Acórdão nº 292/13.5TTCLD.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelANA LUÍSA GERALDES
Data da Resolução08 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I – AA Intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, no Tribunal do Trabalho de Caldas da Rainha, contra: BB, CRL Pedindo que a presente acção seja julgada procedente, por provada, e, em consequência: 1) Considerado que existia um contrato de trabalho entre as partes; 2) Declarada a ilicitude do despedimento do Autor, com as legais consequências; 3) A Ré seja condenada a pagar ao Autor: a) a quantia global de € 32.020,01, relativa a créditos laborais vencidos e não pagos; b) a quantia global de € 5.850,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais; c) as retribuições vencidas desde os 30 dias que antecederam a propositura da presente acção até ao trânsito em julgado da sentença nela proferida; d) as contribuições para a Segurança Social; e) os juros de mora à taxa legal contados desde a data da constituição em mora e até integral pagamento.

4) A Ré seja condenada a reintegrar o Autor.

Alegou, para o efeito e em síntese, que: O Autor esteve ligado por contrato de trabalho à Ré, desde 1/5/2009, porém, em 23/10/2012, o Delegado da Ré, CC, comunicou-lhe, por correio electrónico, a decisão da Ré de “dar por dispensados os seus serviços”, invocando falta de produtividade do Autor.

Essa comunicação configurou um despedimento ilícito, por não ter sido precedida de procedimento disciplinar.

Acresce que a Ré nunca lhe concedeu férias ou pagou o respectivo subsídio, bem como o subsídio de Natal, e com o comportamento descrito o Autor sofreu danos de natureza não patrimonial, que pretende ver ressarcidos.

2.

Contestou a Ré argumentando que nunca houve qualquer vínculo laboral ou relação de subordinação próprios das relações entre entidades empregadoras e empregados, pois nunca celebrou contrato de trabalho com o Autor, nada sendo devido a este.

  1. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Em face do exposto, julgo a presente acção procedente e provada e, consequentemente:

    1. Condeno a Ré a reconhecer ao A. AA o estatuto de seu trabalhador, desde 01/05/2009, por efeito de contrato de trabalho sem termo, e consequentemente: b) Declaro a ilicitude do despedimento do Autor por parte da Ré, ocorrido em 23/10/2012. E, em consequência, c) Condeno a Ré BB, CRL, a reintegrar o Autor como seu trabalhador subordinado, com a antiguidade reportada a 01/05/2009, com a categoria profissional de “Inspector” e local de trabalho na Delegação da Ré, em Leiria (área dos distritos de Leiria, Santarém e Portalegre); d) Condeno a Ré “BB, CRL”, a pagar ao A. AA, as seguintes quantias: d.1) a quantia global de €36,151,00, a título de créditos laborais já vencidos, acrescida de juros de mora vencidos desde as respectivas datas de venci-mento, e vincendos, até integral pagamento, contados à taxa anual de 4%; d.2) a quantia de €5.000,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e morais sofridos em consequência do despedimento, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação, e vincendos, até integral pagamento, contados à taxa anual de 4%; d.3) as retribuições vencidas desde 22/08/2013, descontadas as quantias entretanto recebidas pelo A., a título de subsídio de desemprego e/ou como trabalhador subordinado, a liquidar; acrescidas de juros de mora vencidos desde a citação, e vincendos, até integral pagamento, contados à taxa anual de 4%.

    Custas a cargo da Ré».

  2. Inconformada, a Ré Apelou para o Tribunal da Relação de Coimbra, que julgou procedente a apelação, revogou a sentença e absolveu a Ré do pedido.

  3. Insurgiu-se o A. mediante o presente recurso de Revista, apresentando as respectivas alegações, no âmbito das quais formulou, em síntese, as conclusões seguintes:

    1. O douto Acórdão de que se recorre faz igualmente uma alteração da matéria de facto provada, passando a considerar, nomeadamente, que o Autor actuava na sua actividade sob a coordenação do Delegado da BB CC e que o valor que o ora A. recebia fixo seria um "fundo de maneio" para custear as suas despesas.

    2. Ora, apesar das alterações sofridas, não refere o douto Acórdão que as mesmas são instrumentais para a alteração da decisão sobre a existência ou não de relação laboral, chegando quase a afirmar que mesmo que não tivesse havido tal alteração, nunca poderia a relação entre A. e R. ser classificada como sendo laboral.

    3. No âmago do Acórdão de que se recorre, encontra-se a decisão de inexistência da relação laboral, baseada no não preenchimento dos requisitos do artigo 12º do CT, nomeadamente as alíneas a), b) e d), conforme entendimento do Tribunal do Trabalho de Caldas da Rainha.

    4. A interpretação dos factos que levam às referidas conclusões é, salvo melhor opinião, totalmente errada e desprovida de qualquer base.

    5. Relativamente ao local de trabalho, ao nível territorial, o próprio Tribunal reconhece que os concelhos eram determinados pela “BB”, pelo que nenhuma outra consideração haverá a tecer, mas considera, e a nosso ver erradamente, que tal não é suficiente, pois o A. tinha liberdade para escolher os estabelecimentos em específico.

    6. Ora, tal é manifestamente contraditório com a matéria de facto provada no ponto 3.

    7. Ou seja, o A. tinha a obrigação de fiscalizar todos os estabelecimentos de todos os usuários de todos os concelhos da delegação, sem qualquer excepção.

    8. Apesar de ter "liberdade" para determinar que usuários fiscalizava, e em que dias, certo é que o Autor tinha de os fiscalizar a todos. Ou seja, não só havia determinação quanto ao local em termos "territoriais" (quais os concelhos que fiscalizava), como também quanto aos estabelecimentos em concreto, que eram todos "sem qualquer excepção".

    9. Por último, sempre se dirá que é igualmente errado o entendimento que o douto Tribunal “a quo” faz relativamente às deslocações semanais à Delegação.

    10. É que, o A. efectivamente tinha de se deslocar semanalmente à Delegação para entregar relatórios.

    11. De facto, a única conclusão possível face à matéria de facto provada é a de que o local de trabalho era controlado pela “BB”, seja à macroescala (quais os concelhos), seja à microescala (todos os usuários), e mesmo quanto ao controlo da sua actividade através do local de reporte.

    12. Já no que toca aos instrumentos de trabalho, refere o douto Tribunal “a quo” que os bens que lhe eram entregues (dossiers de fiscalização, cartão de "Fiscal", CDs, relatórios, entre outros) não chegariam a ser suficientes, pois "qualquer que fosse o tipo de contrato, o A. sempre teria de se socorrer de tais bens".

    13. Ora, salvo o devido respeito, não pode, ao arrepio da Lei, ser simplesmente decidido que a entrega de bens ao trabalhador para ele realizar a sua actividade não tem qualquer peso na consideração da relação laboral.

    14. É que a letra da Lei é clara quando diz que é factor de consideração de contrato de trabalho os bens os instrumentos utilizados pelo prestador serem da empresa ou do próprio.

    15. E aqui, neste caso específico, os bens são efectivamente da empresa. E, em nosso entender, o elemento determinante deverá ser o da sua impres-cindibilidade para a realização da actividade do prestador.

    16. Assim, o que a Lei pretende, salvo melhor entendimento, é determinar que, nos casos em que os bens/instrumentos entregues são imprescindíveis ao exercício da actividade – sendo a mesma impossível de realizar sem aqueles em concreto –, então tal será um contrato de trabalho.

    17. No caso concreto, o A. não poderia desenvolver a sua actividade sem os bens que lhe foram entregues pela empresa.

    18. A Lei, teleologicamente, não pretende a utilização, contrariamente ao especificado pelo douto Acórdão “a quo”, do elemento característico e /distintivo, propugnado pelo mesmo, do carácter de "autonomia" dado pelo bem entregue.

    19. No que toca à questão dos valores fixos que eram pagos ao Autor, sempre se dirá que, contrariamente ao afirmado pelo douto Tribunal “a quo”, não é "óbvio" que tal requisito não se encontra preenchido.

    20. O valor fixo mensal que o A. recebia era efectivamente uma remuneração fixa, como tem qualquer trabalhador para fazer face, nomeadamente, à gasolina que gasta para ir para o seu local de trabalho, às refeições que efectua perto do seu local de trabalho (na medida em que o subsídio de alimentação não é obrigatório de forma genérica), entre outras despesas.

    21. É que, de facto, afirmar-se que um valor fixo por mês se prende com o pagamento de despesas com a actividade e que, como tal, inexiste contrato de trabalho, é fechar os olhos à realidade social geral do mercado de trabalho português.

    22. Todavia, adianta o douto Tribunal “a quo”: 1 - Que a prestação acordada era de resultado pois era paga uma comissão de 2% sobre o valor das cobranças; 2 - Que inexistia subordinação jurídica – considerando ser esse o expoente máximo do contrato de trabalho.

    23. No caso concreto, a actividade do Autor era de fiscalizar (na medida em que era "fiscal") os usuários, cobrando as quantias que fossem necessárias.

    24. Se não houvesse quantias a cobrar, certo é que o A havia realizado as suas funções e receberia igualmente a quantia fixa de € 450,00...

    25. O Autor devia fiscalizar (para o que era retribuído com uma quantia fixa de € 450,00), sendo uma das suas obrigações cobrar os valores (recebendo a quantia variável de 2% sobre os valores efectivamente cobrados), onde possível (constatando-se a existência de remuneração mista).

    26. Já no que toca ao ponto 2 supra mencionado, não é, de forma alguma, unânime que o elemento "principal" para a determinação do contrato de trabalho seja a "subordinação jurídica", em que a mesma prende-se não só com o acatar ordens e instruções do empregador, como também pela integração na estrutura do empregador.

      A

    27. Não há dúvidas de que o mesmo tinha liberdade de escolher quando ia aos locais e a ordem pela qual os visitava, mas estava sujeito à determinação da BB sobre quais os concelhos a que estava adstrito.

      BB) Por outro lado, o Autor estava obrigado a cumprir as...

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