Acórdão nº 13729/07.3TBVNG.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução26 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. No processo de expropriação por utilidade pública, em que figuram como expropriante AA, Sociedade para o Desenvolvimento Programa Pólis em …, SA, e como expropriado BB, relativo a uma parcela desanexada de um prédio situado na Freguesia do …, Vila Nova de Gaia, identificado nos autos, a expropriante recorreu para o Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia da decisão arbitral (fls. 16) que fixou o montante de € 144.963,00 para a indemnização devida ao expropriado, em aplicação do critério fixado no nº 4 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 314/2000, de 2 de Dezembro (média aritmética dos dois valores mais próximos, uma vez que não foi possível encontrar um valor maioritário entre os árbitros).

Pela sentença de fls. 569, o montante foi fixado € 18.179,00, “actualizável de acordo com a evolução do índice de preços ao consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo INE, no período compreendido entre 21 de Julho de 2006 e a data da presente decisão, incidindo tal actualização sobre a quantia total até 6.09.08 e sobre a quantia de € 3 601,38 a partir dessa data”. Este valor foi encontrado em consequência da qualificação da parcela como solo apto para outros fins e, portanto, da aplicação dos critérios definidos pelo artigo 27º Código das Expropriações.

Em síntese, considerou-se na sentença: – que “a parcela preenche os requisitos previstos no artº 25º, nº. 2, al. a) e b) do Código das Expropriações”. Trata-se dos requisitos necessários para que um solo possa ser qualificado como “apto para construção”, permitindo que a indemnização seja calculada de acordo com os critérios definidos pelo artigo 26º; – que, no entanto, encontrando-se a parcela expropriada totalmente incluída “em área de salvaguarda RAN/REN, sendo 474 m² inserida em zona RAN e 822 m² em RAN/REN” (ponto 14 dos factos provados), “a sua aptidão construtiva” encontrava-se “à data da DUP, fortemente condicionada”, não podendo ser classificada como solo apto para construção, por a tanto se opor o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 6/2011, de 4 de Julho de 2011 (www.dgsi.pt, proc. nº 1839/06.9TBMTS); – que este Acórdão de Uniformização não impede a aplicação analógica do regime previsto no nº 12 do artigo 26º do Código das Expropriações, directamente aplicável aos “solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor (…)”; – que, quando os solos se encontram inseridos em áreas RAN ou REN, as limitações à respectiva aptidão edificativa “não são decorrentes meramente do plano de ordenamento do território – instrumento administrativo por natureza mutável – mas da lei, constituindo as restrições nela impostas à utilização de tais terrenos mera consequência da vinculação situacional da propriedade, encaradas, por isso, como meramente conformadoras do conteúdo do direito de propriedade, situação distinta das expressamente previstas no referido nº 12 do artº 26º”; – que, no caso, “se não verificam as razões para a aplicação, por via analógica ou extensiva, do disposto no artº 26º, nº 12, ao cálculo da parcela expropriada, toda ela inserida em RAN e RAN/REN” não ocorrendo “nenhum dos casos excepcionais (…) que eventualmente justificariam a extensão a essas áreas deste regime, nem se verifica a situação a que se reporta o AC do TC 496/07 (expropriação da parcela visa a construção de prédios urbanos)”.

  1. O expropriado recorreu para o Tribunal da Relação do Porto; mas o acórdão de fls. 666 negou provimento ao recurso, observando que a orientação seguida na sentença é a “que, a nosso ver, melhor observa os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, equilibrando a posição do expropriado com os proprietários de prédios em igual situação (integrados na RAN ou na REN) mas não abrangidos por expropriação, já que o valor de mercado destes, à data da declaração de utilidade, que é a que importa considerar (artº 23º, nº1, do Código das Expropriações), não poderá olvidar a impossibilidade legal de neles se construir, ou seja, a ausência de aptidão construtiva”.

    Novamente recorreu o expropriado, agora para o Supremo Tribunal de Justiça, com base na alínea d) do nº. 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil, invocando contradição com o acórdão deste Supremo Tribunal de 17 de Outubro de 2013 (www.dgsi.pt,m proc. nº 3431/07.1TBMTS.P1.S1 e com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Outubro de 2013 (www.dgsi.pt, proc. nº 10033/06.8TBMTS.P1).

    Como se recordou no acórdão deste Supremo Tribunal de 18 de Setembro de 2014 (www.dgsi.pt, proc. nº 1852/12.7TBLLE-C.E1.S1), a al. d) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil “veio reintroduzir no Código de Processo Civil um caso especial de admissibilidade de revista, que tinha sido eliminado pela reforma de 2007 (Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto), admitindo a revista quando a razão da inadmissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça for estranha à alçada e o acórdão recorrido contrariar outro acórdão da Relação, proferido “no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito (…), salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”. Regra semelhante constava do nº 4 do artigo 678º do Código de Processo Civil anterior a essa reforma, preceito que, por sua vez, viera substituir o recurso para o Tribunal Pleno previsto no artigo 764º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à reforma de 1994/1995. Tem como justificação o objectivo de garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das Relações, em matérias que nunca podem vir a ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, porque, independentemente do valor das causas a que respeitem, nunca se alcança o Supremo Tribunal de Justiça, por nunca ser admissível o recurso de revista. É o que sucede, por exemplo, com as decisões proferidas em procedimentos cautelares (cfr. artigo 370º, nº 2 do Código de Processo Civil) (…)”.

    Não é, pois, de estranhar que apenas contemple a hipótese de contradição entre acórdãos das Relações; o que desde já significa que não releva, para efeitos de admissibilidade do recurso de revista, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 2013.

    Todavia, e confrontado o acórdão recorrido com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de Outubro de 2013, proc. nº 10033/96.8TBMTS.P1, considera-se verificada uma contradição susceptível de permitir o recurso de revista, de acordo com o disposto na al. d) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil, no que respeita à possibilidade de calcular nos termos do nº 12 do artigo 26º do Código das Expropriações de 1999, por interpretação extensiva ou por aplicação analógica deste preceito, a indemnização devida por expropriação, para implantação de vias de comunicação, de parcela de terreno integrada em zona RAN ou REN, adquirida antes da integração e que preenche os requisitos previstos nas als. a) e b) do nº 2 do artigo 25º do mesmo Código.

    O recurso é, portanto, admissível, nos termos previstos da al. d) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil.

  2. Nas alegações de recurso, após sustentar a admissibilidade do recurso, o recorrente formulou as seguintes conclusões: “ (…) G. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao classificar o solo em apreço como solo apto para outras fins e ao fixar o valor indemnizatório segundo os critérios constantes do art. 27 do CE, por violação do princípio da justa indemnização e do princípio da igualdade, consagrados no art. 62 e 13 da CRP e no art. 23 do CE.

    H. Com efeito, rejeita-se a tese acolhida pela decisão recorrida que deverá ser substituída, segundo a qual a simples classificação dos terrenos como RAN e REN afasta a aplicação analógica ou extensiva do art. 26-12 CE, apenas e só, porque a limitações à capacidade edificativa, nestes casos, resulta da lei e não do PDM.

    I. Por muito sedutor que possa parecer tal raciocínio – porque impõe ou estabelece um critério mais ou menos uniforme e abstracto, aplicável a um sem n.º de situações idênticas – não podemos escamotear que este tem na sua base o seguinte pensamento: a ratio da norma em apreço é apenas e tão só abolir as manipulações urbanísticas, ainda que não intencionais.

    J. Esquecendo-se que a ratio primordial é a salvaguarda dos princípios constitucionais que a norma em apreço procura defender: a Justa Indemnização através da observância do Princípio da Igualdade, entre expropriados e vizinhos não expropriados através da criação de um terceiro critério, um critério alternativo à dicotomia dos critérios de cálculo de indemnização segundo a classificação dos solos: apto para construção ou apto para outros fins – cfr. a este propósito José Vieira da Fonseca e o Acórdão 239/2007 do Tribunal Constitucional.

    K. E, em segundo lugar, ainda que a ratio da norma fosse apenas destinada a prevenir e combater eventuais manipulações urbanísticas – que não é! –, a verdade é que a inserção de uma determinada zona em RAN ou REN e a aplicação do seu regime legal decorre do plano administrativo, do PDM e não dos diplomas que contemplam o regime aplicável às parcelas inseridas em RAN ou REN – neste sentido ver o acórdão fundamento proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no dia 17.10.2013.

    L. Acresce que, a impossibilidade legal de construção no terreno não pode ser duplamente valorada, para afastar dois critérios de atribuição da indemnização, quando o critério do art. 26, n.º 12 visa colmatar as insuficiências de uma indemnização atribuída segundo o critério do art. 27.° (solo apto para outros fins) e os excessos de indemnização atribuída segundo o critério do art. 26.°, nºs 1 a 11 (solo apto para construção).

    M. A aplicação do critério...

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