Acórdão nº 487/09.6TBOHP.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Julho de 2015
Magistrado Responsável | MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA |
Data da Resolução | 09 de Julho de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1.
O Fundo de Garantia Automóvel, integrado no Instituto de Seguros de Portugal, instaurou uma acção contra AA, Seguros Gerais, S.A. e BB, pedindo que se declarasse “válido e eficaz” o contrato de seguro titulado pela apólice que identifica, celebrado com a primeira ré, e que se condenasse a mesma ré no pagamento de € 213.691,38, acrescido de despesas de gestão, em montante a liquidar, e de juros de mora, contados desde a citação até integral pagamento. Subsidiariamente, pediu que fosse condenado o segundo réu.
Para o efeito, e em síntese, alegou ter adiantado a CC, lesado num acidente provocado por culpa exclusiva do segundo réu, a quantia de € 120.000,00, a título de indemnização que a primeira ré se recusou a pagar, invocando a invalidade do contrato de seguro ao abrigo do qual fora chamada a proceder a essa indemnização. Pretende agora o correspondente reembolso, bem como de diversas “despesas hospitalares, de transporte e de fisioterapia” e outras, que discrimina.
Ambos os réus contestaram. AA – Seguros Gerais, SA, pronunciou-se sobre os factos alegados e invocou a prescrição de “qualquer direito indemnizatório do A.” contra si. Afirmou ainda que o contrato de seguro em causa – celebrado com DD, cunhado do segundo réu e que se identificou “como proprietário e condutor habitual do veículo seguro” – era nulo, por ter sido celebrado na sequência de declarações falsas do tomador, quer quanto à efectiva propriedade do veículo, quer quanto à identidade do seu condutor habitual (o segundo réu, na realidade).
BB invocou ser parte ilegítima e veio dizer que, quando se dirigiu à seguradora para contratar o seguro, tinha sido aconselhado a fazê-lo em nome de terceiro, titular de licença de condução há mais tempo, para beneficiar de um prémio de valor mais baixo; que forneceu os documentos relativos ao veículo; que o mediador de seguros da AA através do qual o contrato foi celebrado sabia da divergência, não podendo agora esta companhia vir invocar a nulidade do contrato que aceitou: “a seguradora fez crer ao 2º R. que os termos do contrato eram adequados à cobertura dos mesmos, em caso de acidente”.
Quanto ao acidente, sustentou que o único responsável fora o condutor do motociclo que colidira com o veículo que conduzia, nos termos que descreve.
O autor replicou No despacho saneador, foi relegado para final o conhecimento da excepção de prescrição e julgou-se o segundo réu parte legítima.
Pela sentença de fls. 449, decidiu-se não se verificar a prescrição oposta pela ré AA, que foi condenada a pagar ao autor a quantia de € 68.343,45, com juros de mora a contar da citação e até integral pagamento. O segundo réu foi absolvido do pedido.
Interessa agora lembrar especificamente que a sentença considerou aplicável ao caso o regime decorrente do artigo 429º do Código Comercial e 14º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, vigentes à data do sinistro: “Na compaginação destas disposições, a jurisprudência inclinou-se de modo praticamente uniforme sustentando uma posição que releva em dois aspectos: em primeiro lugar, a “nulidade” prevista no artigo 429º do Código Comercial é, na realidade, uma simples anulabilidade, que, em segundo lugar, é inoponível aos lesados”; que as declarações inexactas, se tiverem sido determinantes do contrato tal como foi celebrado, o tornam anulável; que se encontra amplamente consagrado, nos regimes de seguro obrigatório, o princípio da inoponibilidade das excepções contratuais, de que resulta que só a nulidade do contrato de seguro pode ser oposta aos lesados em acidente de viação, nos termos do citado art. 14º do dec-lei 522/85, e não já a anulabilidade”; e que «independentemente da questão de saber se a ré “AA – Seguros Gerais, S.A.” podia efectivamente anular o contrato de seguro – questão que foi resolvida em acção intentada pela ora ré “AA – Seguros Gerais, S.A.” contra o tomador do seguro, sem que, todavia, vincule o ora réu BB e o autor –, sempre se deverá concluir pela inoponibilidade do vício em relação ao lesado e, por efeito da sub-rogação de que goza o autor, também em relação a este.» Mas a Relação revogou a sentença. Alterou parcialmente a decisão sobre a matéria de facto e condenou o segundo réu “BB a satisfazer ao A./Apelado Fundo de Garantia Automóvel o valor de €68.343,45, com juros à taxa legal, contados desde a citação deste R. até integral pagamento”, com o fundamento de que a anulabilidade do contrato, por “inexactidão dolosa quanto à identidade do condutor habitual”, é oponível ao Fundo de Garantia Automóvel.
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O Fundo de Garantia Automóvel recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça.
Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões: «1. No dia 5 de agosto de 2005, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro com a matrícula …-…-BM e o ciclomotor de matrícula 02-LRS-…-....
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O veículo BM era, à data do embate, propriedade de BB, sendo por si também conduzido 3. O ciclomotor LRS era conduzido por CC.
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O Fundo de Garantia Automóvel satisfez a CC indemnização compensatória dos danos decorrentes do mencionado acidente de viação, satisfação essa que havia declinada pela AA – SEGUROS GERAIS, S.A, com invocação de invalidade do contrato de seguro e decorrente de alegadas falsas declarações prestadas no momento da respectiva contratação quanto à identidade do proprietário e do condutor habitual do veículo.
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O ressarcimento efectuado pelo Fundo de Garantia Automóvel ao sinistrado foi efectuado no pressuposto da culpa exclusiva do condutor do veículo sobre o qual recaiam as dúvidas a propósito da validade do seguro e ao abrigo da figura do fundamento do conflito, nos termos do disposto no artigo 21.°, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro.
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Veio assim, nos presentes autos, o Fundo de Garantia Automóvel demandar a AA – SEGUROS GERAIS, S.A. (1.
a Ré) e BB (2.° Réu), pedindo a condenação da Primeira ao pagamento (em rigor reembolso) das quantias despendidas com a regularização do sinistro e, subsidiariamente, caso não se viesse a julgar o seguro válido e eficaz, a condenação do Segundo ao pagamento (reembolso) das mesmas quantias.
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Realizado o julgamento, veio o Tribunal de Primeira Instância, na sua D. Sentença de fls. 449, e em suma (1.
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confirmar a dinâmica do acidente alegada pelo Fundo de Garantia Automóvel, (2.) julgar improcedente a excepção da prescrição, (3.°) entender como inoponível ao direito invocado pelo Fundo de Garantia Automóvel a questão da invalidade do seguro e (4.°) fixar o valor indemnizatório devido.
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Em conformidade, foi o Segundo Réu absolvido do pedido contra si formulado e a Primeira Ré condenada a pagar ao Fundo de Garantia Automóvel a quantia de € 68.343,45, acrescida dos correspondentes juros moratórias contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
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Inconformada, veio a Segunda Ré AA apelar junto do Tribunal da Relação de Coimbra, apelação essa assente em três aspectos, a saber, (1.°) erro de julgamento quanto à matéria de facto relacionada com a celebração do contrato de seguro, (2.°) prescrição do direito invocado pelo Fundo de Garantia Automóvel e (3.°) oponibilidade da anulação do contrato de seguro a terceiros, incluso o Fundo de Garantia Automóvel, sub-rogado nos direitos do lesado.
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Veio o Tribunal da Relação de Coimbra a proferir D. Acórdão de 10.02.2015, o qual julgou procedente o recurso e aí decidindo, em suma, alterar o julgamento dos factos relacionados com a celebração do contrato de seguro e julgar oponível ao Fundo de Garantia Automóvel os efeitos da anulação do contrato de seguro automóvel determinada pelas falsas declarações prestadas aquando da sua celebração.
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Não tendo a ora recorrente instância que lhe permita colocar em causa a bondade e os fundamentos de tal julgamento, face ao poder meramente residual da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, em revista, no âmbito...
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