Acórdão nº 4531/12.1TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelMÁRIO BELO MORGADO
Data da Resolução01 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I.

  1. AA interpôs a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra INAC- INSTITUTO NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL, IP, pedindo: - Que seja reconhecido o direito ao A. ao pagamento dos subsídios de isenção de horário de trabalho correspondentes ao período em que exerceu funções de titular de órgãos de estrutura/dirigente da R., entre 12 de Março de 2003 a 31 de Dezembro de 2008; - A condenação da R. a pagar-lhe os aludidos subsídios de isenção de horário de trabalho, no montante global ilíquido de € 55.917,62, acrescidos dos correspondentes juros de mora vencidos até à data da propositura da presente ação, no montante de € 11.195,78, e dos juros de mora vincendos, até efetivo pagamento; - A condenação da R. a pagar-lhe todas as despesas resultantes da presente ação a liquidar a final, incluindo, taxa de justiça, custas e pagamento dos honorários de patrocínio.

  2. Alegou, em síntese, que: a 3 de Julho de 2000 celebrou contrato de trabalho com o réu; desde 12 de Março de 2003 até 31 de Dezembro de 2008, exerceu funções de chefia em regime de comissão de serviço e de isenção de horário de trabalho; o réu não lhe pagou os correspondentes subsídios de isenção de horário de trabalho, entre 12 de Março de 2003 e 31 de Dezembro de 2008.

  3. O R. contestou, excecionando a prescrição dos juros moratórios vencidos há mais de 5 anos, por aplicação do art. 310º, al. d), do CC, e por impugnação.

  4. Na 1.ª Instância, julgando-se a ação parcialmente procedente, foi o R. condenado a pagar à autora a quantia de € 55.917,62, acrescida de juros de mora, até integral pagamento.

  5. Interposto recurso de apelação pelo R., foi o mesmo julgado procedente pelo Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), que, revogando a sentença recorrida, absolveu o recorrente de todos os pedidos.

  6. A autora interpôs recurso de revista, sustentando nas respetivas conclusões: 1. O Acórdão do Tribunal da Relação, ora impugnado viola o disposto nas alíneas b), c), d) e e) do nº 1 do artigo 615º do CPC, padecendo, por isso do vício de nulidade.

  7. Efetivamente, não foram apontados os fundamentos de direito que sustentam a decisão do Tribunal da Relação, que revoga a sentença recorrida e absolve o réu de todos os pedidos, em clara violação do disposto na alínea b) acima referida. Na realidade, o Acórdão não conhece do mérito da questão objeto dos autos e decide a situação jurídica da recorrente sem apontar qualquer base legal.

  8. O Tribunal da Relação limitou-se a emitir uma opinião sobre uma situação factual, relativamente a um facto que (à revelia dos factos assente por acordo entre as partes), ele próprio fixou como sendo facto provado e de extrema relevância para os autos, no qual sustentou empiricamente a sua decisão.

  9. Considerou, assim, o Tribunal que a existência de um despacho do Secretário de Estado do Orçamento apenas e tão só, e por si mesmo, constitui motivo juridicamente relevante para indeferir todos os pedidos formulados pelo autor à luz de uma relação jurídica enquadrada no Direito privado, sem ter fundamentado a sua decisão no plano do Direito.

  10. A ora Recorrente não é destinatária deste despacho, não o conhece, nem o mesmo lhe foi notificado e, ainda assim, entende que tal despacho nada tem a ver com a apreciação do seu direito aos subsídios de isenção de horário de trabalho, que deve ser apreciado à luz do Código do Trabalho.

  11. No que respeita à violação da alínea c) do nº 1 do artigo 615.° do CPC, a decisão peca por ambígua e obscura quanto aos seus fundamentos, o que a torna ininteligível.

  12. De facto, os fundamentos que dão provimento à Apelação assentam num despacho do Secretário de Estado do Orçamento que determina a reposição de verbas pagas pelo INAC, I.P, a partir do ano de 2009 (data em que o ora Recorrente, à semelhança de todos os funcionários da Administração Pública transitou para o regime do contrato de trabalho em funções públicas).

  13. Até 2009, a Recorrente detinha uma relação jurídico-laboral de natureza privada com o INAC, I.P., à qual, por expressa determinação da lei e dos regulamentos do INAC, I.P. era aplicável o Código do Trabalho.

  14. Tanto assim é que a ora Recorrente instaurou, à semelhança de todos os restantes trabalhadores exatamente nas mesmas condições, uma ação emergente de contrato individual de trabalho, cujo regime jurídico nada tem a ver com o Direito Administrativo.

    10. Não se entende se com esta decisão, o Tribunal da Relação entendeu a resolução da questão da anulação do despacho como um pressuposto (substantivo, material ou processual?) para poderem ser avaliados judicialmente os pedidos do autor, se entendeu ser esta (a da anulação do despacho) uma questão pré-judicial ou se o Tribunal se considerou incompetente em razão da matéria.

  15. Para além disso, parece, ainda, decorrer da decisão que o autor pode até ter razão quanto ao provimento dos seus pedidos, mas que não vale a pena conceder tal provimento à luz do Direito do Trabalho, uma vez que, entende o Tribunal, em clara antecipação da decisão dos tribunais administrativos que viriam a apreciar a validade deste despacho, a ora Recorrente depois teria que repor as verbas.

    12. Afinal, parece daqui decorrer que o que fundamentou a decisão foi esta preocupação futura. Ou seja, não vale a pena conhecer do mérito da questão (analisar os factos à luz do Direito do Trabalho) porque, depois, em sede de jurisdição administrativa, muito provavelmente a procedência da Apelação perderia o seu efeito útil, em termos meramente materiais.

  16. Ora, não é esta claramente a função do Tribunal, que deveria apreciar o mérito da questão que lhe é colocada e quanto à questão da exequibilidade do despacho, no que se reporta a pagamentos ou reposições, deixar correr livremente entre as partes a avaliação dessa outra relação jurídica.

  17. Até porque, o Tribunal se substituiu ao próprio INAC, I.P., no que concerne à avaliação e cumprimento deste despacho, o que ainda menos se entende, uma vez que até à data o INAC, I.P. NUNCA demonstrou interesse ou diligenciou para cumprir este despacho tutelar, tendo, inclusivamente já prescrito a possibilidade de o cumprir (prescrição que ocorreu por vontade do INAC, I.P., dado ter sido notificado atempadamente da orientação tutelar que não cumpriu até à data).

  18. Assim, consequentemente, o Tribunal da Relação deixou de pronunciar-se acerca de questões que devia apreciar, à luz do quadro legal efetivamente aplicável, julgando com base em questões, cuja apreciação lhe está vedada, em clara violação do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615.° do CPC.

  19. Do mesmo modo se dirá que o Tribunal da Relação condenou a ora Recorrente em objeto diverso do pedido, em violação da alínea e) do n.º 1 do artigo 615.° do CPC.

  20. O que estava pedido é que o Tribunal apreciasse, tendo em conta todos os elementos constantes dos autos e o Direito aplicável, se a ora Recorrente tinha ou não direito a auferir os subsídios de isenção de horário de trabalho. Este objeto e este pedido constitui, na realidade a clarificação pretendida pelas partes quanto à situação jurídica de ambas relativamente ao que se questiona.

  21. O Tribunal condenou a ora Recorrente e absolveu o réu de todos os pedidos formulados, sem se ter pronunciado sobre a questão de mérito, invocando lateralmente um despacho, que nada tem a ver com a avaliação conceptual da existência do direito ou não, mas sim com o exercício desse direito, situação que se reporta a um outro momento jurídico.

  22. O objeto do recurso deve ser determinado pelas questões suscitadas pelas partes e não por uma só parte, in casu o apelante.

  23. O Tribunal da Relação fixou o objeto do recurso tendo apenas em conta as conclusões das alegações do apelante INAC, I.P., para o que invocou normas do CPC que não sustentam a fixação do objecto nos termos em que foi feita e que foi: 21. "Atento o teor das conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, as questões que fundamentalmente se colocam no presente recurso são as seguintes: a 1.ª , se a autora não tem direito ao pagamento do subsídio de isenção de horário de trabalho, designadamente porque não está demonstrada a violação dos princípios da igualdade e não discriminação, porque a Inspeção-geral de Finanças já entendeu haver desconformidade com a lei com obrigação de reposição dos montantes por parte dos trabalhadores a quem foram pagos e porque o Regulamento de Carreiras e Regime Retributivo do INAC, embora estabeleça isenção de horário de trabalho para os dirigentes, não prevê pagamento de subsidio por essa razão." 22. Deste modo, parece claro que o objeto do recurso de apelação era objetivamente a análise da situação jurídico-laboral da ora Recorrente e o seu direito ou não à perceção dos subsídios de isenção de horário de trabalho, tal como tem vindo a ser decidido favoravelmente pelo Tribunal da Relação em todos os casos que ali foram submetidos pelos colegas da ora Recorrente.

  24. Contudo, o Tribunal da Relação, no caso único da Recorrente, condenou o mesmo num objeto diferente do que estava fixado.

  25. O Acórdão da Relação e a correspondente decisão padecem ainda do vício de violação e errada aplicação da lei de processo.

  26. De facto se se conclui que “a pretensão da autora não pode proceder enquanto aquele ato administrativo não for atacado com sucesso", conforme afirma o Tribunal, não se entende, então, haver absolvição do pedido e revogação da sentença recorrida, inviabilizado o exercício do direito da autora a ver apreciada a sua questão. Quando muito o Tribunal, in casu, e com este fundamento, deveria absolver o réu da instância e não do pedido.

  27. Para além disso foram, ainda, violadas outras normas processuais, tendo em conta o teor da decisão notificada ao ora Recorrente.

  28. Efetivamente, prevê o nº 2 do artigo 663º do CPC ser aplicável ao recurso de apelação os requisitos formais e substantivos de elaboração dos acórdãos, ali contidos e ainda o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
3 temas prácticos
3 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT