Acórdão nº 317/11.9YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelORLANDO AFONSO
Data da Resolução15 de Janeiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça: A) - Relatório: Pelo 4º juízo cível do Tribunal Judicial da comarca de Lisboa, corre processo de revisão de sentença estrangeira em que é requerente AA, identificada nos autos e requeridos BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK e LL (estas duas últimas habilitadas para prosseguirem na causa no lugar da falecida requerida CC), todos identificados nos autos.

AA, de nacionalidade brasileira, veio requerer contra BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ, nos termos dos artigos 1094.° e seguintes do CPC, a revisão e confirmação do Acórdão proferido em 01.04.2009, no processo de Agravo n.° 617.125-4/9, do Tribunal de Justiça do Estado de S. Paulo (Brasil), que, revogando a sentença proferida no processo n.° 0606953-78.2007.8.26.0100, da 5.

a Vara da Família e Sucessões do Foro Central da Comarca de S. Paulo (Brasil), reconheceu a requerente como única herdeira de MM, de nacionalidade portuguesa, falecido em 08.12.2006, em S. Paulo (Brasil), tendo junto certidões (fls.10 a 17).

Tendo-se verificado que a requerida CC havia falecido em 10.09.2010 (fls.97), teve lugar o competente incidente de habilitação, findo o qual, e por decisão de 10.11.2012, foram julgadas habilitadas KK e LL, filhas da falecida, para prosseguirem na causa no lugar da falecida requerida (fls. 147).

Citados os requeridos, nos termos e para os efeitos do art.° 1098.° do CC, apenas a requerida JJ veio deduzir oposição, pugnando pela improcedência da requerida confirmação de sentença estrangeira (fls.71 a 78).

A requerente AA respondeu, tendo reiterado o anteriormente requerido, e pedindo, agora, também, a condenação da requerida JJ, como litigante de má-fé, em multa e indemnização a fixar em sede de liquidação de sentença, (fls. 169 a 197).

Deu-se cumprimento ao disposto no art.° 1099.°, n.° 1, do CPC, tendo o M°P°, nas suas alegações, pugnado pela procedência do requerido (fls. 596).

Já a requerida JJ, nas suas alegações, reiterou o pedido de improcedência (fls.597 a 602), A requerente AA respondeu, tendo reiterado o anteriormente requerido, e pedindo, agora, também, a condenação da requerida JJ, como litigante de má-fé, em multa e indemnização a fixar em sede de liquidação de sentença, (fls. 169 a 197).

Deu-se cumprimento ao disposto no art.° 1099.°, n.° 1, do CPC, tendo o M°P°, nas suas alegações, pugnado pela procedência do requerido (fls. 596).

Já a requerida JJ, nas suas alegações, reiterou o pedido de improcedência (fls.597 a 602).

O Tribunal da Relação acordou em julgar improcedente quer a requerida confirmação da sentença estrangeira, quer a requerida condenação por litigância de má-fé.

Deste acórdão recorreu a requerente AA alegando, em conclusão, o seguinte: A. Vem o presente recurso interposto do acórdão de fls. , que em sede de Acção Especial de Revisão e Confirmação de Sentença Estrangeira negou a revisão e confirmação da sentença estrangeira revidenda e consequentemente, a condenação da Recorrida como litigante de má-fé.

  1. São fundamentos do presente recurso de revista a errada interpretação e aplicação levada a cabo pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, do artigo 1096.° alínea f) do CPC e artigos 22.° n.° 1, 25.°, 31.° n.° 1, 62.° e 2133.° n.° 1 alínea c), todos do Código Civil (doravante denominado CC) e a nulidade do acórdão ora em crise, nos termos dos artigos 668.° n.° 1 alíneas b) e 716.° n.° 1 ex vi artigo 722.° n.° 1 alínea c), todos do CPC, por manifesta falta de fundamentação do acórdão objecto do presente recurso, no que à decisão de não condenação da Recorrida como litigante de má-fé diz respeito.

  2. No acórdão objecto do presente recurso de revista, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa analisou a aplicabilidade ao caso concreto dos requisitos legais constantes das 6 (seis) alíneas do artigo 1096.° do Código do Processo Civil, para efeitos de revisão e confirmação em Portugal de sentenças estrangeiras, tendo concluído pelo não preenchimento do requisito previsto na sua alínea f), no que diz respeito ao reconhecimento do Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que reconheceu à Recorrente o direito a herdar a totalidade dos bens do falecido MM.

  3. Efectivamente, o sistema de revisão de sentenças estrangeiras vigente em Portugal inspira-se basicamente no chamado sistema de delibação, isto é, de revisão meramente formal, o que significa que o Tribunal, em princípio, se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma, não conhecendo, pois, do fundo ou mérito da causa.

  4. De facto, em Portugal está consagrado o princípio, segundo o qual as sentenças estrangeiras são admitidas a desenvolver na ordem jurídica do foro os efeitos que lhe são atribuídos no sistema jurídico de origem, estando a verificação desses efeitos condicionada, salvo tratado ou lei especial em contrário, à verificação dos requisitos previstos nas 6 (seis) alíneas do artigo 1096.° do CPC, os quais têm carácter extrínseco ou formal.

  5. Ora, se no acórdão ora em crise andou bem o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa quando decidiu estarem preenchidos os requisitos previstos nas alíneas a) a e) do artigo 1096.° do CPC, já o mesmo não se poderá dizer quando o mesmo concluiu que, neste caso em concreto, não se encontrava preenchido o requisito previsto na alínea f) do artigo 1096.° do CPC, referindo para o efeito que o reconhecimento deste último na ordem jurídica Portuguesa levaria a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.

  6. Enquanto a alínea f) do artigo 1096.° do CPC vigorou com a redacção que referia "que não contenha decisões contrárias aos princípios da ordem pública Portuguesa" a doutrina dominante entendia que a recusa de revisão e confirmação de uma sentença estrangeira por violação da ordem pública internacional do Estado Português podia basear-se, não só tendo em conta o seu resultado uma vez reconhecida, como também mediante análise do conteúdo da sua decisão, isto é, dos seus fundamentos.

  7. Contudo, com a nova redacção do preceito aqui em questão, resultou absolutamente claro e inequívoco que o legislador quis colocar o assento da decisão de violação, ou não, da ordem pública internacional do Estado Português, na análise do resultado que essa mesma revisão e confirmação teriam quando confrontadas com os princípios acima referidos.

    I. O que importa quando o aplicador da Lei verifica se está preenchido o requisito previsto na alínea f) do artigo 1096.° do CPC com a actual redacção, é o resultado que a sentença, ou acórdão, irão produzir no ordenamento jurídico Português, nomeadamente se o mesmo é manifestamente incompatível com os princípios inerentes à ordem pública internacional do Estado Português.

  8. Só esta interpretação compatibiliza a alínea f) do artigo 1096.° do CPC, com o sistema de simples revisão formal de sentenças estrangeiras, tanto mais que é o próprio acórdão objecto do presente recurso quem o reconhece, na parte inicial da sua página 28 e 29.

  9. Mais, o legislador ao acrescentar à redacção da alínea f) do artigo 1096.° do CPC o advérbio "manifestamente", para caracterizar o grau de incompatibilidade do resultado do reconhecimento da sentença, ou acórdão revidendos, relativamente aos princípios inerentes à reserva de ordem pública internacional do Estado Português, teve como intuito, apenas e só, limitar a intervenção desta reserva, aos casos que assumam um grau particularmente grave de desconformidade do resultado concreto a que se chega, com os valores fundamentais da ordem jurídica do foro.

    L. Posto isto basta apenas uma leitura ainda que superficial do acórdão ora em crise, para facilmente se perceber que a fundamentação ai utilizada pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa para concluir pelo não preenchimento da alínea f) do artigo 1096.° do CPC, não pode de todo colher, na medida em que a mesma ultrapassa, em muito, os limites previstos no normativo aqui em questão, M. julgando apenas e só a compatibilidade dos fundamentos do acórdão revidendo com a ordem pública internacional do Estado Português, em detrimento do resultado do reconhecimento do acórdão aqui em questão com esta última, como era de direito.

  10. Salvo o devido respeito que sempre nos merecerá o acórdão ora em crise, proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, é notório que o mesmo falha em toda a linha quando chamado a decidir da verificação, ou não, neste caso em concreto, do requisito previsto na alínea f) do artigo 1096.° do CPC, na medida em que foi incapaz de sair dos fundamentos que tiveram na base do acórdão revidendo, nomeadamente a origem dos direitos sucessórios da Recorrente, não resistindo à tentação de aferir da sua compatibilidade com a ordem pública internacional do Estado Português.

  11. Só assim se explica que o acórdão objecto do presente recurso tenha fundamentado a sua decisão com base na comparação da figura da união estável registada prevista no ordenamento jurídico Brasileiro, com o casamento e a união de facto previstas no ordenamento jurídico Português, o que para o caso era completamente irrelevante, tendo por essa razão realizado uma revisão de mérito do acórdão revidendo.

  12. Mais, preocupante ainda é o facto de ser notório ao longo do acórdão objecto do presente recurso, que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa tinha perfeita consciência que estava a levar a cabo, neste caso em concreto, uma revisão de mérito que lhe era vedada por Lei, sem que tal o tenha feito arrepiar caminho.

  13. Efectivamente, face à clareza da letra da alínea f) do artigo 1096.° do CPC, dúvidas não subsistem de que o ponto-chave, ou se quisermos, a questão a que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa deveria ter respondido no acórdão que proferiu, tendo em vista aferir do preenchimento do requisito ai previsto, era apenas e só a de saber se é manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, o reconhecimento de um...

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