Acórdão nº 21127-A/1980.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Outubro de 2015
Magistrado Responsável | LOPES DO REGO |
Data da Resolução | 08 de Outubro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. A Sociedade AA, S.A., instaurou, em 26/05/1998, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Almada, contra o Município de Almada, execução de sentença, com dedução de liquidação preliminar articulada, a pedir o pagamento de uma indemnização no valor 1.233.793.506$00, equivalente a € 6.154.163,00, acrescida de juros de mora desde o trânsito em julgado da sentença exequenda, decorrente da ocupação ilícita de um prédio - propriedade da exequente - desde 1977.
O Município executado contestou aquela liquidação, sustentando, em resumo, que não existe nexo de causalidade entre a ocupação e parte dos danos alegados, impugnando ainda tanto a existência como o valor dos prejuízos alegados, que considera não deverem ultrapassar o montante de 283.350$00, equivalente a € 1.413,34.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença a julgar parcialmente procedente a liquidação, fixando-se a indemnização global no montante de € 1.533.288,53, correspondente à soma de € 1.283.889,59, a título de danos emergentes, e de € 249.398,94, relativos a lucros cessantes, ao que fez acrescer juros de mora, à taxa supletiva para as obrigações civis, desde a citação do executado.
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Inconformadas com tal decisão, dela apelaram ambas as partes, tendo a Relação julgado parcialmente procedentes as apelações, decidindo alterar a sentença recorrida e condenar o executado no pagamento à exequente da indemnização de € 2.261.180,00 (dois milhões, duzentos e sessenta e um mil, cento e oitenta euros), acrescida dos juros de mora, à taxa legal supletiva para as obrigações civis, desde a data da citação do executado para a execução em 07/07/1998.
As instâncias fizeram assentar a solução do pleito na seguinte matéria de facto: 1.1. O teor do documento junto a fls. 98 a 101 dos autos principais, e que aqui se dá por integralmente reproduzido - alínea A) dos Factos Assentes; 1.2. O teor dos documentos juntos a fls. 14 a l6 e 18 a 21 dos autos principais e que aqui se dão por integralmente reproduzidos - alínea B) dos Factos Assentes; 1.3. O teor do documento junto de fls. 13 a 23 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido - alínea C) dos Factos Assentes; 1.4. Foi aprovado pela Câmara Municipal de Almada o estudo de utilização e o projecto de loteamento para a construção de um bairro de casas económicas - Bairro do BB -, estudo esse que, contudo, não autorizava a construção de 162 fogos nem uma área de construção, ao nível do solo de 3.284,45, distribuídos por 21 lotes, com 6 ou 7 pisos, mas sim um número de fogos muito inferior, área de construção inferior, e três pisos provação do estudo de utilização - alínea D) dos Factos Assentes; 1.5. Apesar do projecto de loteamento ter sido aprovado pela CMA, o terreno em causa nunca possuiu alvará de loteamento, pois encontrava-se condicionado pela servidão militar, tendo obtido parecer desfavorável da Direcção do Serviço de Fortificação e Obras Militares, pelo que, até à data da ocupação ou posteriormente a exequente nunca adquiriu o direito de construir o Bairro e apenas em Outubro de 1976 veio a ser autorizado pelos militares uma ocupação que não excedesse o nível do rés-do-chão - alínea E) dos Factos Assentes; 1.6. O terreno ocupado pelo executado era um activo financeiro da exequente destinado a proporcionar lucro ou a servir de garantia de financiamentos bancários - resposta conjunta aos artigos 1° e 2º da base instrutória; 1.7. O financiamento a obter pela exequente seria menos oneroso se fosse obtido à custa do seu próprio património do que por recurso ao crédito alheio - resposta ao art. ° 3° da base instrutória; 1.8. A ocupação do terreno impediria a exequente de o vender - resposta conjunta aos artigos 4.° e 5.° da base instrutória; 1.9. A ocupação do terreno agravou a situação de dificuldade económica e financeira da exequente - resposta ao art.° 6.°da base instrutória; 1.10. Devido a essa situação económico-financeira, a exequente veio a beneficiar de um contrato de viabilização, assinado em 23/10/78 e revisto em 29/05/85 e 30/06/86 - resposta ao art. °7.° da base instrutória; 1.11. Em parte por causa da impossibilidade de rentabilizar este activo financeiro a exequente teve de recorrer por diversas vezes ao crédito bancário, com taxas de juros médias superiores a 20% ao ano; 1.12. Os lotes em 1972 poderiam ser vendidos pelo valor de 2.100$00 por metro quadrado - resposta ao art. ° 12. ° da base instrutória; 1.13. O valor provável da venda, a preços de 1972, daquele terreno era de 6.885.900$00 - resposta ao art.° 13.°da base instrutória; 1.14. A exequente já havia promovido as obras de infra-estruturas necessárias, cujos custos foram superiores a 754.417$00 — resposta ao art. ° 14° da base instrutória; 1.15. As taxas de juro simples praticadas pelos bancos, em média, em cada ano, foram as seguintes: em 1977, 16,5%; em 1978, 20%; em 1979, 20%; em 1980, 20%; em 1981, 22%; em 1982, 24%; em 1983, 26%; em 1984, 29,5%; em 1985, 25%; em 1986, 20,5,5%; em 1987, 16,5%; em 1988, 15,5%; em 1989, 16%; em 1990, 16%; em 1991, 16%; em 1992, 21,86%; em 1993, 19,26%; em 1994, 16,94%; em 1995, 16,45%; em 1996, 14%; em 1997, 14% em 1998, 14% - resposta ao art. °15.° da base instrutória; 1.16. O Plano Director de Almada veio a integrar o terreno em zona qualificada como "espaço não urbano - espaço verde para protecção e enquadramento" - resposta ao art. ° 16º da base instrutória; 1.17. O valor médio actualmente praticado na zona para os fogos urbanos com infra-estruturas realizadas é de 4.500.000$00 e o valor potencial da construção, actualmente, atendendo a um n.° de 162 fogos, seria de 729.000.000$00 - resposta conjunta aos artº 17.° e 18ª da base instrutória; 1.18. O valor actual do terreno com rústico, com base no valor médio praticado na zona de 1.000$00 por metro quadrado, é de 10.000.000$00 -resposta ao art. ° 19° da base instrutória; 1.19. A construção licenciada para o terreno adquirido destinava-se a casas de função para alojamento de trabalhadores da anterior propriedade, a sociedade têxtil CC, Ldª. - resposta conjunta aos artigos 22. ° e 23.° da base instrutória; 1.20. O projecto foi aprovado apenas por razões de cariz social e para essa finalidade — resposta ao art. ° 24° da base instrutória.
Em desenvolvimento do ponto 1.1, considera-se plenamente provado que: 1.21. Na sentença exequenda, proferida em 16/04/1993, inteiramente confirmada por acórdão desta Relação, de 03/10/1996, foram dados como provados os seguintes factos: a) - Por escritura pública lavrada no 16.° Cartório Notarial de Lisboa em 09-08-60, a A. adquiriu à Sociedade têxtil CC, Ldª., por compra e venda, um terreno com a área de 10.000 metros quadrados, sito na …, freguesia da Trafaria, concelho de Almada, confrontando ao norte com Estrada Militar, ao sul com o ribeiro das Enxurradas, a nascente com Mata do Ribeiro e ao poente com terreno afecto ao Ministério do Exército, descrito na Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.° …., a fls. 59 do Livro B-31 e inscrito na matriz sob o art.° 166.°; b) - Por escritura celebrada em 08-03-63 na Secretaria Notarial da Covilhã, uma parcela de terreno referido em a), com a área de 4.136 metros quadrados, foi permutada com uma parcela de igual área pertencente ao Estado Português; c) - Sobre este terreno foi elaborado um "estudo de utilização", que recebeu o n.° E/508, o qual foi deferido pela R. em reunião de 05-07-61 e confirmado em reunião de 17-01-62; d) - Este projecto de urbanização mereceu mesmo aprovação por despacho ministerial de 16-03-73; e) - Perante esta aprovação, a A., mediante contrato celebrado com os senhores DD e seu irmão, procedeu à terraplanagem, abertura de arruamentos, instalações da rede de saneamento e outras infra-estruturas, no que foram gastos centenas de milhares de escudos; f) - Em meados de 1977, a Câmara R., sem qualquer autorização da A. e com total desconhecimento desta, ocupou este terreno e nele permitiu várias construções; g) - Debalde, a A. e DD reclamaram contra esta ocupação abusiva; h) - A R. reconhece a ocupação do imóvel da A. e bem assim os protestos da mesma quanto a tal ocupação; i) - A ocupação do imóvel da A. está-lhe a causar prejuízos; j) - As construções que foram implantadas no terreno da A. são do Fundo de Fomento da Habitação que as deu de empreitadas à sociedade "EE, Ldª.", sendo a R. completamente alheia a essa empreitada, tendo sido a R. quem autorizou a que, no imóvel em apreço, se procedesse às construções referidas; k) - Em 04-04-77, deflagrou um incêndio de grandes proporções na freguesia da Trafaria, junto aos cais da NATO, do qual resultou a perda de habitações de várias dezenas de famílias das mais carenciadas do concelho; 1) - A gravidade do evento levou à comparência no local do Presidente da República e de outras entidades, designadamente membros do Governo, tendo sido imediatamente decidido que, face à extrema pobreza dos atingidos, estes beneficiariam de um subsídio do Estado, cabendo ao F.F.H. promover ao seu realojamento em terreno que a R. indicaria; m) - A R. indicou, efectivamente, ao Fundo de Fomento da Habitação o terreno dos autos, por ser o único existente no concelho com infra-estruturas; n) - Na emergência, as autoridades militares que têm jurisdição sobre o terreno, situado na zona de protecção do Quartel do Batalhão de Reconhecimento de Transmissões, autorizaram a instalação, a título precário, pelo F.F.H., de habitações com piso térreo; o) - A R. encetou diligências junto do F.F.H. no sentido do imóvel em causa vir a ser expropriado; p) - Sempre a R. reconheceu a A. ou a sua antecessora "Sociedade Têxtil CC" como donas do terreno e, nessa qualidade, a R. aprovou-lhes os sucessivos estudos e projectos a ele referentes; q) - Estava em vigor a licença de loteamento; r) - A A. apresentou várias exposições à R. relativamente à ocupação do imóvel; s) - No terreno em apreço foram implantadas 80 casas pré-fabricadas pelo F.F.H. com autorização da R...
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