Acórdão nº 417/10.2TAMDL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelJOÃO SILVA MIGUEL
Data da Resolução08 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência na 3.ª secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, acima identificados, que correram termos pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Mirandela, o arguido AA, identificado nos autos, foi, por acórdão de 7 de julho de 2014, (fls. 2641 a 2704), condenado pela prática, em concurso real, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido (p. e p.), pelos artigos 131.º e 132.º, n.

os 1 e 2, alínea j), do Código Penal (CP), um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo artigo 254.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma legal, e um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, nas penas de, respetivamente, 18 (dezoito) anos, 1 (um) ano), e 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, e em cúmulo jurídico, na pena única de 19 (dezanove) anos de prisão.

  1. Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, alegando, por um lado, a nulidade do acórdão por falta de fundamentação, por não explicitar o processo de formação da convicção nem fazer um exame crítico da prova, além de utilizar prova proibida, por terem servido como meio de prova escutas telefónicas, efetuadas entre dezembro de 2010 a julho de 2012, a sujeitos processuais, incluído o recorrente, que sendo suspeito, apenas veio a ser constituído arguido em abril de 2013, o que traduz devassa da vida privada, e violação dos seus direitos de defesa, e, por outro lado, a impugnação da matéria de facto provada, nomeadamente, por falta de prova direta dos crimes de homicídio e profanação de cadáver, por não serem credíveis as testemunhas de acusação ouvidas e conclusivos os exames periciais, quanto à causa da morte da vítima, além de ocorrer uma contradição entre factos.

  2. O Tribunal da Relação de Guimarães, conhecendo do mérito, proferiu acórdão, em 23 de março de 2015, julgando «totalmente improcedente o recurso».

  3. De novo inconformado, recorre agora para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo a motivação nos seguintes termos[1]: «i) O acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Guimarães de 23.03.2015, que julgou totalmente improcedente o recurso interposto pelo recorrente, e confirmou a decisão de 1ª instância, que condenara o recorrente pela prática dos crimes de (a) homicídio qualificado p. e p. pelos art.ºs 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, al. j) do Código Penal, numa pena de 18 (dezoito) anos de prisão, (b) de profanação de cadáver, p. e p. pelo art.º 254.º n.º 1, al. a) do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão, e (c) de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º n.º 1, al. d) da Lei 5/2006, de 23/2, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e (d) em cúmulo jurídico, na pena única de 19 (dezanove) anos de prisão enferma de vícios que impõem a sua revogação, tendo procedido a uma ponderação exclusivamente formal das questões suscitadas quando se lhe impunha a apreciação da validade substancial das normas aplicadas em ambas as instâncias.

    ii) O acórdão recorrido, por fundamentação diversa da utilizada em primeira instância, procede a errada aplicação do direito processual e substantivo; iii) Reconhecendo expressamente que os factos [essenciais] em julgamento foram adquiridos por prova indirecta, a Relação de Guimarães errou na aplicação das regras próprias do silogismo judiciário, afirmando fixados, por presunção natural, factos que (1) nem estão indiciados por quaisquer factos base, (2) nem decorrem, por raciocínio lógico, da aplicação aos factos base de quaisquer regras de experiência.

    iv) A violação das regras de construção do silogismo judiciário, prova indirecta ou por presunção natural, integra matéria de direito do conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça, e, também, vício de conhecimento oficioso e importa a aplicação de uma dimensão materialmente inconstitucional do artigo 127.º do CPP.

    v) É inconstitucional a norma do artigo 127.º, do Código de Processo Penal, na dimensão normativa com que foi aplicada no acórdão do Tribunal da Relação, segundo a qual a livre convicção do julgador é suficiente para, sem prova directa, sem indicação de factos base e sem indicação de regras de experiência ou de ciência, adquirir por dedução, ou presunção natural a prova de factos em julgamento, violando a decisão recorrida o princípio da normalidade na utilização da prova indirecta.

    vi) É apenas constitucionalmente conforme a dimensão normativa do artigo 127.º do CPP segundo a qual as presunções devem ser graves, precisas e concordantes, permitindo que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras de experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros; no valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção.

    vii) O Tribunal da Relação de Guimarães reconheceu expressamente ter havido recurso a acções encobertas, a que se aplica o regime da Lei 101/2001, na utilização de terceiro infiltrado ou agente encoberto, qualificado como meio relativamente enganoso de prova, porém, errou ao considerar (1) dispensáveis as formalidades previstas na Lei 101/2001, e (2) ao desaplicar o regime do artigo 126.º do CPP, pese o reconhecimento expresso da natureza relativamente enganosa do meio de prova.

    viii) Na sua decisão o Tribunal da Relação de Guimarães desaplicou a norma do art. 126.º do CPP, subordinando ao regime geral das nulidades sanáveis ou irregularidades, por entender dispensáveis as formalidades consagradas no art. 3.º da Lei 101/2001.

    ix) Atenta a natureza restritiva de direitos fundamentais de todas as normas da Lei 101/2001, não podem ser dispensadas quaisquer formalidades expressamente consagradas.

    x) É inconstitucional a norma do art. 3.º da Lei 101/2001 na dimensão aplicada segundo a qual pode ser dispensado o cumprimento expresso de formalidades legalmente consagradas em matéria de restrição dos direitos fundamentais por violação da presunção de inocência e das garantias de defesa em processo criminal.

    xi) Tal dimensão normativa é inconstitucional por violação dos direitos e princípios consagrados nos artigos 26.º, n.º 1, e 32.º, n.ºs 1, 2 e 8 da Constituição da República.

    xii) O Tribunal da Relação de Guimarães procrastinou o regime do artigo 58.º do CPP, declarando contra lei expressa que nada na lei impõe o momento do inquérito em que o suspeito se deve “transformar” em arguido.

    xiii) Decorre do artigo 58.º, n.º 1, al. a) do CPP o dever de se constituir como arguido o suspeito contra quem, ao longo de mais de 18 meses, foram promovidas, autorizadas e realizadas escutas telefónicas quanto a factos passados, tendo o visado prestado declarações na qualidade de testemunha apesar de identificado como suspeito.

    xiv) A efetivação de escutas a testemunhas, e pelo período de 18 meses, sem dependência da constituição no estatuto de arguido, previsto no artigo 58.º, n.º 1 do CPP, traduz devassa da [vida] privada, em violação do regime dos artigos 126.º, n.º 2, al. a), 187.º, n.ºs 1, 4 e 6. do CPP.

    xv) As normas indicadas foram interpretadas e aplicadas com dimensão inconstitucional por violação das garantias de defesa em processo criminal, máxime as consagradas nos n.ºs 1 e 8 do artigo 32.º da Constituição da Republica, inconstitucionalidade que se argui e deve ser conhecida e declarada.

    xvi) É inconstitucional a norma do artigo 58.º, n.º 1, al. a) do CPP quando interpretada e aplicada na dimensão normativa de nada [na] lei processual impor – pese a suspeita concretizada intraprocessualmente – o momento da constituição da testemunha como arguido.

    xvii) É contra legem, desde a reforma do CPP de 2007 que consagrou expressa e assertivamente que a constituição do arguido é obrigatória nos casos em que correndo inquérito contra pessoa determinada, em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, esta prestar declarações perante autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal, ainda que em “prol do sucesso da investigação”, como se diz no acórdão recorrido.

    xviii) Fazendo-o, para assim [com]validar formalmente os procedimentos da instância em matéria de intercepções, aplicando a norma do art. 58.º do CPP numa dimensão inconstitucional.

    xix) Na procedência das conclusões do recurso deve ser revogado o acórdão recorrido, absolvendo-se o recorrente dos crimes de homicídio e de profanação de cadáver pelos quais foi condenado.

    xx) O crime de detenção de arma proibida é punível em alternativa com prisão ou multa, devendo, na revogação da condenação pelos crimes de homicídio e de profanação de cadáver, e em razões das circunstâncias pessoais do arguido, ser dada prevalência à aplicação de pena não privativa de liberdade.

    Noutro plano, xxi) O Tribunal da Relação de Guimarães incorreu em nulidade por violação da conferência, procedendo ao julgamento do recurso interposto do acórdão de 1ª instância com violação das garantias de defesa em processo criminal.

    xxii) Alcançando-se o vício por simples leitura do texto da decisão recorrida, pleno de incoerências e de contradições, em conjugação com as regras de experiência e factos de domínio público, arguindo-se a nulidade da omissão de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, a saber, da apreciação e discussão efectiva dos fundamentos do recurso em matéria de facto e de direito, e de discussão efectiva dos fundamentos da decisão proferida, pela composição do tribunal; cf. art. 120.º, n.º 2 al. d) do CPP.

    xxiii) Resulta documentado, ao menos num plano indiciário, que o Tribunal da Relação de Guimarães, interpretou e aplicou o regime do artigo 419.º, n.º 2 do CPP, com a dimensão normativa de não exigir uma discussão efectiva dos fundamentos do recurso e da decisão, com...

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