Acórdão nº 752/04.9TBEPS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução20 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I – Relatório.

AA, intentou acção ordinária, contra BB, pedindo que se declare: Que o Réu BB não emprestou à Autora AA a quantia de 18.064.000$00 a que se refere a escritura pública outorgada no dia 22 de Dezembro de 2000, descrita na petição inicial; Que o outorgante CC, na qualidade de procurador da Autora e no uso dos poderes que lhe tinham sido conferidos pela procuração junta a esta petição, ao confessar que a Autora é devedora ao Réu BB da quantia de 18.064.000$00, nos demais termos dessa escritura pública, e o Réu BB ao declarar que aceitava aquela declaração ou contrato, tinham conhecimento que isso não correspondia à verdade e que através da divergência entre essas declarações e a vontade real, pretendiam enganar terceiros; e que se declare nulo o contrato celebrado através da referida escritura.

Para tanto, alegou, em síntese, que: - por procuração outorgada na Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim e aí arquivada no 10.º Cartório, a Autora AA constituiu seu mandatário o seu filho DD, divorciado, a quem, entre outros, conferiu poderes para fazer e aceitar confissões de dívida, contrair empréstimos junto de quaisquer bancos, constituir hipotecas a favor de terceiros para garantia de quaisquer financiamentos ou empréstimos, penhorar ou hipotecar o prédio rústico sito na freguesia de ..., concelho de ..., descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...; - a Autora tinha dois filhos, o citado CC e outro EE, falecido em Setembro de 1996, no estado de divorciado; - àquele EE sucederam-lhe dois filhos, FF e GG, residentes em …, ..…, França, que da Autora são netos; - a Autora é septuagenária e está internada num Lar da Terceira idade, sendo que o objectivo de constituir mandatário o seu filho CC era o de evitar deslocar-se aos mais diversos locais, tais como Repartições Públicas e Bancos; - a Autora paga uma mensalidade no Lar onde se encontra e podendo supostamente necessitar de alguma intervenção cirúrgica ou tratamento médico e medicamentoso, passou a procuração em causa ao seu filho CC para poder contrair empréstimos e prestar garantias necessárias a esses empréstimos, e tudo exclusivamente no interesse da Autora e o seu valor utilizado na satisfação dessas necessidades; - a Autora veio agora a saber que o CC mantinha negócios com o Réu JJ e este conhecedor da existência da indicada procuração e dos poderes que, através dela, eram conferidos ao CC, propôs a este que, através da competente escritura pública se confessasse devedor de determinada quantia e que, em garantia do seu pagamento fosse constituída hipoteca naquele prédio rústico atrás identificado; - o CC e o Réu BB acabaram por combinar entre eles como capital em dívida o montante de 18.064.000$00 e declarar que a Autora devia ao Réu essa importância, proveniente do empréstimo.

O réu apresentou contestação, defendendo-se por excepção de ilegitimidade e caso julgado, bem como por impugnação.

Em síntese, invoca a ilegitimidade activa, porquanto a escritura pública em causa foi outorgada por DD na qualidade de procurador (e em representação) da sua mãe ora Autora, ou seja, os respectivos poderes de representação foram conferidos pela Autora ao seu filho CC através da procuração irrevogável no interesse exclusivo do procurador; assim, o titular do interesse relevante ao objecto da presente acção é o DD, razão pela qual a autora é parte ilegítima na presente acção; invoca ainda o Réu ilegitimidade passiva do Réu HH em relação ao pedido da alínea b) ao pretender-se uma declaração em relação ao CC que não foi demandado na presente acção; excepciona, ainda, o caso julgado, porque a Autora no processo n.º 414/97, nos autos de execução para pagamento e quantia certa com processo ordinário que lhe é movida pelo Banco II e, na sequência da penhora nos aludidos autos sobre o imóvel que fora objecto de penhora, regularmente citado na sua qualidade de credor com garantia real veio apresentar a reclamação de créditos contra a Autora com base no celebrado através de escritura pública referida no art. 16.º da p.i., mas por decisão proferida em 14.5.2003, no apenso B e já transitada em julgado foi o crédito do ora contestante julgado verificado e graduado em 2° lugar, logo a seguir ao crédito reclamado pelo M.ºP.º; no que concerne à cumulação de pedidos, o Réu sustenta que o pedido formulado pela Autora na alínea a) é incompatível com os formulados nas alíneas b) e c).

Conclui pedindo a condenação da Autora como litigante de má fé.

A autora respondeu às excepções.

A sentença – cfr. fls. 473 a 483 – proferida julgou a acção improcedente, absolvendo o réu dos pedidos que contra si haviam sodo formulados.

Interposto recuso de apelação – cfr. fls. – o Tribunal da Relação do Porto em decisão datada de 16 de Maio de 2013, decidiu julgar a apelação improcedente.

Após várias vicissitudes processuais – v.g. incidente de suspeição da Juíza Desembargadora relatora e incidente de habilitação de herdeiros – veio o ora recorrente apresentar recurso de revista, para o que ressuma o quadro conclusivo que a seguir queda extractado.

I.a. – Quadro conclusivo.

Para o pedido de reforma do acórdão – cfr. fls. 872 a 882.

“Pelo que se requer a V.ªs Ex.ªs a reforma do acórdão nos seguintes termos: 1.º as testemunhas indicadas JJ e KK não são testemunhas do Réu, devendo ficar a constar que são testemunhas da Autora; 2.º que na audição dos seus depoimentos não existem elementos a confirmar a versão do Réu; 3.º as quais depuseram a confirmar a versão da Autora; 4.º a testemunha LL, arrolada pelo Réu, referiu que não se lembrava de nada, como funcionário do Cartório Notarial onde se realizou a escritura há alguns anos, e que já se encontrava reformado; 5.º a testemunha MM, arrolada pelo Réu, declarou que foi ele próprio que emprestou o cheque de fls. 350 e fls. 498 para ser emprestado o dinheiro ao referido procurador da Autora; 6.º o referido cheque de 15.000.000$00 foi junto pelo Réu para prova do empréstimo discutido nestes autos; 7.º o qual não foi emitido a favor do Procurador; 8.º que levantou directamente no PP BCP; 9.º tendo depositado 12.000.000$00 na sua conta; 10.º o fax da NN enviado pelo BB dirigido ao CC, exige o pagamento com os juros , no total de 17.920 contos, reporta-se a este e não ao outro empréstimo; 11.º nunca tendo existido qualquer outro cheque que titule o empréstimo ao procurador; 12.º não existe cheque, ou qualquer outro comprovativo de entrega de dinheiro do Réu à Autora; Deverá ser considerado como provado que para além deste cheque não existe outro cheque; 13.º que nenhum cheque foi emitido pelo Réu a favor da Autora, por confissão deste porque isso resulta da própria alegação do Réu BB com a junção da prova em requerimento de 6 de Novembro de 2006; 14.º que o cheque em causa foi emitido a favor de DD no dia 8 de Abril de 1999 pelo Banco … sendo um cheque da conta do Sr. MM e esposa, OO.

15.º e que esse cheque foi levantado no banco em causa pelo procurador CC, que foi testemunha simultânea de Autora e Réu.

Por tudo isto, estão reunidos todos os elementos para que V. Exªs possam reformar o acórdão, nos termos expostos.” Para a modificação/revogação do acórdão recorrido – cfr. fls. 883 a 896.

“1/ A sentença proferida na 1ª instância, mantida pelo Acórdão da Relação, considerou improcedente a acção, com fundamento nas respostas negativas aos quesitos 3º e 6º da Base Instrutória.

2/ Existe no processo prova testemunhal e documental que não foi tida em consideração pelo Tribunal recorrido e que impunha decisão diversa da proferida.

3/ No que se refere à apreciação da prova testemunhal, existe um erro manifesto do Tribunal recorrido quando refere que JJ e KK são testemunhas do Réu, o que não é verdade uma vez que as referidas testemunhas foram arroladas pela Autora.

4/ O Acórdão recorrido fez uma interpretação contrária, não só quanto aos depoimentos destas testemunhas como da própria posição processual, indicando-as como testemunhas da parte contrária, o que constitui um erro grosseiro e grave.

5/Estas testemunhas, no seu depoimento, referiram que a Autora não precisava de pedir dinheiro, tinha passado uma procuração para que o filho lhe tratasse das coisas se ela fosse operada, não tinha pedido dinheiro ao Sr. JJ, que nem conhecia e que nem tinha visto a cor do dinheiro, pois ela mandava-os fazer a actualização da caderneta e esse dinheiro nunca apareceu na caderneta.

6/ O Tribunal recorrido, salvo o devido respeito que é muito, errou ao não valorar o depoimento da testemunha DD, aqui Recorrente, a qual foi a única que teve uma participação directa nos factos em crise nos presentes autos, uma vez que outorgou a escritura de mútuo e hipoteca.

7/ O Tribunal Recorrido, salvo o devido respeito que é muito, errou ao valorar o depoimento de outras testemunhas que não tiveram participação directa nos factos, afirmando em Tribunal que não se recordavam do sucedido, nomeadamente o Senhor LL, funcionário no Notário da Póvoa de Varzim, local onde foi outorgada a escritura aqui em causa, o qual referiu, como não podia deixar de ser, que não se recordava de nada.

8/ Os depoimentos em causa e o cheque que titulou o negócio real demonstram de forma evidente que a escritura de mútuo consubstancia um negócio simulado, do conhecimento do Recorrido.

9/Existem nos autos elementos de prova documental, além de depoimentos, que só por si, implicam necessariamente decisão diversa da que foi proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não tomou em consideração e que o douto Tribunal desta Relação, de igual modo, não atentou na importância desses documentos.

10/ Salvo melhor opinião, os documentos juntos pela primitiva Autora seriam suficientes, de per si, para o Tribunal, verificando a inexistência de qualquer empréstimo por parte do Réu DD à Autora AA, ter decidido de modo diverso.

11/ O Tribunal recorrido entendeu que "O extracto e o cheque de fls. 387 e 388, nada tem a ver com o cheque emitido pelo Réu a favor da autora", existindo nesta decisão...

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