Acórdão nº 1647/13.0TBBRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelJOÃO BERNARDO
Data da Resolução09 de Julho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 .

AA, BB, CC e DD intentaram a presente ação contra: EE - Companhia de Seguros, S.A.

Invocaram detalhadamente os danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do acidente de viação cuja ocorrência imputam ao condutor do veículo seguro na ré, do qual resultou a morte do seu marido e pai, FF.

Pedem, em conformidade, a condenação desta a pagar: A todas, € 354.311,10; À 1.ª, € 60.000,00, a título de danos morais sofridos pela própria; A cada uma das restantes, € 50.000,00, a título de danos morais sofridos pelas próprias; Os juros que se vencerem à taxa legal desde a data da citação e até ao integral pagamento.

A ré contestou sustentando ter sido o acidente da responsabilidade do FF e sustentando, em qualquer caso, ser a indemnização peticionada exagerada.

2 .

A ação prosseguiu e, na devida oportunidade, foi proferida sentença em que se absolveu a ré do pedido.

3 .

Apelaram as autoras e o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu: “São termos em que, julgando a apelação parcialmente procedente, revoga-se a sentença, e condena-se a ré a pagar, respectivamente às 1ª, 2ª, 3ª e 4ª autoras, as quantias de 23 333,00 €, 31 767,00 €, 32 717,00 € e 34 117,00 €, com juros legais desde a data desta decisão (artº566.º, nº2, do CC), e ainda, a todas, em partes iguais, relativamente aos danos atrás identificados nas alíneas b) a d), o que vier a ser liquidado, no valor máximo de 2/3 de 2 905,00 €, com juros legais desde a citação para os termos desta acção (artº805.º, nº3, do CC)”.

4 .

Pedem revista, quer a ré, quer as autoras (estas subordinadamente).

Como as questões relativas a cada um dos recursos se interpenetram, vamos conhecer de ambos em conjunto.

Conclui a seguradora as alegações do seguinte modo: 1. A recorrente não pode conformar-se com o Acórdão recorrido por entender que o mesmo não teve na devida conta a matéria de facto provada e posta à discussão e fez errada interpretação da lei aplicável.

2 . O recurso do ora recorrente tem por objecto: a) a apreciação das várias nulidades de que o acórdão está ferido, por violação, entre outras, das regras do direito probatório material, sendo que a alteração da decisão relativa à matéria de facto efectuada pela Relação está em clara contradição com a matéria de facto provada sob o ponto 16 e que não foi alterada pela 2.ª instância; b) a apreciação da responsabilidade pela ocorrência do acidente, que, no entender da recorrente, é exclusivamente imputável ao falecido FF ou, se assim não se entender, nunca poderá atribuir-se ao condutor do veículo SA um grau de culpa superior ao atribuído ao falecido FF; c) e, no que respeita aos montantes indemnizatórios atribuídos pela Relação, além de exagerados, as importâncias fixadas não estão de acordo com a matéria de facto provada, acontecendo, além disso, que as Autoras foram já indemnizadas pela Companhia de Seguros GG, pelo montante de €121.250,00, pelo que terá sempre de ser deduzida essa importância à eventual indemnização a cargo da recorrente.

2 .

[1] o acórdão está ferido de nulidade no que respeita à alteração da decisão relativa à matéria de facto constante dos pontos 25, 27, 28 e 34 dos factos provados.

3 . Relativamente aos pontos 25 e 27 dos factos provados, entende a recorrente que a Relação excedeu o poder que lhe é conferido pelo nº 1 do art. 662º do CPC, socorrendo-se, para alterar a matéria de facto dada como provada pela 1.ª instância, de um novo meio de prova que nem sequer consta do processo nem tão pouco foi alegado pelas partes. Além disso, as medições constantes da fotografia nº 7 a fls. 38 do auto de inquérito não traduzem as medidas referidas pela Relação, sendo ininteligível por total desacordo entre os dados matemáticos e as medidas constantes da referida fotografia e as conclusões da fundamentação do acórdão.

4 . Na verdade, a Relação, relativamente ao ponto 25, para dar como provado que, no momento do embate, o condutor do veículo SA circulava à velocidade de 67Km/hora, em vez da velocidade de 50Km/hora dada como provada pela 1.ª instância, socorreu-se de um resultado" alegadamente" obtido num "jogo" do site da Prevenção Rodoviária Portuguesa.

5 . Além de a Relação nem juntar o resultado obtido nesse jogo, que refere estar disponível no site da Prevenção Rodoviária Portuguesa, nem explicar como chegou a esse resultado, este site nunca foi utilizado nem referenciado pelas partes nem elo tribunal ao longo de todo o processo.

6 . Se a Relação entendia que existia um outro meio capaz de apurar a velocidade e que não consta do processo, teria de dar cumprimento ao estatuído nos nºs 2 e 3 do art. 662º do CPC, o que não fez.

7 . Salvo o devido respeito, ainda que se admitisse o resultado desse "jogo" constante do site da Prevenção Rodoviária, esse resultado não é dotado de força probatória nem serve qualquer propósito jurídico, não podendo ser utilizado para vincular qualquer entidade judicial.

8 . Aliás, o próprio site nem almeja tal importância, uma vez que consta da sua página electrónica que o mesmo se destina a servir o propósito de educação e sensibilização à formação de professores, jovens e técnicos ligados à construção e sinalização e conservação de diversos tipos de vias.

9 . Pois, se assim não fosse, teríamos encontrado a fórmula mágica de determinar a que velocidade circulava qualquer veículo, bastando, para isso, obter os rastos de travagem.

10 . De referir que, para apurar a velocidade a que circula um veículo, tem de se considerar igualmente o tipo de pneus do veículo e o seu estado de uso, o tipo da via e o seu estado de conservação e respectiva composição.

11 . Ora, esses dados não foram nem podiam ser tidos em consideração pela Relação para apurar a velocidade a que circulava o veículo SA, por serem desconhecidos e só poderiam ser do conhecimento do tribunal e das partes com recurso a uma prova pericial, que não foi efectuada.

12 . Não obstante, o site onde a Relação terá, porventura, efectuado o "jogo” tendo em conta os rastos de travagem é um documento eletrónico, que não é dotado de assinatura digital, pelo que tem um valor probatório semelhante a um documento particular não assinado.

13 . E, nos termos do art. 368º do CC, esse documento electrónico, que é equiparado a um documento particular, não tem força probatória plena, não podendo, por essa razão, afastar a prova testemunhal e as demais provas constantes do processo.

14 . O resultado que a Relação obteve no site da Prevenção Rodoviária não é mais do que uma presunção, conforme ensina Luís Filipe Pires de Sousa, in "Prova por presunção no Direito Civil", Almedina, 2ª edição.

15 . Não sendo admissível que a Relação altere, através de uma mera presunção judicial, um facto dado como assente pela lª instância.

16 . É, assim, inequívoco, que a Relação, ao usar o site da Prevenção Rodoviária para apurar a velocidade, que nunca foi alegado pelas partes nem referenciado em todo o processo, infringiu a lei do processo, fazendo uso ilegal dos poderes conferidos pelo nº 1 do art. 662º do CPC, violando o princípio do contraditório e do dispositivo, tornando nula a sua decisão.

17 . No que respeita ao ponto 27 dos factos provados, e seguindo o mesmo raciocínio do alegado relativamente ao ponto 25, a Relação alterou os factos constantes do ponto 27 da 1.ª instância, tendo por base um cálculo efectuado no resultado do site da Prevenção Rodoviária Portuguesa, nomeadamente através da conjugação entre os rastos de travagem e o tempo de reacção de 1,2 metros, pelo que se dá por reproduzido o que a recorrente alegou relativamente à nulidade invocada Quanto ao ponto 25.

18 . É se salientar que os rastos de travagem de 22 metros do veículo SA não se situam antes do local do embate; pelo contrário, os 22 metros deixados pelo veículo SA situam-se praticamente na sua totalidade após o local onde se deu o acidente, que ocorreu junto ao semáforo avisador, à entrada do túnel (cfr. medições constantes do croqui a fls. 9 e 10 dos autos de inquérito.

19 . Acresce ainda que as operações matemáticas efectuadas pela Relação, nesse ponto, estão erradas e nem sequer traduzem o que consta da fotografia nº 7 a fls. 38 dos autos de inquérito.

20 . Pois, se atentarmos na fotografia nº 7 a fls. 38 dos autos de inquérito, cujos dados métricos foram registados por medição feita no local e não por livre apreciação do tribunal, os metros obtidos diagonalmente não correspondem à distância realmente existente, que é medida verticalmente, sendo, portanto, neste aspecto, incompreensível e errado o resultado matemático calculado pela Relação e que fundamentou a alteração da matéria de facto.

21 . Ora, além de a Relação fazer um uso ilegal dos poderes conferidos pelo art. 662º do CPC, violando, assim, o princípio do dispositivo e do contraditório, utilizando um novo meio prova não discutido no processo, é ininteligível a conclusão a que a Relação chegou face aos dados concretos constantes da fotografia nº 7 a fls. 38 dos autos de inquérito, em que a mesma se baseou.

22 . No que concerne aos pontos 28 e 34 da decisão relativa à matéria de facto alterados pela Relação, além de ininteligível face às medidas constantes da acta da diligência de inspecção ao local e das fotografias dos autos de inquérito, nas quais constam essas medições, a matéria dada como provada nesses pontos está em clara contradição com os factos provados constantes do ponto 16 , e que não foram postos em causa pela Relação.

23 . Foi dado como provado na sentença da 1.ª instância, no ponto 16, que "A face do lancil do lado da via de circulação do SA, dista 30 cm do lado nascente da linha branca que delimita a berma".

24 . Não obstante, a Relação na fundamentação do ponto 28 refere que " .... a linha de/imitadora, à direita, da faixa de rodagem onde seguia o SA, dista poucos centímetros, cerca de 5, do lancil onde o FF parou, mas também que ela própria, deveria ter, de largura, cerca de 10 cms".

25 . Ora, há uma clara contradição entre a fundamentação do...

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