Acórdão nº 1292/09.5TBVVD.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução22 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - AA demandou BB, em acção de investigação da paternidade instaurada no dia 20-10-09, pedindo que se declare que é filho do Réu e que se ordene o correspondente averbamento no respectivo assento de nascimento.

Alegou que nasceu no dia 20-9-81, estando registado apenas como filho de CC, sendo certo que também filho do R., pois nasceu das relações sexuais estabelecidas entre o este e a mãe do A.

O R. contestou por impugnação e invocou ainda a caducidade do direito pelo decurso do prazo fixado no nº 1 do art. 1817º do CC, na sua actual redacção introduzida pela Lei nº 14/09, de 1-4.

Foi proferida sentença que julgou procedente a acção, depois de considerar inconstitucional a norma do nº 1 do art. 1817º do CC, na sua actual redacção, na medida em que, relativamente ao direito à identidade pessoal que está em causa nas acções de investigação da paternidade, estabeleceu um prazo de caducidade de 10 anos.

Interposto recurso de tal decisão quanto à questão da inconstitucionalidade, o Trib. Constitucional decidiu julgar não inconstitucional a referida norma, determinando a reforma da sentença de acordo com tal juízo.

Foi então proferida nova sentença que, com fundamento na verificação da excepção da caducidade pelo decurso do prazo de 10 anos previstos na lei, julgou improcedente a acção.

O A. interpôs recurso de apelação, mas a Relação confirmou a sentença.

Foi interposto recurso de revista excepcional, o qual, com fundamento em contradição entre o acórdão recorrido e outro acórdão da Relação sobre a mesma questão fundamental de direito, foi admitido pela formação referida no art. 671º, nº 3, do CPC, relativamente ao segmento do acórdão recorrido que considerou que o prazo de caducidade de 10 anos se contabilizava a partir da maioridade do investigado, nos termos previstos no art. 1817º, nº 1, do CC. Quanto às demais questões suscitadas em torno da contagem do mesmo prazo de caducidade e da constitucionalidade do regime jurídico a mesma formação considerou que não se verificava uma situação de dupla conformidade, uma vez que as mesmas apenas foram analisadas no acórdão recorrido.

Foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – Tendo em conta as conclusões do recurso de revista suscitam-se na presente revista as seguintes questões essenciais: a) O prazo de caducidade de 10 anos previsto no nº 1 do art. 1817º, na redacção introduzida pela Lei nº 14/09, de 1-4, é contado desde a data em que o investigante atingiu a maioridade ou, em conjugação com o art. 297º, nº 1, do CC, desde a data da publicação da lei que introduziu tal prazo? b) Prevendo a lei que o prazo é de 10 anos depois de investigante atingir a maioridade, o termo de tal prazo engloba todo 28º ano do investigante ou ocorre quando perfizer os 28 anos de idade? c) É inconstitucional o art. 1817º, nº 1, do CC, interpretado no sentido de que a contagem do prazo de 10 anos deve fazer-se a partir da data em que o investigante perfez a maioridade, mesmo nos casos em que o investigante já atingira a maioridade na data em que entrou em vigor a lei que ficou tal prazo? d) A inconstitucionalidade decorre ainda da violação do princípio da confiança, pelo facto de a nova lei ter passado a prever um prazo para o exercício do direito de investigação da paternidade, depois de ter sido declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma precedente? e) E a inconstitucionalidade decorre também da violação do princípio da igualdade, na medida em que antes da entrada em vigor da nova lei foram julgadas procedentes acções de investigação de paternidade interpostas por indivíduos com idade superior à do A. (28 anos), sem interferência de qualquer prazo de caducidade? Como se referiu, a revista foi admitida como excepcional apenas quanto à questão em torno da contagem do prazo de caducidade previsto no art. 1817º, nº 1, do CC.

Apesar disso, não há razões para rejeitar a revista quanto às demais questões, uma vez que, não se verificando quanto às mesmas uma situação qualificada como de dupla conforme, por não ter havido realmente uma confirmação por parte da Relação do que fora declarado pela 1ª instância, as mesmas inscrevem-se no objecto da acção e no objecto do recurso de revista.

III – Elementos essenciais a considerar: - O A. nasceu a ...-1981 e perfez a maioridade a ...-1999, tendo sido registado sem indicação da sua paternidade; - A acção para investigação da sua paternidade foi interposta em ...-2009.

IV – Decidindo: 1. Quanto ao início da contagem do prazo de caducidade previsto no art. 1817º, nº 1, do CC: 1.1. Nos termos do art. 1817º, nº 1, do CC, na sua actual redacção, a acção de investigação de paternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos 10 anos posteriores à sua maioridade.

Tal preceito tinha uma redacção diversa que fixava o prazo de caducidade em dois anos depois da maioridade. Porém, no Ac. do Trib. Constitucional publicado no D. R., I Série, de 8-2-06, foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do referido normativo, no segmento referente ao prazo de caducidade, na medida em que previa “para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante”, por desrespeitar os arts. 16º, nº 1, e 36º da CRP (D. R., I Série, de 8-2-06).

Da fundamentação de tal aresto não decorre a necessária imprescritibilidade do direito potestativo de investigação da paternidade, considerando-se legítima a aprovação de normas de direito ordinário que disciplinem temporalmente esse direito, como veio a ocorrer posteriormente, através da Lei nº 14/09, de 1-4. A declaração de inconstitucionalidade foi sustentada simplesmente no facto de se considerar que o referido prazo de dois anos não assegurava eficazmente a tutela daquele direito de natureza pessoal e familiar.

1.2. Na sequência de tal declaração de inconstitucionalidade sucedeu-se, ao menos aparentemente, um vazio legislativo. Uma vez que, em simultâneo com tal declaração de inconstitucionalidade, não foi alterada a redacção do nº 1 do art. 1817º do CC, gerou-se uma situação de indefinição quanto à existência de algum prazo geral para a propositura das acções de investigação de paternidade.

Tal omissão legislativa suscitou legítimas dúvidas sobre o enquadramento jurídico das situações que anteriormente eram configuradas pelo referido preceito, dando origem a decisões judiciais em que se configurava: a) A repristinação da lei anterior (necessariamente a lei anterior ao CC de 1967, já que este, na sua versão originária, regulava a situação de forma idêntica, quanto a este aspecto, no art. 1854º, nº 1); b) A sujeição do direito potestativo ao prazo geral de prescrição de 20 anos previsto no art. 309º do CC; c) A verificação de uma lacuna legal susceptível de ser preenchida pelo intérprete, mediante a criação da norma que presumivelmente correspondesse à vontade do legislador (in casu, o prazo de 10 anos após a maioridade que o legislador efectivamente acabou por assumir); d) Ou...

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