Acórdão nº 24412/02.6TVLLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelTÁVORA VICTOR
Data da Resolução29 de Janeiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. RELATÓRIO Acordam na secção cível do Supremo Tribunal de Justiça.

    Dr.

    AA, Juiz Desembargador, residente em ..., intentou acção declarativa condenatória, com processo ordinário, contra: Dra. BB, Procuradora da República, ao tempo da instauração da acção com domicílio profissional no Tribunal de Família e de Menores de ..., pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 250.000,00, a título de compensação por “danos não patrimoniais”, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, bem como a publicação, a expensas da R., da sentença condenatória, nos mesmos órgãos de comunicação social onde as ofensas foram proferidas, ao abrigo do disposto no n.° 4 do art.° 34,° da Lei de Imprensa.

    Para tanto, alegou, em síntese, que exerceu funções de Juiz de direito no Tribunal de Família e Menores de ..., tendo nesse âmbito decidido diversos processos de adopção, assim julgando improcedentes cinco desses processos, mantendo as crianças confiadas às famílias de acolhimento e determinando a reaproximação gradual e acompanhada das mesmas junto das respectivas famílias biológicas. Essas decisões chegaram ao conhecimento de alguns órgãos de comunicação social, tendo-se iniciado uma campanha difamatória contra a sua pessoa, visando, além do mais, influenciar os Tribunais, designadamente os Tribunais Superiores, através da distorção da verdade dos factos. Nesse sentido a estação de rádio "CC" e a revista "DD" realizaram trabalhos jornalísticos conjuntos sobre o tema, através de um "fórum" e de uma reportagem, respectivamente, tendo para o efeito ouvido a R., que proferiu afirmações gravemente atentatórias do bom nome pessoal e profissional do A., dando do mesmo a imagem de um juiz cruel, incompetente e que decidia contra a lei e os interesses das crianças; Noutras circunstâncias públicas, voltou a R. a invocar o seu nome, fazendo-o numa separata do jornal "EE" de 28 de Maio de 2001, ali qualificando o A. como medíocre; Tais factos e a sua difusão no meio pessoal e profissional do A. causaram-lhe tristeza, vergonha e angústia, tal como à sua família, passando os mesmos a evitar contactos com terceiros e a frequência de lugares públicos na cidade de ..., ocorrendo comentários negativos dos cidadãos e profissionais forenses, causa de perturbação psicológica do demandante, determinante de dificuldades de orientação, de concentração e baixa de auto-estima, bem como uma crise reactiva de patologia de zona, de que lhe resultou uma paralisia parcial do braço esquerdo; Tendo a R. agido dolosamente, sabendo e querendo destruir a sua imagem, crédito, reputação e bom nome, deve a mesma ser responsabilizada pelos danos causados à sua pessoa.

    Contestou a R., defendendo-se por excepção peremptória, invocando que produziu algumas afirmações, que não exactamente as que lhe são atribuídas pelo A., no exercício da sua liberdade de expressão e opinião e do direito de participação cívica, consagrados pelos arts.º 37.° e 48.° da Constituição da República Portuguesa; sendo que as decisões judiciais proferidas pelo A. eram polémicas e, no seu entender, erradas quanto ao entendimento que perfilhavam do instituto da adopção, pelo que a mesma entendeu ser um seu dever cívico, em função das diversas funções que desempenhou, participar nos debates públicos sobre as sentenças do demandante; donde que nenhum ilícito tenha cometido, antes agindo no exercício de direitos consagrados constitucionalmente; por impugnação, negando diversa factualidade alegada pelo A., por falsidade, ou invocando desconhecimento da mesma; alegando que o A. determinou a reaproximação às famílias biológicas de crianças que já haviam sido judicialmente confiadas para adopção, assim violando o trânsito em julgado das anteriores decisões; bem como que o seu objectivo nunca foi o de ofender o Autor, mas expressar a sua opinião sobre uma matéria que desde há muito tempo a ocupa, não tendo proferido qualquer expressão injuriosa ou difamatória; e que o A. litiga de má-fé, uma vez que sabe não ter a acção qualquer fundamento atendível, alterando a verdade dos factos e omitindo factos essenciais, designadamente a existência de outros pedidos indemnizatórios, com a finalidade de conseguir uma indemnização a que sabe não ter direito.

    Concluiu pela improcedência da acção e condenação do A., em multa e indemnização, como litigante de má-fé, em montante a fixar pelo Tribunal.

    O A. replicou, concluindo pela improcedência da matéria de excepção deduzida pela R. e, bem assim, como na petição inicial.

    Percorridos os trâmites legais, foi proferida sentença, de que recorreram ambas as partes, vindo o Tribunal da Relação de Lisboa, revogando tal sentença, a determinar a ampliação da base instrutória da causa.

    Remetidos os autos à lª instância, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, com a decisão de facto sobre a matéria aditada, sem reclamações, após o que foi proferida nova sentença, condenando, na procedência parcial da acção, a R,: a) A pagar ao A. a quantia de € 5.000,00, a título de compensação por danos não patrimoniais; b) Bem como a quantia de € 2.179,45 de juros moratórios sobre aquela compensação, calculados às taxas de juros civis, desde 30 de Outubro de 2000 até à data da sentença e nos juros de mora que às mesmas taxas se venham vencer desde então e até integral pagamento; c) A fazer publicar a sentença na revista "DD" ou, caso este tenha deixado de se publicar, num dos jornais de maior circulação de Lisboa, sob a forma de extracto que inclua os factos provados sob os ns.º 1, 3 e 17 a partir de "na entrevista" até "expressões" e de "As concepções" até "agredi-los", 18 e 19, a identidade das partes e o dispositivo, devendo essa publicação ocorrer nos cinco dias posteriores ao trânsito em julgado da mesma decisão; e absolvendo o A. do pedido de condenação como litigante de má-fé.

    Desta sentença vieram ambas as partes apelar para a Relação, a qual julgou procedente a apelação da R. - e prejudicada a apelação do A. - e, em consequência, revogou a decisão apelada, julgando improcedente a acção, por não provada, com a consequente absolvição da R. do pedido.

    Inconformado recorre, agora de revista, o Autor Dr. AA, tendo pedido que se revogue o decidido determinando-se a baixa do processo, nos termos do artigo 682º nº 2 (anterior artigo 729º nº 2 ou julgando desde já procedente a acção, condenando-se já a Ré em ajustada indemnização.

    Foram para tanto apresentadas as seguintes, Conclusões.

    1) A contrapor, entre outras, à afirmação da Ré, de que "As concepções do juiz de ... têm por base uma ideia antiga de que os filhos são propriedade dos pais tendo estes, inclusive, (…) o direito de deles abusar sexualmente", carecia o A. de alegar factos tendentes a demonstrar a falsidade, a gratuitidade e gravidade desta imputação, bem como era necessário, ainda, demonstrar o tipo de culpa da actuação da Ré - dolo ou negligência - e a respectiva graduação; 2) Tanto mais que a Ré, (além de pedir a condenação do A. como litigante de má fé!) desde a sua contestação, vem, e continua, a defender textualmente que as imputações que fez correspondem à verdade e foram justas, e no ponto 32 do seu recurso, afirma textualmente que "o recorrido actuou (e actua) no mundo da justiça, em matéria tão sensível como os direitos da criança, de uma forma que justifica plenamente as expressões utilizadas pela recorrente… "; 3) Para aqueles efeitos, e face às imputações que lhe foram feitas, incluindo a de que era um Juiz medíocre, o aqui A. alegou factos, e juntou as respectivas provas, no sentido, de evidenciar que as suas concepções e capacidades eram diametralmente opostas às pela Ré propaladas; 4) E assim, concretamente, ao abrigo do princípio do dispositivo, o A., elaborou uma petição onde, além do mais, nos arts.º 3°, 6°, 15°, 16°, 17°, 19° e 119°, alegou factos exclusivamente potenciados por aquelas afirmações, nomeadamente o resultado de inspecções judiciais, homologado pelo CSM, incluindo uma inspecção extraordinária aos processos de adopção, bem como alegou a opinião de uma recorrente num dos processos e, ainda, a confirmação de pelo menos três das suas sentenças pelo Tribunal da Relação do Porto, citando um pertinente excerto de um desses acórdãos; 5) De todos esses factos, foram juntas as respectivas certidões, e não houve deles a menor impugnação, ficando pela sua descrita pertinência e efeito probatório, como elementos indispensáveis para o julgamento da causa, aspecto que o A. desde sempre evidenciou nos momentos próprios, incluindo no recurso para o Douto Tribunal da Relação; 6) Porém, as instâncias, cada uma à sua maneira, e ambas, como se vai ver, sem fundamentos credíveis, apagaram aqueles factos dos autos, denegando ao A. o conhecimento devido dos factos que alegou e das suas legais pretensões, nomeadamente o Tribunal da Relação, com o argumento de que "a matéria que o A./Apelante pretende ver contemplada na decisão não se apresenta - salvo o devido respeito - como verdadeiros factos principais, capazes de superar a dimensão característica dos factos meramente instrumentais, visto o que na essência está em jogo nesta acção indemnizatória" .

    7) Ora, considerando o teor das afirmações da Ré e a necessária alegação e demonstração da sua falsidade, gratuitidade e gravidade, são factos estruturantes e essencialíssimos, além de outros: o Venerando Inspector afirmar_ - Que as decisões do Autor revelam claramente uma profunda ponderação dos interesses em jogo, sempre no pressuposto (que clara e corajosamente assume) de que os interesses de cada menor em concreto estão acima de qualquer outro valor moral, social ou económico", a contrapor à classificação do Autor, pela Ré, que sem qualquer rebuço, perante milhões de pessoas, afirma que o Dr. AA, em vez de as proteger, vitima as crianças com as suas decisões; - Que o Autor é dotado de alto sentido de Justiça, exercendo o seu cargo com independência e isenção…, ao contrário do que a Ré propagou, que o A. é...

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