Acórdão nº 218/11.0TCGMR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução16 de Junho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I A e M, por si e em representação do filho menor de ambos J intentaram contra Y COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e CASA DO POVO DE X (chamada a intervir na réplica), acção declarativa com processo ordinário pedindo a condenação das Rés no pagamento das seguintes quantias acrescidas de juros após a citação: - Ao menor, de uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais no valor global de € 49745,03, acrescido da liquidação posterior pelo dano futuro.

- Aos Autores de uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos no montante de € 11366,30.

A fundamentar estes pedidos alegam em síntese, que: Cerca das 17h15 do dia 10 de Março de 2009 ocorreu um atropelamento dentro das instalações da Ré Casa do Povo, onde o filho dos Autores frequentava o jardim de infância, o qual ocorreu porque a porta da sala estava aberta e a educadora não foi capaz de evitar a saída da criança, consequência do que foi a mesma atropelada pela carrinha daquela Ré.

Em consequência do atropelamento o filho dos Autores sofreu lesões que lhe causaram dores e a necessidade de ser sujeito a intervenções e tratamentos médicos; Sofreu períodos de incapacidade e ficou com uma IPP de 20%, sendo que por via de tal vê o seu futuro comprometido em termos de opções profissionais; O menor ficou com a roupa que envergava inutilizada; Os Autores trabalham e a Autora teve de ficar em casa a cuidar do menor, o que lhe provocou perdas salariais, no montante de € 1399,30 e ambos perderam a alegria de viver e continuam a sofre com o sucedido.

A Ré Casa do Povo transferiu o risco inerente ao veículo interveniente no atropelamento para a R. seguradora através a apólice n.º …..

As Rés apresentaram a sua contestação, tendo a Ré Casa do Povo alegado que foi o comportamento da criança que deu causa ao atropelamento e que todos os cuidados exigidos foram tomados, quer pela educadora e vigilante, quer pelo motorista; por sua vez a Ré seguradora, aceitando ter assumido o risco pela circulação do veículo da Ré Casa do Povo e bem assim ter feito um seguro de responsabilidade escolar, nega que o atropelamento seja um acidente de viação sustentando que a culpa do sucedido é imputável à omissão do dever de vigilância da educadora A final foi produzida sentença a condenar a Ré Y Companhia de Seguros, S.A. a pagar aos Autores a quantia de € 49745,03 pelos danos sofridos por J; pelos danos sofridos por A e M, a quantia conjunta de € 11366,30, quantias essas acrescidas dos respectivos juros, às taxas legais em vigor, a contar desde a citação até efectivo e integral pagamento, tendo absolvido as Rés do demais peticionado.

Inconformada a Ré Y Companhia de Seguros, S.A., interpôs recurso de Apelação o qual veio a ser julgada parcialmente procedente, com a alteração da sentença recorrida e a condenação das Rés Y Companhia de Seguros, S.A e Casa do Povo de X a pagar aos Autores a quantia de € 49745,03 pelos danos sofridos por J; pelos danos sofridos por A e M, a quantia conjunta de € 11.366,30, quantias essas acrescidas dos respectivos juros, às taxas legais em vigor, a contar desde a citação até efectivo e integral pagamento sendo a Ré seguradora responsável até ao limite do respectivo capital seguro e absolvendo os Réus do demais peticionado.

Deste Aresto, inconformada, interpôs recurso de Revista a Ré Casa do Povo de X, apresentando as seguintes conclusões: - Tendo os autores, A e mulher M, por si e em representação de um filho menor, demandado a Companhia de Seguros Y e a ora recorrente, Casa do Povo de X, pedindo o pagamento de uma indemnização, fundada quanto à seguradora, no facto de esta cobrir os danos resultantes de um acidente de viação causado pelo veículo propriedade da recorrente. e, quanto à Casa do Povo, no facto de alegadamente esta ter violado as regras da culpa in vigilando, porque o acidente de viação ocorreu mercê de culpa de uma educadora infantil, veio em 1ª a instância, reconhecendo-se a culpa na produção do sinistro do condutor do veículo da recorrente, a ser condenada a seguradora a indemnizar os danos, e, reconhecendo-se inexistir culpa in vigilando, a ser absolvida a recorrente do pedido contra ela formulado.

- Inconformada, a seguradora interpôs recurso, visando a condenação da ré Casa do Povo por violação das regras da culpa in vigilando, por sustentar que o atropelamento do menor se deveu ao facto de deficiente acompanhamento do mesmo por uma educadora de infância, e visando, por outro lado, a desresponsabilização em sede de acidente de viação do condutor do veiculo propriedade da recorrente, vindo agora o acórdão sob censura recorrido a julgar o recurso procedente, com a consequente condenação da recorrente (embora conjuntamente com a seguradora, mas esta apenas até ao limite do capital de um seguro escolar que também cobria o sinistro).

- Independentemente das razões de discordância em relação ao decidido, e porque essa questão chegou a ser suscitada em 1ª instância, importa começar por assentar em que, não obstante o acidente ter ocorrido dentro das instalações da ré Casa do Povo, recinto privado e acessível à própria Casa do Povo e a quem com ela queira privar, deve ser considerado como acidente de viação, disciplinado pelas regras do Código da Estrada, pois, nos termos do artigo 2º n.º2 do Código da Estrada, este é aplicável também a vias do domínio privado quando abertas ao trânsito público (cfr. no mesmo sentido, e mesmo em relação ao artigo 1º n.º1 do anterior Código da Estrada).

- O acórdão recorrido, decidindo o recurso na matéria de facto (que pretendia a eliminação do facto 24, por contradição entre a resposta dada ao correspondente quesito (12º) e o facto constante no artigo 61) que, porém, não são contraditórios nem conclusivos, optou por, em vez disso, eliminar os factos 14 e 55, por entender que daí constam descrições de natureza conclusiva que deviam extrair-se antes dos factos que constam dos pontos 17 a 23.

- No entanto, para além de se não justificar essa correcção à matéria de facto, outro facto, pelo menos, foi mantido, ao arrepio do bom senso (no facto 22 ficou provado que “caso a porta da sala de actividades se encontrasse fechada, seria evitado que o menor saísse para o exterior daquela”), pois o facto de uma porta se encontrar fechada não significa que a mesma não possa ser aberta para por ela se transitar, e o menor podia abri-la, querendo, pelo que só por si a porta fechada não garantia que ninguém por ela passasse.

- Para além disso, com particular evidência em relação ao modo como a acção foi decidida pelo acórdão recorrido, este deveria, considerando o disposto nos artigos 5º nº2 al b) e 674º nº1 al. c) Código de Processo Civil, ter considerado ainda provada, a seguinte matéria, em resultado da discussão, e conforme se consignou, aliás, na decisão da 1ª instância: “O alpendre onde ocorreu o acidente é lugar de carga e descarga das crianças nas horas de as entregar e levantar 700h às 9.00h e 17.00h às 19.00h” e “A educadora, aquando do acidente, estava na porta, tinha acabado de determinar às crianças que parassem com a brincadeira referida no facto 13, estava a atender uma mãe, não se apercebeu da chegada do WW e quando percepcionou a corrida do J para a porta, ainda o tentou travar, mas sem êxito”, factos que, mercê do provimento do recurso de revista, devem agora ser aditados aos provados, - Sem prescindir, erradamente se decidiu também, em termos de direito, quer quanto à responsabilidade pela produção do acidente quer quanto à fixação do valor das parcelas indemnizatórias.

- Na verdade, o acórdão recorrido admitiu expressamente que “é inquestionável que este (o menor) contribuiu para ° desfecho acidental ocorrido,” pelo que, não obstante o mesmo, por ter apenas 6 anos de idade, ser inimputável, tal inimputabilidade não pode ter como consequência que, como o acórdão recorrido fez, se atribua a responsabilidade integral pelo ressarcimento dos danos, à Casa do Povo de X, antes devendo graduar-se a comparticipação no ressarcimento dos danos, com base nas culpas recíprocas, nessa hipótese que só academicamente se admite, em 10% para o comportamento da educadora de infância e 90% para o próprio menor.

- No entanto, e sem prescindir, tendo-se provado, como se provou que o menor “estava a brincar com outro colega da mesma idade” (facto 13) que havia iniciado uma brincadeira com esse colega “arremessando reciprocamente objectos”, designadamente peças de “legos”, tendo a educadora prontamente proíbido a brincadeira de arremesso. “ordenando às crianças que nela não prosseguissem” (facto (66), não obstante o que o menor, “sem que nada permitisse prevê-lo, correu em direcção à porta de saída da sala de aula, tendo ali educadora tentado alcança-lo, o que não conseguiu”, (factos 66 e 67), é evidente que não era exigível à educadora outro comportamento, nenhum juízo de censura lhe podendo ser feito.

- Mas, por outro lado, provando-se como provou que “o condutor do veículo …-…-WW sabia que ao conduzi-lo dentro da Creche e Jardim de Infância, junto à porta de entrada e saída dos menino das salas de actividades, se poderia deparar de modo repentino com um menor saindo do seu interior” (facto 23), conduzindo o veículo a velocidade que lhe não permitiu “parar no espaço livre e visível à sua frente de modo a evitar um atropelamento” (facto 24) o que não conseguiu evitar porque “não se apercebeu da aproximação do menor a tempo” (facto (9), vindo “o menor no momento em que transpôs a porta de saída da Creche a embater na parte frontal do WW” (facto 68), sendo que “a roda direita da frente da carrinha calcou parcialmente o pé do menor” (facto 71), importa concluir, com a decisão da 1ª instância, que o condutor “omitiu um acto que lhe era objectivamente exigível: tripular o veículo por forma a evitar que o perigo criado pela circulação do mesmo não se concretizasse em lesão efectiva. como veio a suceder”.

- Por último, a indemnização arbitrada, no que respeita...

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