Acórdão nº 275/12.2JAPDL.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução01 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

AA, nascido em ... e ultimamente ali residente, bem como BB, nascido em ... em ..., ..., também antes residente em ..., foram julgados em processo comum e por tribunal coletivo no então 4.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de ... e aí condenados, por acórdão de 9 de Julho de 2014, nos seguintes termos: O arguido AA, pela prática em coautoria de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos art.s 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea j), do CP, na pena de 18 anos de prisão, pela prática em coautoria de um crime de ocultação de cadáver do art. 254.º, n.º 1, al. a), do CP, na pena de 1 ano de prisão, e, em cúmulo, na pena conjunta de 18 anos e 10 meses de prisão.

O arguido BB pela prática dos mesmos crimes, também em coautoria, respetivamente nas penas de 19 anos de prisão e 1 ano e 3 meses de prisão, sendo-lhe aplicada em cúmulo a pena conjunta de 19 anos e 10 meses de prisão.

Foram ainda condenados no pagamento de indemnizações cíveis. Recorreram ambos para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 31/12/2014 considerou parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido AA, alterando a pena parcelar que lhe foi aplicada pelo crime de homicídio qualificado, que passou a ser a de 17 anos de prisão e computando-se a pena única aplicada em 17 anos e 6 meses de prisão. No mais, manteve-se a decisão recorrida, pelo que o recurso interposto pelo arguido BB foi tido por totalmente improcedente.

Deste acórdão recorrem os arguidos para o STJ, pelo que cumpre conhecer.

A - FACTOS Foram dados por provados os seguintes factos: 1. Durante o ano de 2001, CC foi repatriado para Portugal, passando a residir na..., ..., tendo a última residência conhecida na ..., sendo que desde o início de 2002 explorou um estabelecimento de striptease, denominado “...”, sito na localidade de ..., em sociedade com... ("..., Lda."), estabelecimento em que começou a trabalhar, algures entre aquele ano de 2002 e 2003, como empregado de bar (vulgo: barman), AA. Depois de alguns anos, aquele estabelecimento foi encerrado por problemas financeiros, resultantes de conflitos entre CC e o seu mencionado sócio, também proprietário de um outro estabelecimento de striptease denominado “...”, este localizado em Lisboa.

  1. CC acordou verbalmente com DD (=DD) tomar-lhe de arrendamento o imóvel onde funciona o estabelecimento de striptease denominado... (= "..."), sito na Rua ..., mas porque CC tinha dívidas à Fazenda Nacional e à Segurança Social e não lhe convinha a exploração directa daquele estabelecimento, deu instruções ao seu empregado de confiança AA para assumir a gerência do "...", sendo que para isso e por acto de 4.5.2009, o último criou a “Crítica Máxima Unipessoal, Lda.” (= “CMU”), em nome da qual assinou o contrato de arrendamento.

  2. Em 16.5.2009, no âmbito do PCC 1154/07.0POLSB, que correu termos na comarca de Lisboa, foi determinada e executada a prisão preventiva a CC por existirem, então, fortes indícios de ter ele assassinado o ainda seu sócio EE e, na sequência dessa prisão, AA prosseguiu a exploração do "...", sempre através da “CMU”, reportando ao primeiro. A certa altura FF, que intermediava a contratação de bailarinas para estabelecimentos de striptease em ..., passou a supervisionar a segurança do "..." e progressivamente a envolver-se com AA na gestão do mesmo, ao ponto de em meados de 2010 terem projectado que o primeiro entrasse como sócio na “CMU”.

  3. Entretanto, no referido processo 1154/07.0POLSB, CC veio a ser em primeira instância condenado, a 10.3.2011, a 22 anos de prisão, após o que, logo em 31.3.2011, AA dissolveu a “CMU” e continuou a gerir o "...", pagando renda a DD e, pelo menos durante alguns meses, usando a residência de CC para nela pernoitarem bailarinas. Porém, na sequência de recurso que havia interposto, sendo libertado no dia 29.6.2012 e por esse tempo já AA e FF expandindo o negócio (tratando da projetada abertura de estabelecimento similar – "..." – em..., CC assumiu de facto a gerência do "..." logo em 2.7.2012, iniciando de imediato alterações, suspeitando que AA o tinha enganado, além do mais apoderando-se nesse mesmo dia do cartão de débito n.º ..., emitido pelo BPI, da conta n.º ..., titulada pela “CMU” e o qual até essa data estava na posse de AA.

  4. Passaram a ser frequentes as discussões entre AA e CC, nas quais este exigia àquele a quantia de trinta mil euros, que entendia que aquele lhe devia, e ameaçando-o de morte caso não lhos entregasse; de igual modo CC discutiu pelo menos uma vez com FF. Subsequentemente, AA e FF acordaram matar CC e em execução desse plano, combinaram telefonicamente dirigirem-se à residência dele, utilizando para tanto FF o telemóvel com o n.º ... e AA o telemóvel com o n.º .... Assim, no dia 25.9.2012, com esse objetivo e para saberem se CC estava em casa, FF ligou para o telemóvel dele, com o n.º ..., às 17:40 horas.

  5. Ainda nesse dia, chegados a sua casa, foram recebidos por CC, então trajando um fato de treino negro da marca Nike, e que lhes abriu e lhes permitiu a entrada. Uma vez no interior da residência, na zona do hall de entrada e da sala, um deles, munido de um revólver com munições de calibre 32 Smith & Wesson Long, disparou quatro tiros sobre CC, um atingindo-o no peito e três na cabeça e face (um na zona frontal direita, outro na zona temporo-zigomática direita, outro acima da fossa mandibular e imediatamente antes do canal auditivo externo esquerdo), produzindo-lhe perfurações e fracturas nesses locais e nas duas primeiras vértebras cervicais. Em consequência, CC sofreu lesões nas partes atingidas, vindo a morrer do trauma crânio-meningo-encefálico e de vasos sanguíneos, nomeadamente da artéria vertebral esquerda.

  6. Com CC morto, apoderaram-se do cartão de débito atrás referido, procederam à limpeza do apartamento, nomeadamente do sangue, com lixívia. Um deles foi a um dos quartos de dormir de onde trouxe um édredon e um lençol, sobre aquele rolando o corpo, que depois colocaram numa mala; colocaram o telemóvel de CC (marca Blackberry), as suas sapatilhas (marca Nike) e ainda uma toalha suja de sangue num saco e de seguida arrastaram o cadáver em direção à porta de entrada do apartamento e até à zona do elevador, nesse percurso pouco a pouco parando para limparem o chão com esfregona.

  7. Depositaram o corpo de CC no porta-bagagens do veículo automóvel de matrícula ...-XM, marca BMW, modelo 525TDS, o qual àquele tinha sido emprestado por GG e nele se dirigiram até à ..., na freguesia do Livramento, a qual permite a ligação entre a Estrada Regional 3-1 e a Lixeira Municipal, durante o trajeto colocando o saco contendo os citados telemóvel, sapatilhas e toalha suja de sangue num contentor do lixo existente em frente do edifício .... Chegados àquela canada, transpuseram o muro com 1,70 m de altura que delimita um terreno arborizado e, deslocando consigo o cadáver, aí o depositaram no chão, cobrindo-o com pedras e assinalando o local com um pneu, que puseram em cima de uma pedra.

  8. A 26.9.2012 reiniciaram, em conjunto, a gestão do "..." e com o referido cartão de débito compraram diverso material de decoração para mobilar o "...", sendo que nesse mesmo dia FF devolveu o veículo atrás mencionado a GG. Mais tarde, AA passou a explorar o "...", ficando FF a explorar o "...".

  9. AA e FF agiram com o propósito de matar CC e de depois ocultar-lhe o corpo para se eximirem à ação da justiça, cientes de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

  10. AA tem 36 anos de idade, o 6.º ano de escolaridade e é oriundo de um agregado familiar estável. O pai trabalhava como auxiliar de ação educativa numa escola secundária e a mãe era doméstica, sendo a situação económica do agregado satisfatória. Consome haxixe esporadicamente e em contexto de grupo. Integrou o mercado de trabalho com 15 anos de idade, na sequência do falecimento do progenitor e do irmão mais velho, exercendo atividade como empregado de mesa no restaurante “O Avião”, onde permaneceu 16 anos. Nos últimos anos, com o objetivo de conseguir adquirir habitação própria, passou a trabalhar em regime parcial noturno, num bar. Com 21 anos de idade contraiu matrimónio com HH, auxiliar de ação administrativa numa unidade hospitalar, e dessa relação nasceu um filho, atualmente com 14 anos de idade. Antes de detido, residia com a mulher e o filho do casal em habitação adquirida mediante empréstimo bancário – na sequência do seu envolvimento no processo a esposa pretende o divórcio. Foi ele quem indicou às autoridades a localização do corpo de CC. Já foi condenado, em 3.2.2010 pela prática em 24.10.2009 de um crime de exercício ilícito de atividade de segurança privada e de um crime de detenção ilegal de arma, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 6 €.

  11. FF tem 45 anos de idade e abandonou os estudos já na universidade. Nasceu na ... onde viveu com os progenitores e irmãs até aos 2 anos de idade, altura em que a família emigrou para os EUA. O pai era marítimo, habitualmente em barcos de longas travessias ou de pesca em alto mar, contexto em que passava períodos significativos de tempo ausente de casa e a mãe era empregada numa unidade do tipo hospitalar para indivíduos portadores de deficiências mentais. Aos 17 anos de idade fugiu de casa e autonomizou-se devido a recorrentes conflitos com o pai. Por volta dos 16/17 anos de idade foi pai pela primeira vez, mas nunca teve qualquer contacto com o filho. Exerceu atividade laboral irregular, nomeadamente no sector das pescas (com o pai), sem ter efectivado um percurso profissional ou um processo de inserção social consistente. Sempre viveu em bairros sociais com elevada incidência de problemáticas sociais e criminais. Foi repatriado em 2001 para o seu país de origem, com cerca de 33 anos de idade, vindo a revelar sérias dificuldades de adaptação, tendo nessa altura iniciado o consumo de cocaína e heroína. Desde o seu repatriamento, viveu em Espanha, Portugal Continental, Brasil, Colômbia e Venezuela. Trabalhou no sector da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
2 temas prácticos
2 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT