Acórdão nº 92/14.5YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Janeiro de 2015
Magistrado Responsável | HELENA MONIZ |
Data da Resolução | 15 de Janeiro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.
Na 2.ª Vara Criminal do Porto, foi julgada, em processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, no processo n.º 1086/12.0JAPRT, a arguida AA, e condenada, por acórdão de 12 de julho de 2013, pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Código Penal (doravante CP), na pena parcelar de 16 (dezasseis) anos e 6 (seis) meses de prisão, e pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelos arts. 3.º, 5.º, al. e), e 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, (com as alterações subsequentes), na pena parcelar de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, e na pena única conjunta de 17 (dezassete) anos de prisão.
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Deste acórdão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 13 de novembro de 2013, concedeu provimento parcial ao recurso e anulou o acórdão anterior por insuficiência da fundamentação, determinando a sua reformulação. E assim foi elaborado novo acórdão a 9 de janeiro de 2014, que condenou a arguida nos mesmos termos referidos no ponto 1 deste relatório.
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Não conformada com a decisão, a arguida recorre novamente para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 4 de junho de 2014, “julga totalmente improcedente o recurso” e “mantém nos seus precisos termos a decisão recorrida”.
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Inconformada, a arguida interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo no disposto nos arts. 399.º, 401.º, n.º 1, al. b), 411.º, n.º 1, al. b) e 432.º, n.º 1, al. b), todos do Código de Processo Penal (doravante CPP), apresentando as seguintes conclusões: «1. Apesar da lei restringir a cognição do Supremo Tribunal de Justiça a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, conforme previsto no artigo 4100, n.° 2 do C.P.P.
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Não há qualquer prova de que a arguida tenha agido de acordo com um plano previamente traçado com o objetivo de cometer o crime, pois não foi dado como provado que a arguida tenha transportado a arma até ao apartamento onde ocorreram os factos, nem qualquer outra circunstância demonstrativa de preparação de crime, assim, não deveria ter sido considerado provado, conforme foi na alínea j), que a arguida tenha "conjugado e concertado a sua conduta de acordo com um plano que havia traçado, com o desígnio (...)".
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O facto de não ter sido apurado o motivo do crime (pois não consta do factualidade considerada provada) vem reforçar precisamente a inexistência de qualquer plano traçado por parte da arguida, com o desígnio de matar a vítima, uma vez que aponta para a espontaneidade da sua conduta e do desenrolar dos factos.
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Não deve concluir-se por um concurso efetivo de crimes, mas antes aparente, devendo a arguida ser absolvida do crime de detenção de arma proibida, visto que a sua conduta em relação à arma se esgotou na prática do homicídio.
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Não se pode ter como assente que arma era detida pela arguida.
Este ato, único conhecido da arguida em relação à arma, configura simples uso: a arguida limitou-se a utilizar a arma para realizar o homicídio, pelo que esta conduta não deve ser autonomizada e subsumida no ilícito do artigo 86°, n.° 1, alínea c), da Lei n.° 5/2006, de 23/02. Por consideração das declarações do inspetor João Morgado e da arguida (que constam do texto da decisão recorrida) e atendendo ao teor do Auto de apreensão de fls. 75, deverá ser dado como provado que a arguida não se manteve na posse da arma, deitando-a fora após a ocorrência dos factos.
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Foi erradamente fixada a medida concreta da pena, sendo violado disposto nos artigos 40.
0 e 71.° do Código Penal, pois a pena aplicada à arguida é excessiva e de severidade injustificada, tendo sido ultrapassada a medida da culpa, pelo que deverá ser reformada e reduzida.
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Na ponderação da medida concreta da pena, e quanto ao modo de execução do crime, não deveria o Tribunal ter valorado, como valorou, a existência de um "plano traçado" ou "preparação antecipada", pois não tendo sido provado que a arguida transportou a arma até ao apartamento, nem qualquer outra circunstância demonstrativa de planeamento, não se pode sustentar a existência de preparação antecipada ou um plano traçado com o objetivo de cometer o crime.
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Não deverão ser desvalorizados, na fixação da medida concreta da pena, os sentimentos manifestados pela arguida durante o julgamento, pois demonstrou claro arrependimento pelo sucedido, pedindo perdão aos familiares e amigos da vítima pelo ato cometido, evidenciando plena consciência da gravidade dos seus atos e interiorização da sua culpa.
Arrependimento este que manifestou não só em Tribunal, como já antes tinha manifestado, designadamente na carta que escreveu à testemunha Ana Isabel pouco depois de ter sido detida. Tais sentimentos são, aliás, confirmados pela avaliação psicológica constante do relatório social, onde se sublinha esta consciência e interiorização dos atos praticados e das suas consequências por parte da arguida.
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Deverão também ser devidamente valorados outros factores, com especial relevância quanto às finalidades de ressocialização da pena, como sejam, o facto da arguida ser primária e estar bem inserida socialmente conforme decorre do relatório social. Fatores como a frequência de um curso de assistente de geriatria com assiduidade e bom rendimento, o empenho no trabalho e no acompanhamento dos filhos, preocupação em veicular uma autoimagem valorizada, o apoio manifestado pelos irmãos e filhos nesta fase da sua vida, são reveladores da sua integração social e familiar.
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É também de relevar a sua conduta produtiva e conforme às regras no estabelecimento prisional: exerce atividade nas Oficinas como costureira e frequenta o 90 ano de escolaridade; é reservada e evita a convivência massiva característica do meio prisional; centra-se nas visitas regulares dos seus familiares; da avaliação psicológica e psiquiátrica junto dos serviços clínicos do estabelecimento prisional, concluiu-se pela existência de sentimento de vergonha social e consciência dos danos que esta situação acarreta para o conjunto da sua família, bem como censura face ao crime de homicídio e reconhecimento da existência de vítimas e de danos.
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O curso de assistente de geriatria que a arguida frequentava, por implicar especial vocação para o exercício da profissão, é demonstrador de caráter sensível, humanitário e compassivo.
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Atendendo às circunstâncias acima mencionadas deverá concluir-se que as necessidades de prevenção especial são escassas e que a probabilidade de reincidência é inexistente, ou ainda que assim não se considere, pelo menos extremamente reduzida.
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Entende-se ainda que, a considerar este Tribunal conforme pretende a defesa, que não houve "preparação antecipada" ou "plano traçado com o objetivo de praticar o crime" por parte da arguida, este facto é manifestamente relevante na avaliação da personalidade da arguida, para efeitos de ressocialização.
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Tudo ponderado quanto às exigências de prevenção geral e especial, deverá satisfazer de modo adequado e suficiente, a aplicação à arguida de uma pena não superior a 14 anos de prisão.
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Não entendendo o Supremo Tribunal existirem motivos para a redução da pena aplicada, deverão as circunstâncias atrás invocadas ser ponderadas para efeito de atenuação especial da pena, por consideração do disposto no artigo 72°, n.° 1 e artigo 73°, n.° 1, alíneas a) e b) do Código Penal.
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O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, considerando-se para este efeito, ainda que não de forma taxativa, as circunstâncias enumeradas no n.° 2 do artigo 72°.
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O arrependimento e forte interiorização da sua culpa, demonstrado em sede de audiência de julgamento, na carta que escreveu à testemunha EE pouco depois de ter sido detida e na avaliação psicológica e psiquiátrica que consta do relatório social deverão ser tidos em consideração como fatores de atenuação especial da pena.
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Também o facto da arguida ser primária, estar bem inserida socialmente conforme se retira do relatório social, remetendo-se nesta sede para as considerações atrás efetuadas a propósito da redução da pena, deverão ser considerados para este efeito.
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A relevar ainda na ponderação da atenuação especial, a adoção no estabelecimento prisional de uma conduta produtiva, reservada, conforme às regras e centrada no apoio familiar.
Termos em que, - deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogado o douto acórdão e substituído por outro que absolva a arguida do crime de detenção de arma proibida; - deverá ainda ser reformada e reduzida a medida concreta da pena aplicada pelo crime de homicídio qualificado pelo qual a arguida foi condenada, por violação do disposto nos artigos 40.° e 71.
0 do Código Penal; - caso não se concorde com a redução da pena, deverá o crime de homicídio qualificado ser alvo de atenuação especial face ao disposto no artigo 72.º, n.° 1 e artigo 73°, n.° 1, alíneas a) e b) do Código Penal. » 5.
O Ministério Público, junto do Tribunal da Relação do Porto, respondeu, tendo considerado que: - no que respeita à pretensa “incompatibilidade entre o facto provado de que a arguida agiu de acordo com um plano previamente traçado com o de não se ter demonstrado que transportou a arma para o apartamento”[na al. j)] — “Como é evidente, não existe qualquer contradição entre tais factos, pois a maior ou menor antecipação da formação da vontade de matar...
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