Acórdão nº 7/15.3YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelJOÃO TRINDADE
Data da Resolução16 de Junho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça 1- AA, Juiz ..., notificado da deliberação do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), de 11 de Novembro de 2014, que decidiu aplicar-lhe a pena disciplinar de advertência registada, veio dela interpor recurso contencioso com os seguintes fundamentos: - Pela deliberação impugnada foi decidido aplicar ao Recorrente a pena de advertência registada, pela violação dos deveres de obediência e correcção.

- A decisão consubstanciou-se nos factos já constantes da Acusação.

- O Recorrente, embora a respeite, discorda da apreciação feita pela douta deliberação impugnada, na medida em que considera não se verificar o tipo objectivo do ilícito, designadamente por se tratar de questão jurisdicional da competência reservada aos tribunais.

2 - Para tanto e em síntese alegou que - Vem o Recorrente condenado por “violação (…) dos deveres de obediência e correcção, p. e p. pelos artigos 82º, 85º, nº 1 a) e nº 4, parte final e 91º do EMJ, artigos 3º, nº 2, alíneas f) e h) e nºs 8 e 10º do EDTEFP, aprovado pela Lei 58/2008 de 09/09”.

- Considera, assim, a Acusação que o Recorrente violou, ao actuar como actuou, o princípio da independência dos juízes (artigo 4º do Estatuto dos Magistrados Judiciais – EMJ), o dever de prossecução do interesse público [artigo 3º, nº 2, alínea a), do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas - EDTFP], o dever de obediência [artigo 3º, nº 2, alínea f), do EDTFP] e o dever de correcção [artigo 3º, nº 2, alínea h), do EDTFP].

- Salvo o devido respeito, porém, nenhuma das apontadas violações se verifica.

- Quanto à alegada violação do princípio da independência dos juízes, o Recorrente agiu, precisamente, sob a sua égide, de acordo com a interpretação que fez das normas e princípios mencionados no seu despacho proferido no âmbito do processo nº 384/12.8PATVD, transcrito no ponto 16 da douta Acusação.

- Na verdade, tendo em conta que o artigo 4º do EMJ define o princípio da independência como o princípio segundo o qual os magistrados julgam “apenas segundo a Constituição e a lei, não estando sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso pelos tribunais superiores”, não poderá considerar-se que o (suposto) incumprimento da douta deliberação do Conselho Superior da Magistratura (CSM) de 23.04.2012 violou esse dever.

- Por outro lado, é este mesmo princípio que não admite que os magistrados estejam vinculados pelo dever de obediência, previsto no artigo 3º, nº 2, alínea f), do EDTFP, para os trabalhadores que exercem funções públicas.

- Nesse sentido, diz o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21.12.2012, proferido no âmbito do processo nº 75/12.0YFLSB, disponível em www.dgsi.pt, que “como reverso da independência dos juízes, não há relação de hierarquia por parte do CSM em relação à actividade jurisdicional dos juízes, não estando estes subordinados ao poder de direcção do CSM em matéria jurisdicional. Enquanto os órgãos da administração pública têm uma supremacia hierárquica em relação aos seus agentes e funcionários, que se manifesta num poder de direcção da actividade e numa competência disciplinar (e no correspondente dever de obediência dos agentes administrativos), o CSM tem apenas competência disciplinar, mas não dirige a função jurisdicional exercida pelos juízes. Estes não estão subordinados a ordens ou instruções do CSM no exercício da actividade de julgar”.

- Ora, no caso, como se disse, tratando-se de um despacho proferido no exercício da actividade jurisdicional do Recorrente, não se vislumbra de que forma estaria o Recorrente vinculado ao cumprimento da douta deliberação do CSM já referida. - Na verdade, o que aqui ora releva é que a apreciação em causa da douta deliberação impugnada consubstancia uma verdadeira apreciação da interpretação da lei feita pelo Recorrente. - Porém, repete-se, o controlo da sua actuação nesta matéria reveste natureza jurisdicional, não sindicável pelo CSM, estando por essa razão subtraída às atribuições estritamente administrativas desta entidade.

- Na verdade, refere o artigo 203º da Constituição da República Portuguesa (CRP) que “Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei”.

- Por sua vez, tal preceito constitucional é concretizado pelo artigo 4º do EMJ que estatui “[o]s magistrados judiciais julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores.” - Refere ainda o artigo 5º do já mencionado Estatuto, sob a epígrafe “Irresponsabilidade”, que “[o]s magistrados judiciais não podem ser responsabilizados pelas suas decisões”, sendo que apenas nos casos especialmente previstos na lei podem ser sujeitos a responsabilidade civil, criminal e disciplinar.

- Ou seja, as decisões dos Magistrados Judiciais, nomeadamente a aplicação e interpretação do direito, apenas estão sujeitas ao escrutínio dos tribunais superiores, estando, por isso, afastadas da análise disciplinar de qualquer superior hierárquico.

- Assim, no caso em apreço, estamos perante uma apreciação, em sede disciplinar, da interpretação do direito feita pelo Recorrente, o que é inadmissível, salvo o devido respeito, face aos preceitos constitucionais e legais já citados.

- Carece, por isso, o CSM de legitimidade para, sob o prisma da apreciação da responsabilidade disciplinar, conhecer do mérito daqueles despachos.

- Assim sendo, a apreciação dos factos relatados não se insere na competência do CSM, que, nos termos do artigo 217º da CRP, inclui a nomeação, a colocação, a transferência e a promoção dos juízes dos tribunais judiciais e o exercício da acção disciplinar, o que determina, no caso em apreço a nulidade da douta deliberação ora impugnada, que desde já se requer seja declarada.

- Sendo, por essa razão, inconstitucional a interpretação contrária a este entendimento, violadora daquele artigo 217º da CRP, salvo o devido respeito, feita pela douta deliberação impugnada.

- No mesmo sentido, aliás, foi o relatório final do inquérito, que propôs o arquivamento dos presentes autos, no âmbito do qual se referiu que “concorde-se ou não com os fundamentos que invoca para sustentar a inconstitucionalidade, por se tratar de matéria de natureza jurisdicional, não cabe no âmbito dos presentes autos de inquérito, apreciar o mérito da referida decisão. Trata-se de despachos judiciais, proferidos no âmbito de processos pendentes dos quais, por ter recusado a aplicação das normas constantes da aludida Resolução nº 8/2011, cabia recurso, obrigatório para o Ministério Público, para o Tribunal Constitucional (artigo 280º, nº 1, alínea a), da C.R.P.)” – cfr. fls. 329 e 330 dos autos.

- Ainda que assim não se entenda, isto é, ainda que se entenda que o ora Recorrente se encontrava vinculado ao cumprimento da douta deliberação do CSM de 23.04.2012, hipótese que apenas se coloca para efeitos meramente argumentativos e sem conceder, sempre se dirá que, efectivamente, o Recorrente não colocou em causa o cumprimento da referida douta deliberação.

- Na verdade, tendo em conta que a referida douta deliberação, como se refere no ponto 21 da douta Acusação, deliberou que “(…) os Exm.ºs Juízes não podem indicar aos intervenientes processuais quais as normas ortográficas a aplicar” e tendo em conta que a Direcção Geral dos Serviços Prisionais (DGSP), que elabora os relatórios sociais, a solicitação do magistrado titular do processo, não se enquadra nesta categoria, não existiu, no caso, violação da mesma. Neste sentido, foi, igualmente, o relatório final do inquérito que considerou que “[a] citada deliberação do C.S.M. ainda que possa ter pretendido ter um alcance mais alargado, refere-se apenas aos “intervenientes processuais”. Deixa de fora, ainda que possa ter pretendido ter um alcance mais abrangente, as entidades que colaboram com o Tribunal, designadamente a DGRSP. Não pode, pois, concluir-se que o Exmo. Juiz tenha violado o dever de obediência à referida deliberação do C.S.M.” – cfr. fls. 329 dos autos.

- Vem o Relatório Final, a este propósito, e justificando a alteração da posição tomada em sede de Relatório de inquérito, considerar que «reanalisando o teor da deliberação do Plenário do C.S.M. de 23-04-2012, tendo em conta não só o seu teor, mas também o contexto e os motivos que a determinaram o seu sentido e alcance é mais abrangente do que aquele que numa interpretação que admito ter sido excessivamente restritiva da expressão “intervenientes processuais” constante da segunda parte da dita deliberação, na altura lhe atribui. Revendo, nessa parte, a posição inicial temos como mais adequada e plausível a interpretação de que a dita deliberação, além de ter clarificado que não podia indicar ou dar instruções aos Srs. Juízes sobre a observância ou não do Acordo Ortográfico, veio esclarecer que os Srs. Juízes também não podiam indicar ou impor a quem tenha intervenção nos processos que tramitam, independentemente da qualidade em que o façam, quais as normas ortográficas a aplicar”.

- Ora, não só tal interpretação não tem correspondência com a letra do despacho (que decidiu que “…os Exmo.ºs Juízes não podem indicar aos intervenientes processuais quais as normas ortográficas a aplicar”) como não é expectável que o CSM, na qualidade de órgão de natureza jurisdicional, composto por Juízes e personalidades do mundo jurídico, façam uso de uma determinada expressão, sem que a mesma se reporte ao seu conceito jurídico, mas antes a um uso mais abrangente.

- Quanto à alegada violação do dever de prossecução do interesse público, previsto no artigo 3º, nº 2, alínea a), do EDTFP, não se vislumbra – sequer vem concretizado no douto Relatório Final, que se impunha nos termos e para os efeitos do artigo 117º, nº 1, do EMJ –...

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