Acórdão nº 1966/05.0TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução09 de Julho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

1. AA - Soc. Imobiliária, Ldª, intentou acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB.

Logo na petição inicial requereu a intervenção principal da sociedade CC - Empresa de Construção Civil, S.A.

, a fim compor o litisconsórcio necessário activo.

Pediu condenação do R. a pagar-lhe a quantia de € 994.156,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 8-8-04 até efectivo pagamento.

Alegou que, em 26-6-02, a A. e a Soc. CC celebraram com o R. um contrato-promessa de compra e venda das acções representativas da totalidade do capital da sociedade DD, S.A., e a adquirir os créditos por suprimentos que o mesmo R. detinha sobre a referida sociedade.

Essa sociedade era proprietária de um prédio urbano que constituía o único activo relevante da mesma, tendo a A., enquanto empresa imobiliária, interesse em adquirir esse imóvel para nele realizar um projecto imobiliário. Foi a aquisição desse imóvel o verdadeiro motivo e objectivo que determinou a celebração do contrato, com previsão de um conjunto de declarações e de garantias relativas à situação jurídica, fiscal, contabilística e patrimonial da sociedade, as quais teriam que estar verificadas na data da transmissão das acções, mediante a realização de uma auditoria, a exigir a colaboração do R.

A A. entregou ao R., por conta do preço, o montante de € 497.078,00 e, quando se apercebeu que aquele perspectivava a marcação da data para a celebração do contrato definitivo, comunicou-lhe a necessidade de ser realizada a referida auditoria. Mas antes que a auditoria se realizasse o R. emitiu uma declaração de resolução do contrato.

Concluiu que nunca se constituiu em mora quanto à obrigação de celebrar o contrato definitivo e que nunca houve incumprimento definitivo da sua parte, pelo que vindo o R. a resolver, sem fundamento, o contrato-promessa, manifestou inequivocamente a vontade de não cumprir, constituindo-se na obrigação de lhe entregar o dobro do sinal prestado.

Invocou ainda que, entretanto, a A. e a sociedade CC acordaram que apenas aquela iria adquirir as acções prometidas comprar e vender, renunciando a CC a qualquer direito que lhe assistisse no âmbito do contrato-promessa em causa, quer perante a A. quer perante o R.

Todavia, como o R. não interveio nesse acordo e a CC não quis voluntariamente acompanhar a A. na acção, para assegurar a sua legitimidade face ao R., requereu a intervenção principal provocada da dita sociedade.

O R. impugnou a factualidade articulada na petição inicial, invocando que o incumprimento do contrato era imputável à demandante, aduzindo que, contrariamente ao estabelecido, não lhe deu qualquer conhecimento das vicissitudes do processo camarário para licenciamento do empreendimento imobiliário, nem promoveu a sanação das insuficiências do projecto que foram assinaladas pela CML. Além disso, a auditoria a efectuar à sociedade era de extrema simplicidade, uma vez que a contabilidade era diminuta e a empresa não tinha actividade, tendo colaborado na realização desses trabalhos que, só por culpa da A. e dos seus auditores, não foram concluídos.

Foi admitida a intervenção principal da sociedade CC, S.A.

que concluiu ser parte ilegítima e não ter interesse em agir, a qual entretanto foi declarada em estado de insolvência.

Também a A. AA foi declarada em estado de insolvência, sendo habilitada em seu lugar a sociedade EE - SGPS, S.A.

, Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu o R. do pedido.

A habilitada EE, SA, interpôs recurso de apelação, o qual foi julgado improcedente.

Interpôs depois recurso de revista em que essencialmente concluiu que: a) Deve ser dado provimento às nulidades alegadas no ponto II das presentes alegações, devendo ser anulada a decisão proferida nas instâncias; b) Caso assim não se entenda dever ser a mencionada nulidade suprida, devendo indicar em que sentido deverá a decisão ser corrigida dando-se cumprimento ao disposto no art. 731º do CPC.

  1. O presente recurso deverá ser acolhido declarando o STJ que o regime declarar que os contratos-promessa de compra e venda a interpelação admonitória constitui elemento essencial, na fixação do incumprimento do devedor, d) Igualmente deverá ser fixado que o contrato dos presentes autos é um contrato bilateral com natureza sinalagmática sendo lícita uma das partes não cumprir (prestando o que lhe era devido) enquanto a outra não cumprir as suas obrigações.

  2. Igualmente deverá ser declarado que a chamada a recusa peremptória do cumprimento deverá ser precedida da prévia marcação por parte do promitente vendedor da data hora e local da celebração do contrato, devendo ser a referida marcação idónea para a prática dos actos previstos.

  3. A simples comunicação a conceder o prazo de 15 dias por parte do promitente-comprador, para a celebração do contrato prometido, solicitando apenas o cumprimento pelo promitente vendedor da sua obrigação de prestação do preço prometido mediante transferência bancária, sendo omissa quanto à correspondente prestação promitente-comprador, de entrega dos títulos representativos do capital social da sociedade objecto da prometida venda, não constitui elemento idóneo para constituir o promitente-comprador em mora, muito menos em incumprimento definitivo.

  4. Se na mencionada comunicação for omissa quanto a entrega de demais elementos pelo promitente-vendedor respeitante à prometida venda, como sejam as cartas renúncia dos membros dos órgãos sociais e dos livros da sociedade, não constitui documento idóneo para proceder à marcação da celebração do contrato definitivo.

  5. A doutrina que defende a dispensa da interpelação admonitória, na situação de recusa peremptória, não é aplicável aos presentes autos, da sua aplicação não pode resultar em momento algum o afastamento das disposições do art. 808º do CC. Esta doutrina não pode colidir com as disposições constantes do art. 808º do CC, mais concretamente quando do processo não resultam sem margem para qualquer dúvida da recusa de uma das partes e da vontade em cumprir de forma objectiva com todas as suas obrigações contratuais previstas no presente contrato.

  6. A aplicação da referida doutrina sem se assegurar de forma plena e inequívoca a recusa da contra parte em contratar e verificada a vontade do eferente da prestação em cumprir plenamente as obrigações livremente assumidas. j) Havendo dúvidas quanto à perfeição da prestação oferecida quer quanto, ao modo e local da prestação é elemento suficiente para afastar a aplicação da mencionada Doutrina. Em caso de dúvida deverá aplicar-se o regime comummente aceite da necessidade de interpelação admonitória.

  7. O pedido de transferência bancária do preço num contrato-promessa de compra e venda sem a devida informação quanto a simultaneidade de entrega dos direitos objecto da promessa, não constitui acto idóneo para concluir pela recusa peremptória quando a outra parte solícita e invoca ausência de dados sobre o cumprimento da obrigação correspondente ao pagamento do preço.

  8. No âmbito do vínculo contratual objecto dos presentes autos, é lícito ao promitente-comprador não fazer a entrega do preço sem ter assegurada a prestação correspondente, ou seja a entrega dos títulos representativos do capital social da sociedade e demais elementos constantes do contrato livremente aceites pelas partes; m) Havendo disposição contratual que num contrato-promessa de compra e venda de acções representativas da totalidade do capital social que preveja a realização de auditorias contabilísticas, a referida disposição deve ser cumprida, como se tratasse de uma obrigação contratual.

  9. Deve o STJ receber o presente recurso devendo ao mesmo ser concedido a natureza de recurso ampliado de Revistas, porquanto a interpretação dada por um acórdão desse mesmo tribunal, afastando a necessidade da interpelação admonitória, para fixar sobre a sua dispensa em caso de recusa absoluta e peremptória, pode, como no caso dos presentes autos, ser susceptível de incorrecta aplicação, porquanto não se faz a devida distinção entre a interpelação para cumprimento e os requisitos que esta deve conter, Houve contra-alegações.

Cumpre decidir II - Factos provados (com especificação adicional de alguns documentos e com ordenamento lógico-cronológico): 1. Encontra-se matriculada na CRC de Lisboa, sob o n° …, a soc. DD -UTILIDADES, EQUIPAMENTOS e INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS S.A., estando inscrito, pela inscrição n° 27, de 20-7-04, que o Presidente do Conselho de Administração é o ora R., conf. certidão de fls. 48 a 56 – E); 2. Encontra-se inscrita a favor de DD, S.A., a aquisição do prédio urbano sito na R. de …, nºs 14 a 24, em Lisboa, descrito na 4ª CRP de Lisboa, sob o nº …. e inscrito na respectiva matriz sob os arts. … e …, conf. certidão de fls. 57 a 61 – F); 3. O prédio referido em 2.

é o único activo relevante de DD, S.A. – G); 4. O R. era, à data da propositura da acção, o único accionista de DD, S.A. – H); 5. A A., sendo uma empresa de promoção imobiliária, tinha interesse em adquirir o prédio identificado em 2.

, com vista a nele realizar um projecto imobiliário – I); 6. O R. pretendeu vender o prédio referido em 2.

, por via da alienação da totalidade das acções da sociedade proprietária do imóvel, DD, S.A., e dos créditos de suprimentos por ele detidos na citada sociedade – J); 7. Foi esse o motivo e foi esse o objectivo que determinou a celebração do acordo referido em 8.

– L); 8. Em 26-7-02, AA - SOC. IMOBILIÁRIA, Ldª, e CC - EMPRESA de CONSTRUÇÃO CIVIL, S.A., como promitentes-compradoras, e BB, como promitente-vendedor, celebraram entre si o acordo cuja cópia consta de fls. 31 a 38, compreendendo os anexos de fls. 179 a 286 – A); 9. Tal promessa incidiu sobre a compra e venda de 18.704.578 acções ao portador, pertencentes ao R., com o valor nominal de 0,01 € cada uma, correspondentes a 100% do capital social da sociedade denominada DD, S.A., com sede na R. …, 71-A, 71-B, em Lisboa, com o capital social de 187.045,78 €, e a cedência...

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