Acórdão nº 2450/10.5TVLSB.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução29 de Janeiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA e BB intentaram acção, na forma ordinária, contra o Banco CC, S.A.., e Companhia de Seguros EE, S.A.., pedindo que os réus sejam condenados solidariamente a pagar-lhes a quantia de € 45.000,00 acrescida de juros de mora à taxa legal de 4 %, desde a citação até integral pagamento.

Alegaram, em síntese, que, no âmbito de um processo-crime no Tribunal de Leiria, no qual deduziram pedido de indemnização cível contra a R. EE, S.A., o respectivo mandatário, Dr. FF, celebrou uma transacção com esta ré, tendo a mesma assumido o pagamento aos AA. da quantia de € 100.000; no seguimento dessa transacção, foi emitido um recibo, em nome dos ora AA., o qual foi assinado pelo referido Dr. FF, com a menção “por procuração”; para pagamento daquela quantia, a R. seguradora emitiu em 22 de Dezembro de 2005 o cheque com o n.º …, sacado sobre o Banco CC, S.A.., sobre a conta de depósitos à ordem que ali mantinha com o n.º …, no referido montante de € 100.000; tal cheque encontrava-se preenchido e assinado pelos administradores ou legais representantes da segunda R., cruzado por meio de duas linhas paralelas traçadas na face do cheque e à ordem de AA; todavia, o cheque em questão, remetido ao Dr. FF, veio a ser por este endossado por procuração, como consta da menção constante do seu verso “por procuração”, tendo vindo a ser depositado numa conta titulada por GG, - sendo que o montante titulado por tal cheque e relativo à indemnização de que os AA. eram beneficiários jamais chegou ao poder destes; os AA. jamais conferiram ao seu mandatário poderes para transigir; ora, o Banco 1º R. aceitou o depósito do cheque em benefício do pretenso endossado, sem conferir o teor e validade da procuração a que o pretenso “endosso” faz referência, o que gera a respectiva responsabilidade pelo montante titulado no cheque; por sua vez, a responsabilidade da 2ª R./ seguradora decorre da emissão do supra referido cheque unicamente em nome da A. AA e não, também, do A. BB, o qual, nos termos do recibo emitido, era de igual modo beneficiário da quantia em causa; entretanto, os AA. acabaram por receber do advogado a quantia global de € 55.000.

Citado, o R./ Banco CC, S.A.., contestou, refutando qualquer responsabilidade nos invocados prejuízos dos AA. , alegando ter cumprido com os seus deveres de verificação da regularidade do cheque e do endosso, sendo que não tinha o dever de conferir a regularidade da procuração do endossante.

Também a R./ Companhia de Seguros EE, S.A.. contestou a acção: por excepção, arguindo a prescrição do direito à indemnização, e por impugnação, alegando que agiu em função da procuração que o mandatário dos AA. juntou à acção e da homologação da transacção, tal como é prática profissional.

Os autores responderam sustentando a improcedência da excepção da prescrição.

Foi proferido o despacho saneador, que relegou o conhecimento da excepção de prescrição para a sentença, e seleccionados os factos assentes e controvertidos.

Após julgamento, que culminou com a resposta à base instrutória, sem reclamações, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os réus do pedido.

  1. Inconformados, apelaram os AA., tendo, porém, a Relação confirmado a decisão absolutória proferida na 1ª instância, começando por enunciar a matéria de facto provada: “1. Por sentença, proferida em 11 de Janeiro de 2006 e transitada em julgado, no âmbito do processo comum singular com o n.º 738/99.3TALRA, que correu seus termos no 1.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, em que figuram como demandantes os aqui Autores e como demandada a aqui Ré Companhia de Seguros EE, S.A.., foi homologada a transacção, a que os mesmos foram igualmente condenados a cumprir nos seus precisos termos, que se consubstancia nas seguintes cláusulas: “CLÁUSULA PRIMEIRA Os demandantes reduzem o pedido à quantia de € 100.000,00, verba que a demandada (…) aceita pagar.

    CLÁUSULA SEGUNDA Com o pagamento supra os demandantes dão total e plena quitação a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do acidente em apreço.

    CLÁUSULA TERCEIRA O pagamento será feito no prazo de quinze dias, contra recibo, sendo enviado este, bem como o posterior cheque para o escritório do mandatário dos demandantes Sr. Dr. FF, com escritório na Rua …, n.º 4, 1.º, 2350 - Torres Novas (…)”.

  2. Tal transacção foi tomada e reduzida a termo no dia 19 de Dezembro de 2005 pela Secretaria do 1.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, a pedido do Sr. Dr. FF, que agiu em representação dos demandantes, os aqui Autores, e apresentou duas procurações com poderes especiais, e do Sr. Dr. HH, que agiu em representação da demandada, a aqui Ré Companhia de Seguros EE, S.A.., e apresentou igualmente uma procuração com poderes especiais para o efeito.

  3. Posteriormente, o Sr. Dr. FF entregou aos Autores o valor global de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros) para pagamento da quantia estipulada em 2.1..

  4. Para pagamento da quantia referida em 2.1., a Ré Companhia de Seguros EE, S.A.., emitiu em 22 de Dezembro de 2005 o cheque com o n.º …, sacado sobre a Ré Banco Espírito, S.A., Sociedade Aberta, sobre a conta à ordem com o n.º …, no valor de €100.000,00 (cem mil euros).

  5. Tal cheque, preenchido e assinado pelos administradores da Ré Companhia de Seguros EE, S.A., encontra-se cruzado por meio de duas linhas paralelas traçadas na face do mesmo.

  6. E foi emitido à ordem da Autora AA.

  7. Em cumprimento do acordado, a Ré Companhia de Seguros EE, S.A.., entregou ao Sr. Dr. FF o mencionado cheque e emitiu ainda um documento, em nome dos aqui Autores, no qual fez constar, além do mais, “Declaro(amos) que recebi(emos) da COMPANHIA DE SEGUROS EE, S.A.., a quantia de Cem Mil Euros como indemnização por todos os danos patrimoniais, não patrimoniais e/ou despesas, resultantes do sinistro em referência”.

  8. Tal documento foi assinado pelo Sr. Dr. FF com a menção “por procuração”.

  9. O Sr. Dr. FF apôs a sua assinatura no verso do mencionado cheque depois de aí fazer constar a menção “por procuração”.

  10. Após, o mencionado cheque foi depositado numa conta bancária titulada por GG, residente na Rua Gustave Eiffel, no Entroncamento.

  11. Pessoa ou pessoas diferentes dos AA. AA escreveram os nomes destes nos documentos denominados “Procuração” cujas cópias se encontram a fls. 99 e 100 dos presentes autos, depois de consignarem que constituíam seu bastante procurador o Sr. Dr. FF e lhe conferiam poderes especiais para confessar, desistir e transaccionar nos autos de processo comum singular n.º 738/99.3TALRA, podendo celebrar acordos e transigir nos termos que entender, dar quitação e bem assim proceder à assinatura do que se mostrar necessário à execução dos referidos poderes especiais.

  12. Os Autores participaram criminalmente a ocorrência dos factos supra descritos.

  13. A Ré Banco Espírito, S.A., Sociedade Aberta, aceitou o depósito do mencionado cheque sem conferir o teor e a validade da procuração referida em 2.9..

  14. A R. EE entregou o cheque ao Sr. Dr. FF após tomar conhecimento das procurações referidas na alínea 2.1..

  15. Para além do referido em 2.3., os Autores não receberam qualquer outra quantia titulada no mencionado cheque.

  16. A Ré Banco CC, S.A., Sociedade Aberta, ao receber em depósito o mencionado cheque, verificou se o mesmo se encontrava regularmente preenchido, designadamente no que concerne ao valor indicado por extenso e em numerário, bem como se o mesmo não apresentava quaisquer rasuras ou indícios de viciação.

  17. A Ré Banco CC, S.A., Sociedade Aberta, ao receber em depósito o mencionado cheque, verificou se o facto da assinatura aposta no verso do mesmo não corresponder com o nome que figurava como sendo o do beneficiário tinha por base um motivo que justificasse esta discrepância e, nesta sequência, constatou que se encontrava expressamente prevista no mesmo a menção “por procuração”.

  18. Passando a apreciar o mérito da apelação, começou a Relação por confirmar a absolvição da seguradora, por entender que se não verificava qualquer violação do dever de cuidado da ré, quer no cumprimento da prestação, quer mesmo na fase preparatória/preliminar desse cumprimento.

    Apreciando, de seguida, os fundamentos da responsabilidade imputada ao Banco, considerou a Relação no acórdão recorrido: Como se viu, o endosso que figura no verso do cheque que a EE emitiu sobre o Banco réu, à ordem da autora, é um endosso por procuração (art. 23 da LUCH): aí aparecem os dizeres “por procuração”, abaixo dos quais figura a assinatura do advogado dos autores Dr. FF.

    Entendem os apelantes que o Banco CC é responsável por não ter conferido o teor e a validade da procuração mencionada.

    Mas cremos que carecem de razão.

    É aceite, na doutrina e na jurisprudência, que sobre o Banco recai o dever de verificar cuidadosamente os cheques que lhe são apresentados para pagamento, como garante da sua regularidade. E que as instituições bancárias devem usar da diligência exigível ao profissional médio para averiguar se a legitimação do portador corresponde à situação jurídica do proprietário do título, devendo, em caso de dúvida, recusar o mandato para cobrança ou a aquisição do cheque (cfr. Ac. STJ de 23.2.2010, Alves Velho, in www.dgsi.pt). O que decorre, aliás, das regras de conduta que constam dos art. 73 a 76 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGIC) (Ac. STJ de 11.7.2013, Fonseca Ramos, in www.dgsi.pt) Acontece, no entanto, que o cheque é um título de crédito formal, que se distingue pela sua literalidade, isto é, pelo teor literal do documento.

    A propósito, escreve Abel Pereira Delgado, na sua LUCH anotada, 3ª edição, a pág. 138: “Além do originário portador do cheque, é portador legítimo todo o detentor do cheque que justifique o seu direito por uma série ininterrupta de endossos, mesmo se o último for em branco. Estamos perante uma legitimação formal, em consequência da qual se...

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