Acórdão nº 1909/07.6TBVFR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA SOTTOMAYOR
Data da Resolução16 de Junho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. Relatório “AA, S. A.

”, com sede na Rua …, n.º …, Loja …, ..., ..., veio instaurar ação, sob a forma ordinária, contra: 1.º “BB, Ld.ª”, com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...; 2.º CC, residente na Rua ..., n.º ..., ...

e 3.º DD, residente na Rua ..., n.º ..., ..., Pretende a autora a condenação solidária destes últimos a pagarem-lhe a quantia de €115.731,52, acrescida de juros de mora vencidos no montante de 8.654,94 euros, bem assim dos que se vencerem até integral liquidação daquele primeiro quantitativo.

Para o efeito e em síntese alegou que, por acordo celebrado em 27.7.2006, foi-lhe cedido um crédito que a sociedade “EE, Ld.ª” detinha sobre a 1.ª Ré, no montante de €115.731,52, o qual tinha por base o fornecimento de cortiça realizado pela cedente àquela Ré, conforme extrato de conta corrente e faturas juntas aos autos apensos de procedimento cautelar de arresto.

Mais adiantou que os 2.º e 3.º Réus eram os únicos sócios da 1.ª Ré e, por documento particular datado de 2.9.2004, constituíram-se fiadores, através do seu aval pessoal dado a todas as compras feitas ou a efetuar pela 1.ª Ré até ao montante de €125.000,00 por isso se tornando responsáveis solidários pelo pagamento do crédito reclamado na ação.

Os Réus, citados para os termos da ação, apresentaram contestação em que se defenderam por exceção e impugnação, no âmbito daquela defesa invocando que, a ser verdadeira a alegada cessão de créditos, os seus intervenientes visaram apenas dificultar a defesa dos Réus, bem assim permitir o desvio de bens e ocultar a atividade ilícita e fraudulenta da firma cedente.

A isso acrescendo a circunstância de se encontrarem já pagas todas as faturas e notas de débito referentes a juros que a Autora considerou em sede de causa de pedir.

Para além do que impugnou grande parte da alegação inicial, sendo falso que a dívida da 1.ª Ré tivesse origem no fornecimento de cortiça.

Nessa medida concluindo pela improcedência da acção e imputando litigância de má fé à Autora, devendo esta ser condenada em multa e em indemnização a seu favor.

Replicou a Autora, rejeitando a defesa por exceção arguida pelos Réus e pediu a condenação destes no pagamento de multa e indemnização a seu favor, por litigância de má fé.

Findos os articulados, proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se a matéria de facto tida como assente entre as partes e organizou-se base instrutória.

Após a realização de diligências probatórias, veio a concretizar-se audiência de julgamento, com gravação das provas, após o que foi a causa sentenciada nos termos que se passam a indicar: a) Condenou-se a 1.ª Ré, entretanto declarada em estado de insolvência, a pagar à Autora a quantia de 115.731,52 euros, acrescida de juros de mora comerciais já vencidos até 16.3.2007, no montante de 8.186,22 euros, bem assim dos vincendos desde 17.3.2007 até integral pagamento daquele primeiro quantitativo; b) Absolveram-se os demais Réus (2.º e 3.º) do pedido contra os mesmos formulado na ação.

Inconformada com a absolvição dos 2.º e 3.º Réus, interpôs recurso de apelação a Autora, tendo o Tribunal da Relação decidido o seguinte: «Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, nessa medida, alterando-se a sentença recorrida, condenam-se ainda os 2.º e 3.º Réus CC e DD, solidariamente com a 1.ª Ré “BB”, a pagarem à Autora parte do valor das facturas n.ºs 2785, 2801 e 2806, cujas cópias se encontram juntas ao apenso de arresto, valor esse a liquidar em momento ulterior».

Quanto ao mais, vai mantida a sentença recorrida».

O 2.º Réu, CC, não se conformando com o acórdão do Tribunal da Relação, vem do mesmo interpor recurso de revista, formulando, na sua alegação de recurso, as seguintes conclusões: I – Inconforma-se o ora recorrente com o decidido no douto acórdão recorrido, porquanto entende que do documento por si subscrito em 02-09-2004, e no qual se pode ler que o ora recorrente, e demais subscritores, “dão o seu aval como garantia” não pode decorrer sua responsabilidade pelas quantias peticionadas nos autos.

II – No que mais interessa, o douto acórdão considera que tal declaração negocial, interpretada de acordo com as regras dos artigos 236.º, n.º 1 e 238.º do CC, consubstancia fiança.

III – Tal entendimento não pode proceder, desde logo porque tanto a recorrida como quem lhe cedeu o crédito sempre terem entendido o plasmado como aval, e porque deveria ser expectável ser esse o preciso sentido querido na emissão da declaração, dado a mesma ter sido emitida por pessoas com experiência no comércio, que reconhecem a diferença entre “aval” e “fiança”.

IV – Mas, ainda que se descontasse a falta de rigor terminológico, certo é que o negócio constitutivo da obrigação padece de nulidade, por ser negócio contrário à lei (cfr. artigo 280.º do CC).

V – Com efeito, resulta claro da construção da figura no Direito português e da opção geral do legislador pelo “Vertragsprinzip” que a fiança tem uma natureza especificamente contratual, dada a excepcionalidade dos negócios jurídicos unilaterais (cfr. artigo 457.º do CC),declarando, a esse propósito Varela, João de Matos Antunes (“Das Obrigações em geral”, II, volume, 4.ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1992, a pág. 474) que “…a fiança deve resultar sempre de um acordo, seja entre o fiador e o credor….”; cfr., no mesmo sentido Mesquita, Henrique, “Fiança (parecer jurídico)”, in CJ, Ano IV, pág. 23 e ss, bem como o acórdão do STJ de 06/06/1990, “Actualidade Jurídica”, n.º 10/11, 1990, pág. 14; os Acórdãos do STJ de 10-11-1993 e 11-10-2011, in www.dgsi.pt).

VI – Segue-se pois, que a aludida “fiança” sempre seria nula, pois resultante de a declaração negocial unilateral (a própria recorrida entende que a declaração é unilateral).

VII – Com efeito, em ponto algum da matéria dada por provada se dá por assente a existência de acordo entre credor e devedor, ou entre fiador e credor.

VIII – Assim, ao dar por assente que a declaração unilateralmente produzida pelo ora recorrente e pela outra subscritora, segundo a qual os mesmos “dão o seu aval pessoal como garantia às Firmas EE, Sociedade Unipessoal, Lda., em todas as compras feitas ou a efectuar pelo BB, …, Lda. e tituladas por factura até ao montante de cento e vinte e cinco mil euros” deve ser entendida como fiança, violou o douto acórdão recorrido o disposto nos artigos 280.º do CC; 294.º do CC; 236.º do CC; 238.º do CC; 457.º do CC.

Termos em que deverá o presente recurso ser dado como procedente e, por via disso, ser o douto acórdão recorrido revogado, no que concerne à consideração da referida declaração como consubstanciando fiança, prestada pelos...

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