural de...., onde nasceu a ..., filho de ... e de ...., titular do passaporte ..., n.° ...., residente no ..., retificada, a fls 1102, para ..., invocando para tanto, consoante os termos do acórdão recorrido, que: «-Ao abrigo da Convenção Europeia de Extradição (Paris, 1957), a Federação Russa solicita ao Estado Português a extradição do seu nacional acima identificado, para efeitos de procedimento criminal (julgamento); -Resultando do pedido formal de extradição e respectiva documentação anexa, juntos aos autos, que contra o cidadão em causa corre termos, no Tribunal do Distrito de Leningraskyi, o processo n.º 050676/2007 (caso.390048/2013), pela indiciada prática de factos (pelos quais se acha ali acusado) puníveis como crime de sequestro organizado de uma pessoa, levado a cabo por grupo organizado, com ameaças de violência e perigo para a vida e a saúde, previsto pelos artigos 126.º, n.º 3, a) e 33.º, n.º 3, do Código Penal da Federação Russa, e punível com pena de prisão máxima de 15 (quinze) anos.
-Tais factos pelos quais se encontra aí acusado (a 25/01/2013), consistem, em síntese, no seguinte: O cidadão cuja entrega é pedida pelo Estado requerente, em data anterior a 18 de Abril de 2007, por razões que se prendem com um litígio sobre a construção de um bloco de apartamentos sito na rua Bassejnaâ, na cidade de Kaliningrado, e que opunha Ûcûs S.P. (Yutsyus S.P.) e Sevalie LA., decidiu organizar o rapto e sequestro do primeiro, levando-o para local desconhecido, tendo por objectivo que o mesmo abandonasse a construção do referido bloco de apartamentos.
Para tanto, elaborou um plano e contratou os serviços de Tazov S.Û, Babienko I.V., [Skosarev I.V.] e Artmenko S.M.
, que ao proposto aderiram, praticando actos indispensáveis à respectiva execução e recebendo dele, como pagamento/recompensa, uma quantia monetária não inferior a 40.000 rublos russos.
Assim, segundo instruções específicas de Arcadiy Jurevich Bunin, no dia 18 de abril de 2007, pelas 7,00 horas, fazendo-se transportar num veículo de marca Mercedes, modelo 230, cujas características identificadoras o Artmenko viciou, de forma a fazer crer que se tratava de um veículo do Estado, Tazov, Babienko, Skosarev e Artmenko seguiram Ûcûs S.P. desde a residência deste, no ..., e, pelas 8,00 horas, abordaram-no na Rua, numa passagem para peões, fazendo-se passar por agentes policiais, e fizeram-no introduzir no referido veículo, transportando-o -sob ameaças e colocando-o na impossibilidade de lhes resistir, fazendo uso de uma pistola da marca Makarov, que exibiram - para um local na floresta, a 1700 metros a sudeste do Km 32 da autoestrada A 194, que liga Kaliningrado a Mamonovo, perto da aldeia de Pâtidorosnoe, onde o mantiveram em cativeiro, algemado, fazendo-o temer pela sua integridade física, tudo de molde a que ele abandonasse a construção do já referido bloco de apartamentos.
Seguidamente, naquela floresta e em local próximo, e com aquele objectivo, abriram uma cova, fazendo-lhe seriamente crer que a mesma se destinava a si e, usando a já referida pistola, que se encontrava municiada e equipada com silenciador, fizeram-no ajoelhar perante Soksarev, que a empunhava e lha encostou à cabeça, actos que praticaram a fim de nele criarem, como criaram, a impressão de morte eminente, a qual veio a ocorrer no dito local, já passadas as 12 horas do dia 18 de abril de 2007, como consequência directa e necessária das lesões causadas, por pelo menos três tiros, desferidos pelo dito Skorasev, com aquela arma sobre a cabeça e o tronco de Ûcûs S.P.
-Os factos descritos, imputados ao extraditando, são susceptíveis de integrar o, crime de sequestro, agravado, nos termos do disposto no artigo 158°, n.°s 1 e 2, alíneas b) e g), conjugado com o artigo 26°, ambos do Código Penal Português, punível em abstracto com pena de prisão de dois a dez anos.
-O mesmo abandonou o seu país de origem a 02/06/2011 e a 19/06/2013, pelo Tribunal do Distrito de Kaliningrado foi determinada a sua prisão preventiva, nos termos do artigo 108.º do Código de Processo Penal da Federação Russa, e inserido na lista da INTERPOL de procurados internacionalmente.
-O extraditando esteve detido à ordem dos presentes autos, desde 19 de Maio de 2014, até 27 de Junho de 2014, tendo sido restituído à liberdade, por ter sido atingido o prazo limite de 40 dias, sem que o pedido formal de extradição houvesse sido recebido pelas autoridades portuguesas, tendo então ficado sujeito a apresentações semanais no SEF com jurisdição na área da respectiva residência, nos termos do n.º 3 do artigo 64.º da Lei n.º 144/99.
-Após ter sido apresentado o pedido formal de extradição às autoridades portuguesas, Sua Excelência, a Sr.ª Ministra da Justiça, por despacho datado de 21 de Janeiro de 2015, considerou admissível o seu prosseguimento.
-O procedimento criminal não se encontra extinto, por prescrição, nos termos da legislação portuguesa, ou russa.
-Não corre, nem correu, nos Tribunais Portugueses, qualquer processo criminal contra o extraditando, pelos mesmos factos que fundamentam o presente pedido de extradição, ou por outros.
-O presente pedido formal de extradição satisfaz os requisitos do artigo 2.º da Convenção Europeia de Extradição, e do artigo 31.º da Lai n.º 144/99, de 31 de Agosto.
-Este Tribunal é o competente para a decretar nos termos do disposto no artigo 49.º, n.º 1 da Lei 144/99, de 31 de Agosto.» O extraditando foi ouvido, nos termos do artigo 54.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto (Lei da Cooperação Judiciária Internacional), não tendo abdicado da regra da especialidade, nem consentido na sua extradição para a Federação Russa, nem renunciado à fase judicial do processo, bem como tendo, nesse ato, ficado o mesmo sujeito à medida de Termo de Identidade e Residência.
Notificado para deduzir oposição, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 55.º da citada Lei n.º 144/99, veio deduzir oposição ao pedido de extradição, invocando em síntese, como mencionado no acórdão recorrido, que: - Não bastam as garantias formais de não se verificarem as situações previstas no artigo 6.º, alíneas a) e d) da Lei 144/99 de 31 de Agosto, com base nos elementos fornecidos pelo próprio Estado requerente, quando o mesmo reiteradamente viola os diretos constantes da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas e da Convenção Sobre Tortura, Convenção contra Tortura o Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, tratando-se de causa de recusa expressa na citada Lei 144/99; - Da inexistência de garantias reais e não meramente formais relativamente ao princípio da especialidade, pelo Estado requerente perante, nomeadamente a ineptidão da acusação proferida no processo da Federação Russa (traduzida de forma ininteligível), que deu origem aos presentes autos, quando apreciada à luz da lei portuguesa; - Da verificação neste caso do pressuposto negativo do artigo 6.º, n.º 1 alínea a) e da causa de recusa facultativa prevista no artigo 18º, n.º 2 da Lei 144/99 de 31/08; - Do extraditando ser alvo de perseguição da "máfia russa", tendo sido vítima de ameaças e tentativa de homicídio, conforme queixa crime por si apresentada no seu país, por factos ocorridos a 31/10/2010, documentos de fls. 367 a 369, razão pela qual temendo pela sua vida e ainda para protecção da sua família, abandonou aquele pais; - Encontra-se em Portugal, desde Agosto de 2011, actualmente com a sua família (mulher e três filhos, todos menores), que se encontram todos regularizados neste país, a mulher é empresária e os filhos frequentam a escola (documentos de fls. 370 a 373, o requerido e efectuou pedido de reagrupamento familiar ao S.E.F. (conforme recibo junto a fls. 374), vive em casa própria e colabora na empresa da mulher, encontrando-se integrado empresarial, social e familiarmente; - Da extradição acarretar a separação desta família, com violação do disposto no artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (dificuldade de contactos e escassez de visitas); - Não praticou os factos que lhe são imputados no aludido processo da Federação Russa; - Do tratamento desumano e degradante durante a prisão preventiva ou cumprimento de pena, nomeadamente pela falta de condições (nomeadamente de higiene, luz natural, de espaço ou privacidade, nas celas russas) e no transporte de presos e da violência das forças policiais, violando o Estado requerente sistematicamente o disposto nos artigos 3.º e 6.º da CEDH e das violações de decisões do TEDH, quando decidem ordenar provisoriamente a suspensão de uma extradição, como fundamento da recusa, nos termos do disposto nos artigos 6.º, alínea a) da Lei 144/99 de 31/08 e artigo 1.º, alínea b) da Resolução da Assembleia da República n.º 23/89 de 21/08; Indicou prova testemunhal, 9 testemunhas e juntou documentos.» 2. O Procurador-Geral Adjunto junto do Tribunal da Relação respondeu à oposição deduzida, pugnando pela procedência do pedido inicial de extradição, invocando para tanto, e em suma, «que o extraditando foi identificado como a pessoa a extraditar, o que reconheceu, e não se mostram presentes razões fundamentais determinantes do afastamento dos pressupostos do pedido de extradição, constantes dos artigos 6.º, 7º, 8.º, 10.º e 18.º, n.º 2, todos da referida Lei 144/99, atentas desde logo às garantias apresentadas pelo Estado requerente a fls. 260 e 261 destes autos, nomeadamente em conformidade com as normas da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, das Nações Unidas e do Conselho da Europa, sobre esta matéria, sem olvidar que a...
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