Acórdão nº 531/11.7TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelBETTENCOURT DE FARIA
Data da Resolução29 de Janeiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I “AA Lda.” (actualmente denominada “BB, Lda.”) intentou contra “CC S.A.”, acção declarativa constitutiva com processo ordinário, peticionando que fosse resolvido o contrato denominado "Contrato de permuta de taxa de juro" com ele celebrado em 9 de Janeiro de 2007. Esta acção foi distribuída sob o n.º 531/11.

Paralelamente, a Autora intentou contra o mesmo Réu duas outras acções – a que couberam os n.ºs 532/11 e 533/11 – em que formulou idênticos pedidos por reporte a dois outros contratos de permuta de taxa de juro celebrados com aquele em 23 de Julho de 2008, tendo aquelas sido apensadas aos presentes autos (apensos “B” e “A”, respectivamente).

No articulado inicial destes autos, a Autora alegou, em suma, que, em 9 de Novembro de 2007, celebrou com o Réu um contrato de permuta de taxa de juro, com início no dia 12 desse mês e vencimento em 11 de Dezembro de 2012. Tal contrato fora subscrito na modalidade em que as partes realizam a troca periódica de juros vencidos de um empréstimo a taxa fixa por juros vencidos de um empréstimo a taxa variável.

Nesse âmbito, a Autora vinculou-se a pagar ao Réu, trimestralmente, sobre a importância nominal acordada de € 4.500.000,00, a taxa fixa de 4,35% (caso a Euribor a 3 meses - fixada no primeiro dia útil de cada período de cálculo - fosse inferior a 3,80% ou, simultaneamente, igual ou superior a 4,35% e igual ou inferior a 5,05%) e a taxa variável de juros Euribor a 3 meses, caso essa taxa fosse simultaneamente igual ou superior a 3,80% e inferior a 4,35% ou superior a 5,05%.

Por seu turno, o Réu obrigou-se a pagar, trimestralmente, a taxa de juro variável Euribor a 3 meses, sobre a importância nominal, fixada no primeiro dia útil de cada período de cálculo.

Sustenta a Autora que a execução desse contrato nesses moldes gerou, para si, prejuízos que ascendem a € 248.810,13 (valor que correspondente aos montantes pagos ao Réu até 12 de Novembro de 2010 após subtracção dos montantes por este pagos à Autora, até 12 de Fevereiro de 2009) e gerará, até ao seu termo, perdas que estima em € 300.000,00.

Afiança a Autora que tais prejuízos provêm da descida abrupta, inesperada e imprevisível da taxa Euribor a 3 meses, circunstância que atribui à crise do “subprime”, à falência do “Lehman Brothers” e à crise financeira e económica que atravessamos.

Tal descida verificou-se desde o último trimestre de 2008, tendo aquela taxa se mantido em níveis em extremamente baixos (muito inferiores a 3,80% e que chegaram a cifrar-se em 0,71%) que jamais foram previstos pelas partes ao contratarem, o que determina um desequilíbrio brutal do contrato.

Sustenta ainda a Autora que as perdas por si suportadas e os correlativos ganhos do Réu são absolutamente desproporcionais e ofendem claramente a boa fé na formação e execução dos contratos, tanto mais que não têm correspondência em qualquer benefício auferido por si auferido, são excessivamente onerosas e correspondem a um enriquecimento injustificado daquele. Verifica-se, segundo defende, uma drástica e anormal alteração das circunstâncias que nunca foi equacionada pelas partes (e, em particular, pelo Réu, que não transmitiu à Autora que a taxa Euribor seria fixada em níveis que determinassem aquele prejuízo), o que exclui qualquer hipótese das prestações contratuais se reaproximarem e que, não obstante a aleatoriedade que caracteriza o contrato em causa, determina a sua resolução.

Na petição inicial que deu origem ao processo a que foi atribuído o n.º 532/11, alegou, em síntese, a Autora que o contrato de permuta de taxa de juro datado de 23 de Julho de 2008 fora ajustado com o Réu, tendo tido início em 28 de Julho de 2008 e vencimento em 29 de Julho de 2013. A importância nominal acordada cifrava-se igualmente em € 4.500.000,00 e vinculou-se a pagar àquele, trimestralmente, à taxa fixa de 4,66% (caso a Euribor 3 meses fosse inferior a 4,15% ou simultaneamente igual ou superior a 4.66% e igual ou inferior a 5.30%) ou a taxa variável de juros Euribor 3 meses caso essa taxa fosse simultaneamente igual ou superior a 4,15% e inferior a 4,66% ou superior a 5,30%.

Afirmou ainda que a execução deste contrato nesses termos gerou prejuízos para a Autora que ascendem a € 256.504,00 e que continuará a gerar perdas até final da sua execução que calcula em cerca de € 400.000,00.

Na petição inicial com que se iniciaram os autos processados no apenso “B”, a Autora invocou que o outro contrato de permuta de taxa de juro com a data de 23 de Julho de 2008 fora ajustado com o Réu com a “DD, Lda.”, tendo início em 28 de Julho de 2008 e vencimento em 29 de Julho de 2013, cifrando-se a importância nominal acordada em € 4.000.000,00.

Tendo sido cedida à Autora essa posição contratual, ficou a mesma vinculada a pagar àquele, trimestralmente, à taxa fixa de 4,66% (caso a Euribor 3 meses fosse inferior a 4,15% ou simultaneamente igual ou superior a 4.66% e igual ou inferior a 5.30%) ou a taxa variável de juros Euribor 3 meses caso essa taxa fosse simultaneamente igual ou superior a 4,15% e inferior a 4,66% ou superior a 5,30%.

Mais sustenta que a execução deste contrato gerou, para a Autora, prejuízos que ascendem a € 734.705,36 e que, até ao final da sua execução, continuará a gerar perdas que estima em cerca de € 2.250.000,00.

Nestes últimos articulados e no mais, a Autora reiterou as alegações factuais e jurídicas vertidas na petição inicial que deu início a estes autos e que antes se sumariaram.

Nas contestações juntas a cada um dos processos, o Réu invocou que a Autora celebrara consigo (e com outras instituições de crédito) 22 contratos de swap, tendo obtido lucros em 14 deles. Após enquadrar doutrinalmente o contrato e explicitar o seu modo de funcionamento, bem como as vantagens que dele decorriam para as partes - e que, grosso modo, derivavam da oscilação da taxa Euribor -, sustentou que o risco de esta descer para níveis abaixo dos patamares de 3,80% (no primeiro caso) ou de 4,15% (nos demais casos) fora prevenida pelas mesmas, não tendo, pois ocorrido qualquer evento inesperado ou anormal no decurso do programa contratual. Argumentou ainda que as partes previram contratualmente a possibilidade de ser afastado o cumprimento do prazo estabelecido, mediante um custo que correspondia àquele que o Réu suportou para cobrir, junto de bancos de investimento, o risco por si suportado.

Por estes motivos, considera o Réu que o instituto da alteração das circunstâncias é inaplicável. Mais alega que a Autora emitiu livranças caução titulando o risco que assumiu em cada um dos contratos (até, respectivamente, aos limites de € 420.000,00, de € 615.202,00 e de € 1.820.000,00), aceitando, pois, expor o seu património a prejuízos desses montantes e assumindo, nessa medida, um risco determinável, o que se explica pela taxa de juro do “swap” ser fixa.

Impugnou ainda grande parte dos artigos das petições iniciais, concluindo pela improcedência da acção.

Nos processos que, actualmente, constituem os apensos dos presentes autos, a Autora replicou, sustentando, em resumo, que era abusivo retirar quaisquer conclusões da emissão das referidas livranças, posto que tal acto fora imposto pelo Réu e visava apenas o incumprimento dos contratos “sub judice”.

Determinada a apensação de processos, seleccionou-se a factualidade relevante e procedeu-se a julgamento, tendo a Autora, no decurso da audiência de discussão e julgamento, apresentado requerimento em que, em suma, invocou o cariz especulativo dos contratos em causa (o que se traduzia, por um lado, na desvirtuação da função económica àqueles associado – a determinação de uma taxa fixa relativa a financiamentos concedidos à Autora – e, por outro, na realização de apostas sobre a evolução da taxa Euribor a 3 meses) e suscitou o conhecimento oficioso da respectiva nulidade por falta de objecto, requerendo, subsidiariamente, que fosse declarado que os mesmos contratos constituíssem apenas fontes de obrigações civis.

Em resposta, o Réu refutou a natureza especulativa dos contratos em disputa, concluindo pela inviabilidade da pretensão.

A final, proferiu-se sentença em que, ponderando que, no “(…) contrato de 2007, a autora recebeu e por isso deve restituir a quantia de €16.883,00 (ponto 8) e a ré recebeu €406.485,38; relativamente ao contrato de 2008 (ref.6930) a autora recebeu €468,89 e a ré recebeu €426.692,21; relativamente ao contrato de 2008 (ref.6928) a autora recebeu €20.035,56 e a ré recebeu €681.812,82. Desta feita, a autora tem a restituir à ré o total de €37.387,45 e a ré tem que restituir à autora o total de €1.514.990,41.

”. (…)” e que “(…) não cumpre apreciar por estar prejudicado o pedido de resolução dos contratos por alteração das circunstâncias.

(…)” se decidiu “(…) a) Declarar nulos os contratos de swap celebrados entre A. e R. e identificados nos pontos 3, 17 e 23 dos factos provados.

b) Condenar a autora a restituir à ré a quantia de €37.387,45 e a ré a restituir à autora a quantia de €1.514.990,41, quantias acrescidos de juros, à taxa legal de 4%, desde a notificação desta decisão até à efectiva restituição.

”.

Inconformado, o Réu apelou para a Relação de Lisboa, juntando vários pareceres.

No parecer subscrito pelo Exmo. Sr. Prof. Dr. Paulo Mota Pinto, concluiu-se pela licitude dos contratos em causa, pela inviabilidade da sua equiparação ao jogo e aposta, pela sua aptidão para o fito de gestão do risco de variação das taxas de juros, pela inexistência de qualquer ilicitude na função especulativa dos negócios em causa ou de um cariz absolutamente desequilibrado naqueles contratos, devendo ser evitado propiciar a quem, durante certo tempo, beneficiou de proveitos provindos de contratos aleatórios e pretende, quando as coisas deixaram de correr de feição, invocar a sua invalidade.

No parecer da autoria do Exmo. Sr. Prof. Dr. António Pinto Monteiro sustentou-se, em síntese, que a especulação era imprescindível à figura do swap de taxa de juro, que não se pode reconhecer...

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