Acórdão nº 1102/12.6TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução01 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I.

Notificada da decisão individual de fls. 723, que negou provimento ao recurso que interpôs do acórdão de fls. 557, AA - Desenvolvimentos Imobiliários, SA veio reclamar para a conferência, pretendendo a anulação ou revogação da decisão, e, consequentemente que seja concedido provimento ao recurso que interpôs do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 557.

Transcreve-se a decisão agora reclamada: 1. BB - Companhia de Seguro de Créditos, SA, instaurou uma acção contra AA - Desenvolvimentos Imobiliários, SA, pedindo a sua condenação no pagamento de € 90.260,77, com juros de mora. Para o efeito, e em síntese, alegou ter pago à Alfândega de Lisboa, no âmbito de um “contrato de seguro de caução global para desalfandegamento” que celebrou com o despachante oficial CC, como tomador, direitos e imposições que incluíam uns respeitantes à ré, como importadora, ficando assim legalmente sub-rogada nos direitos da Alfândega, por força do disposto no nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 289/88, de 24 de Agosto, 441º do Código Comercial e 582º, 589º, 593º e 594º do Código Civil, e artigo 8º das condições gerais do contrato.

Disse ainda ter “accionado o tomador do seguro”, mas que a correspondente instância executiva se extinguiu “por falta de bens penhoráveis do executado”, e ter oportunamente interpelado a ré, solidariamente responsável pelo reembolso, mas que esta se recusou a pagar.

A ré contestou. Por entre o mais, alegou que, como a autora sabe, “o valor da importação da R. foi pago pela ora contestante em 2001.07.10, através do cheque visado (…), emitido a favor da Direcção-Geral do Tesouro”, devendo a acção ser julgada improcedente no saneador, por haver prova documental suficiente para o efeito. Excepcionou a prescrição do direito invocado pela autora (o sinistro¸ ou seja, a “falta de pagamento de direitos aduaneiros por parte do despachante CC”, teria ocorrido em 25 de Outubro de 2001) e alegou que o referido cheque foi pago, que o bem importado (um veículo automóvel) foi desalfandegado e entregue com a “notificação de pagamento” e posteriormente matriculado, o que pressupõe que foram pagos todos os direitos e imposições devidos. Pediu ainda a condenação da autora como litigantes de má fé, em multa e indemnização nunca inferior a € 15.000,00.

A autora replicou, nomeadamente observando que “o pagamento das imposições aduaneiras que estão em causa só deveria ter ocorrido em 15/08/2001”, pelo que a ré não pode sustentar tê-las pago em momento anterior; e que a eventual entrega do cheque ao despachante não equivale a ter sido efectivamente pago o que era devido pela importadora à Alfândega de Lisboa. Respondeu ainda à prescrição e salientou a natureza de garantia autónoma à primeira interpelação do seguro-caução accionado pela Alfândega de Lisboa.

A acção veio a ser julgada parcialmente procedente em primeira e segunda instâncias (sentença de fls. 378 e acórdão de fls. 557), sendo a ré condenada no pagamento de € 61.957,58, com juros vencidos desde 23 de Maio de 2007.

Em resumo, ambas as instâncias entenderam que ficou provado que o cheque emitido e entregue ao despachante não foi utilizado “para pagamento dos direitos devidos pela ré, mas para pagamento das liquidações apuradas no mês de Junho de 2001, imputadas à garantia de caução global para desalfandegamento, cujo prazo de pagamento era 15.07.2001” (sentença, fls. 384), pelo mesmo despachante, conscientemente; mas que o importador e o despachante são responsáveis solidariamente pelo pagamento (nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 289/88), e que o garante a quem ele é exigido tem “direito de regresso contra a pessoa por conta de quem foram pagos os direitos e demais imposições, ficando sub-rogado em todos os direitos das alfândegas relativos às quantias pagas, acompanhadas de todos os seus privilégios (…)” , de acordo com o nº 2 do mesmo artigo 2º.

O pedido de condenação por litigância de má fé foi indeferido.

A Relação salientou que “constitui jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça – há muito consolidada – que, em tais circunstâncias, a Seguradora que, por seguro-caução, garantiu à Alfândega o pagamento dos direitos aduaneiros devidos pelas mercadorias desalfandegadas pela tomadora do seguro, fica sub-rogada pelos direitos desta sobre o dono das mercadorias – cf. por todos o Acórdão do STJ, datado de 17/02/1998, in www.dgsi.pt.”, e concluiu: “E atendendo ao preceituado no art. 2o, n° 1, do Decreto-Lei n° 289/88, de 24 de Agosto, em que se estabelece que o despachante oficial age em nome próprio e por conta de outrem, constituindo-se, porém, aquele e a pessoa por conta de quem declara perante as Alfândegas solidariamente responsáveis pelo pagamento dos direitos e demais imposições exigíveis, ficando a Autora, enquanto entidade garante, com o direito de regresso contra a pessoa por conta de quem foram pagos os direitos e demais imposições, ficando sub-rogada em todos os direitos das alfândegas relativos às quantias pagas, nos termos que constam do n° 2 do art. 2o do diploma legal citado. Não sendo oponível à Autora qualquer excepção que decorra da relação estabelecida entre a Ré e o despachante oficial tomador do seguro, a conclusão a extrair é a de que a Ré deve pagar tal quantia à Autora. E não o tendo feito, deve ser condenada a fazê-lo nos termos peticionados.” 2. A ré interpôs recurso de revista excepcional, invocando a “relevância jurídica e social da questão” e oposição de acórdãos, indicando como fundamento o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30 de Junho de 2005, proferido no proc. 3893/05, “relativamente à questão jurídica da interpretação do art. 2º do DL 298/88, de 24 de Agosto, e consequente inoponibilidade, relativamente à seguradora do despachante oficial, da excepção de pagamento pelo dono das mercadorias, do montante dos direitos aduaneiros e demais imposições legalmente previstas”.

O recurso veio a ser admitido, primeiro pelo despacho de fls. 704 e, posteriormente, pela formação prevista no nº 3 do artigo 672º do Código de Processo Civil, que assim desatendeu a inadmissibilidade sustentada pela recorrida e considerou verificada a oposição invocada.

  1. Nas alegações de recurso, a recorrente formulou as seguintes conclusões, deixando de lado as que se destinam a sustentar a admissibilidade do recurso: «(…) C – DA PROCEDÊNCIA DO RECURSO 10ª. A ora recorrente pagou os direitos aduaneiros e demais imposições legalmente previstas de que era devedora directamente à Alfândega de Lisboa, pela operação de importação que realizou, em Julho de 2001 (v. n.º s 13 a 16 dos FP), através do cheque visado e traçado, de fls. 51 e 174 dos autos (v. Doc. de fls. 29 dos autos; cfr. art. 7º do NCPC e art. 334º do C. Civil) – cfr.

    texto n.º s 18 e 19; 11º. A Alfândega de Lisboa não tinha, nem tem qualquer crédito sobre a ora recorrente, pois o referido cheque foi emitido, em 2001.07.10, sobre conta bancária da ora recorrente AA (v. Doc. de fls. 51 dos autos), foi intencionalmente visado, traçado e emitido à ordem do respectivo credor tributário (v. Doc. de fls. 174 dos autos; cfr. n.º 15 dos FP), tendo sido directamente pago à própria Alfândega de Lisboa, em 2001.07.13 (v. fls. 174v. dos autos) – cfr.

    texto n.º 19; 12ª. A BB não tem qualquer direito de regresso contra a ora recorrente, pois esta pagou os direitos aduaneiros e demais imposições à Alfândega de Lisboa (v. n.º s 15 e 16 dos FP), sendo manifesto que, como se decidiu no douto acórdão fundamento, “não podendo o despachante ter direito de regresso contra um cliente que lhe tenha previamente pago os direitos, também a seguradora, que é colocada ao lado despachante (“o despachante oficial ou a entidade garante”), só poderá exigir o pagamento ao importador se este nada tiver pago” (v. Ac. RL de 2005.06.30, Proc.

    3893/2005-8; cfr. Ac. STJ de 1998.11.17, Proc.

    981392; Ac. RL de 2004.02.26, Proc.

    1217/2004-6, in www.dgsi.pt) – cfr.

    texto n.º 19; 13ª. O valor do referido cheque foi ilicitamente imputado ao pagamento de dívidas tributárias de terceiros incumpridores, por importações realizadas no anterior mês de Junho de 2001 (v. n.º 16 dos FP), não podendo o presente processo ser utilizado para beneficiar os referidos terceiros – que constituem as entidades por conta de quem a BB “pagou os direitos e demais imposições” (v. art. 2º/2 do DL 289/88) –, e assim dar cobertura à prática de “infracções criminais de abuso de confiança” (v. Ac. STJ de 1998.11.17, Proc.

    98A392, in www.dgsi.pt) – cfr.

    texto n.º 19; 14ª. A referida imputação contabilística foi realizada sem intervenção e autorização da ora recorrente e por razões alheias ao seu interesse (v. arts. 268º e 269º do C. Civil), e em absoluta desconformidade com o que consta do cheque de fls. 51 e 174 dos autos, apesar de a Alfândega de Lisboa dispor em seu poder e ter perfeito conhecimento da DAV apresentada em nome da ora recorrente – AA – e respectivo valor – cfr.

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