Acórdão nº 3762/12.9TBCSC-B.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelJOÃO TRINDADE
Data da Resolução05 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça : 1 - Na execução movida em 2012-11-07 por Banco AA, S.A.

, veio BB, na qualidade de cônjuge do executado CC, apresentar oposição à penhora, pedindo a procedência e em consequência seja ordenado o levantamento da penhora que recaiu sobre o imóvel que constitui a casa de morada de família da oponente e caso assim não se entenda, sempre deverá ser reconhecido, para todos os efeitos legais, o direito de habitação (direito real de gozo) vitalício que a oponente detém sobre o imóvel penhorado, restringindo-se a penhora efectuada à nua propriedade do imóvel.

7 - É desta decisão que em 2014-07-11 - foi interposta revista com as seguintes conclusões: A. Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 03.06.2014, que julgou improcedente a apelação tendo considerado que: I - Não existe impenhorabilidade relativamente à casa de morada de família, o que igualmente não afronta qualquer imperativo constitucional.

II - Não há fundamento legal para proceder à redução da penhora concretamente efectuada, limitando-a à nua propriedade do imóvel pertencente ao cônjuge do executado.

III - Não há que reconhecer qualquer ónus sobre o prédio penhorado, correspondente ao direito de habitação da recorrente sobre a casa de morada de família na medida das suas necessidades." B. A Recorrente não se conforma com esta decisão, por entender que: (i) por um lado, viola lei substantiva, através de errada interpretação dos artigos 1673.°, 1484.°, 1485.°, 1486.°, 1487.°e 1490.° do Código Civil, (ii) por outro lado, viola direitos fundamentais da Recorrente e, finalmente, (iii) encontra-se em contradição com outros Acórdãos proferidos pela Relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Vejamos, C. Entende a Recorrente que se verificam todas as situações elencadas no n.° 1 do artigo 672.° do Código de Processo Civil, sendo, portanto, todas elas, fundamento do presente recurso de revista excepcional.

  1. Ora, no recurso sub judice estão em causa questões de manifesta complexidade, de difícil resolução e para cuja subsunção jurídica se impõe, pela sua relevância, um detalhado exercício de exegese e interpretação claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

  2. Neste sentido, a questão fundamental que aqui se discute é a de saber se o direito constituído a favor da Recorrente, por acordo celebrado na vigência do matrimónio entre a Recorrente e o seu Marido Executado que teve por objecto a utilização do imóvel penhorado e a fixação no mesmo da casa de morada de família de ambos, destinando-se esta à habitação da Recorrente tendo em conta as suas necessidades e da sua família, é um verdadeiro e próprio direito real de habitação, nos termos e para os efeitos dos artigos 1673.°,1484.°, 1485.°, 1486.°, 1487.° e 1490.° do Código Civil. E, nessa sequência, saber se o número 2 do artigo 1682.°-A do Código Civil e a alínea a) do artigo 784.° do Código de Processo Civil limitam, de alguma forma, a extensão com que foi realizada a penhora da casa de morada de família da Recorrente.

  3. Em causa está uma questão largamente debatida na doutrina e na jurisprudência, de manifesta complexidade, e sendo certo que as opiniões que sobre esta matéria têm sido veiculadas não são coincidentes. Com efeito, repare-se que contrariamente ao Acórdão aqui recorrido, sufragam a tese da Recorrente os seguintes acórdãos: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 08.05.2013, que concluiu que: I - O direito constituído por acordo feito no processo de divórcio por mútuo consentimento entre a ré e o seu ex-marido que teve por objecto a utilização da casa de morada de família, destinando esta à habitação da ré tendo em conta (e por medida) as suas necessidades e da sua família ao tempo em que o divórcio foi decretado, é um verdadeiro e próprio direito real de habitação (arts. 1484°, 1485.° e 1490.° CC).

    Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 13.03.1997, no qual se considerou que: "Porque, assim é, e porque o princípio geral é o referido no artigo 601° do Código Civil, já acima transcrito, segundo o qual todos os bens do devedor respondem pelo cumprimento da obrigação, a restrição resultante da aplicação do regime do n.° 2 do artigo 1682ºA deve limitar-se ao necessário para a defesa daquele direito de habitação. (...) 11.

    Assim, nada impede, pois, a manutenção da penhora reduzida à raiz da propriedade ou, por outras palavras a penhora com o reconhecimento do referido ónus. Assim se obtém uma equitativa conciliação de interesses coincidentes." Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 31.10,1991, no qual se considerou que: "Como casa de família o bem está na posse efectiva dos dois cônjuges, que ê o conteúdo material, prático, efectivo e concreto do disposto nos artigos 1682.°-A e 1682.°-B do Código Civil.

    É que o cônjuge não vive aí por favor de quem quer que seja, nem em nome de outrem.

    Aí vive por direito próprio, derivado do matrimónio, como se pode ver através dos artigos 1671.° a 1674.° do Código Civii e ainda dos seus artigos 2003.° e 2195.° como conteúdo do direito a alimentos.

    O cônjuge nessa casa se manterá como todo seu integral direito, (...)." G. Também ao nível da doutrina, a resolução da questão aqui em apreço não é de todo pacífica, entre muito outros, refere Marco Filipe Carvalho Gonçalves, defendendo a posição da Recorrente, que: "De igual maneira, se o imóvel penhorado em acção executiva movida contra um dos cônjuges constituir a casa de morada do seu cônjuge, este pode deduzir embargos de terceiro com vista à protecção do seu direito de habitação que onera esse imóvel quando não tenha sido citado nos termos e para os efeitos do disposto nos arts 825.° e 864.°-A do CPC. Ora, tal direito fica devidamente protegido e salvaguardado se for reconhecido ao cônjuge do executado o direito de permanecer no imóvel penhorado enquanto precisar dele para morar.

    Na verdade, do art. 1682°-A do CC emerge um verdadeiro direito de habitação a favor do cônjuge do executado, pelo que nada obsta à manutenção da penhora que reconheça a existência desse ónus, ou seja, desde que seja reduzida à propriedade da raiz ou à nua propriedade, garantindo-se, assim, uma conciliação justa e equitativa entre os interesses conflituantes/' H. Face ao exposto, e porque aqui se pretende, de uma vez por todas, obter um consenso que sirva de orientação na interpretação do disposto nos artigos 1673.°, 1484.°, 1485.°, 1486.°, 1487.° e 1490.° do Código Civil e na alínea a) do artigo 784.° do Código de Processo Civil, entende a Recorrente que o presente recurso de revista excepcional se funda, desde logo, na alínea a) do n.° 1 do artigo 672.° do Código de Processo Civil, motivo pelo qual deverá ser admitido o presente recurso.

    I. Por sua vez, inequívoco é também que no presente recurso estão em causa interesses de particular relevância social, porquanto a questão fundamental que aqui se coloca prende-se com a circunstância de a Recorrente Oponente e o seu cônjuge Executado: (i) terem 66 e 75 anos de idade, respectivamente; (ii) sofrerem ambos de doenças graves que aliadas à sua idade os impossibilitam de obter meios de subsistência; (iii) viverem os dois com parcos rendimentos, resultantes exclusivamente da pensão do Executado no valor de cerca €650,17 mensais, (iv) não disporem de qualquer outro imóvel, à excepção do penhorado nos presentes autos, (v) nem terem possibilidades de arrendar outro imóvel com vista a garantirem o seu direito à habitação.

  4. Mas principalmente, o que está em causa são os "Efeitos do casamento quanto às pessoas e aos bens dos cônjuges" previstos no Código Civil, nomeadamente a eficácia do direito à habitação constituído a favor dos cônjuges sobre a "Residência de família".

  5. Ora, um Estado de Direito democrático não pode permitir tamanhas ofensas aos valores sócio-culturais que fundam a nossa democracia, i.e., não pode permitir que os efeitos de uma relação jurídica estabelecida entre duas partes (Executado e Recorrida, AA) venha a ter efeitos sobre uma terceira parte (a aqui Recorrente e cônjuge do Executado), atentando contra os seus direitos fundamentais de habitação, subsistência e sobrevivência.

    L A verdade é que a particular situação social da Recorrente não foi tida em conta pelo Tribunal a quo, não tendo o mesmo sequer reconhecido o direito de habitação da Recorrente sobre a sua casa de morada de família.

  6. Pelo que, se impõe por motivos de particular relevância social que o presente recurso seja admitido, por se encontrar verificado, também, o pressuposto da alínea b), do n.° 1 do artigo 672.° do Código de Processo Civil.

  7. Deve o presente recurso ser ainda admitido, porquanto o Acórdão recorrido se encontra em oposição com outros proferidos pela Relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, como acima vimos, não tendo sido ainda fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça jurisprudência conforme.

  8. Nomeadamente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 13.03.1997 (BMJ, n.° 465.°, pág. 498) no qual se considerou que: "(...) Emerge, pois, dos referidos dispositivos legais combinados o reconhecimento de um vero direito de uso e habitação, nos termos do artigo 1484.° do Código Civil.

    1. Assim, nada impede, pois, a manutenção da penhora reduzida à raiz da propriedade ou, por outras palavras a penhora com o reconhecimento do referido ónus. Assim se obtém uma equitativa conciliação de...

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