Acórdão nº 2007/09.3TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução05 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA, representada por curador especial, intentou acção de condenação, tramitada na forma ordinária, pedindo a condenação de BB - Companhia de Seguros, S.A. no pagamento de indemnização no montante de €700.000,00 e respectivos juros moratórios Como fundamento da acção, alegou que, em consequência do acidente de viação em causa nestes autos, sofreu TCE, que a deixou em estado de coma vegetativo, em consequência do despiste do veículo de matrícula ...-...-RC, em que seguia como passageira, quando conduzido por CC, não habilitado com carta de condução. Invocando ter sido transferida a responsabilidade pela circulação do veículo ...-...-RC, por contrato titulado pela apólice nº …, para a companhia de seguros demandada, a esta foi imputada a responsabilidade civil decorrente do referido acidente de viação.

A seguradora demandada contestou, alegando a inexistência de contrato de seguro válido e eficaz à data do acidente. Assim, conclui, face ao estipulado na cl.ª 4.ª, al. g) do seguro de ocupantes, ocorreria uma causa de exclusão da responsabilidade para si transferida, invocando que a tomadora do seguro usou de dolo, ao indicar falsamente outra pessoa como condutor habitual da viatura, o que consubstanciaria invalidade do contrato de seguro, atento o estipulado na cl.ª 11.º, das condições gerais da apólice de seguro, em conjugação com o disposto no art. 429º do Cód. Com. No mais, impugnou a factualidade alegada pela autora.

A A. requereu a intervenção principal provocada do FGA, da proprietária do veículo causador do acidente, DD, e da herança jacente, aberta por óbito do condutor que conduzia tal viatura sem que fosse titular de licença de condução – representada pelos pais deste, EE e FF.

O FGA contestou, invocando que o referido contrato de seguro é válido e eficaz ou, caso assim se não entenda, para a hipótese de se considerar que as referidas declarações prestadas pelo tomador influíram decisivamente na decisão de contratar, entende que tal facto não poderá ser oponível à lesada.

Entre a A. e os demandados seguradora GG – Companhia de Seguros, S.A., anteriormente denominada de BB – Companhia de Seguros, SA, e FGA foi celebrada transacção, mos termos constantes do doc. de fls 749, subsequentemente homologada, estabelecendo em €300.000,00 o montante necessário para ressarcimento dos danos da A., acrescido das respectivas despesas de tratamento até ao limite de €190.000,00 – assumindo imediatamente o FGA o pagamento de tais quantias, face ao litígio acerca da validade do contrato de seguro, ficando sub-rogado na titularidade do direito indemnizatório e requerendo a sua habilitação como A. para prosseguimento da causa relativamente ao apuramento da responsabilidade da R. GG (que sucedeu à primitiva R.), à qual caberá reembolsar o FGA de todos os pagamentos por este efectuados se se vier a julgar-se válido o contrato de seguro– permanecendo ainda na causa os intervenientes passivos (proprietário do veículo e herança jacente do condutor não habilitado) para reconhecimento do eventual direito de regresso ou reembolso a que possam estar vinculados no confronto da seguradora ou do FGA.

Admitida a sub-rogação do FGA, consequente à satisfação provisória da indemnização, e deferida a respectiva habilitação, foi proferida sentença do seguinte teor: “Nos termos expostos, julgo a presente acção totalmente procedente, por provada, quanto ao pedido formulado pelo Fundo de Garantia Automóvel, subrogado na posição da primitiva A., e, como tal, habilitado, nessa posição, a prosseguir com os presentes autos, e, em consequência, condeno a Ré, GG - Companhia de Seguros, S.A., a reembolsar o referido FGA dos pagamentos por este efectuados à lesada, AA, e à instituição de acolhimento e tratamento, mais substituindo o FGA nos pagamentos em falta até ao limite do valor de 190.000,00€.

  1. Inconformada com tal decisão, dela apelou a ré /seguradora, tendo a Relação concedido provimento ao recurso – começando o acórdão recorrido por fixar o seguinte quadro factual 1. A A. nasceu a 12.05.73 – doc. de fls. 22, aqui dado por reproduzido – al. A), da matéria de facto assente.

  2. O condutor do veículo RC não estava habilitado com carta de condução –doc. de fls. 34, do p.p. – al. B), da matéria de facto assente.

  3. Vindo, em consequência do acidente sofrido, a falecer – al. C), da matéria de facto assente.

  4. Para a Ré foi transferida a responsabilidade do veículo ...-...-RC, por contrato titulado pela apólice nº …– doc. de fls. 83, aqui dado por integralmente reproduzido – al. D), da matéria de facto assente.

  5. No âmbito desse seguro, na al. g), do seu art. 4.º, consta que ‘são sempre excluídos…os acidentes decorrentes de condução de veículo por pessoa não legalmente habilitada…’ – al. E), da matéria de facto assente.

  6. Por sua vez, do art. 10.º, n.º 3, al. g), do referido seguro, consta que se encontram excluídas as garantias relativas ao veículo e seus ocupantes relativas a ‘sinistros ocorridos quando o veículo for conduzido por outra pessoa não habilitada…’ – al. F), da matéria de facto assente.

  7. No dia 27/10/08, cerca das 6,45 horas, na Praça … e Rua …, desta cidade, ocorreu um acidente de viação – art. 1.º, da base instrutória.

  8. Tal acidente verificou-se por despiste do veículo de matrícula ...-...-RC – art. 2.º, da base instrutória.

  9. Como passageira do veículo RC circulava também a A. – art.3.º, da base instrutória.

  10. O veículo de matrícula RC circulava pela Praça … no sentido Norte/Sul – art. 4.º, da base instrutória.

  11. Tal veículo circulava animado de velocidade superior a 50 km/h – art. 5.º, da base instrutória.

  12. Pelo que, na Praça …, ao aproximar-se do nº de polícia 105, o condutor do veículo ...-...-RC, perdeu o controle do veículo – art. 6.º, da base instrutória.

  13. E em despiste, galgando o passeio, acabou por derrubar 2 postes de decoração natalícia, e embater em vários veículos estacionados naquela rua – art. 7.º, da base instrutória.

  14. Imobilizando-se o veículo RC após a passadeira existente na Rua de …, próximo do edifício com o nº 1151, e com a frente voltada para norte – art. 8.º, da base instrutória.

  15. Em consequência do acidente, a A. sofreu TCE – art. 9.º, da base instrutória.

  16. Está em estado vegetativo – art. 10.º, da base instrutória.

  17. Não fala – art. 11.º, da base instrutória.

  18. Não ouve – art. 12.º, da base instrutória.

  19. Não vê – art. 13.º, da base instrutória.

  20. É alimentada através de uma sonda – art. 14.º, da base instrutória.

  21. É totalmente dependente de terceira pessoa, quer para se alimentar, quer para efectuar a sua higiene pessoal e todas as demais tarefas da vida quotidiana – art. 15.º, da base instrutória.

  22. A A. foi transferida do Hospital Geral de Santo António, e integrada da rede de cuidados continuados – art. 16.º, da base instrutória.

  23. O que importará custos de internamento da A. em residência medicalizada para o resto da vida, despesas médicas, despesas de tratamentos vitalícios, fraldas e ajudas técnicas – art. 17.º da base instrutória.

  24. À data do acidente, a A. encontrava-se desempregada, tendo antes exercido a profissão de empregada doméstica, aos dias, retirando por mês cerca de € 450,00 – art. 18.º, da base instrutória.

  25. As lesões sofridas no acidente deixaram-na totalmente incapaz para qualquer profissão – art. 19.º, da base instrutória.

  26. E são irreversíveis para o resto da sua vida – art. 20.º, da base instrutória.

  27. A A. poderá vir a aperceber-se da sua incapacidade, estando a passar por momentos de grande sofrimento e sem esperança de um dia poder retomar quaisquer actividades – art. 21.º da base instrutória.

  28. Figurando como tomadora do seguro, DD, foi indicado como condutor do veículo ‘RC’, HH, sendo que o mesmo era habitualmente conduzido pelo seu genro, CC, seu detentor – art. 22.º, da base instrutória.

  29. Nem a tomadora, nem o referido CC, tinham carta de condução – art. 23.º, da base instrutória.

  30. A Ré nunca aceitaria celebrar o contrato de seguro aludido em D), da matéria de facto assente, se soubesse que o veículo ia ser conduzido por uma pessoa sem carta – art. 24.º, da base instrutória.

  31. A A. inicial, AA, sabia que o referido CC, condutor do ‘RC’ não tinha carta de condução e não se importava de ser transportada nessas condições – art. 25.º, da base instrutória.

  32. A zona onde o acidente ocorreu inicia-se no cruzamento com a Rua do … e termina na bifurcação da Praça do … com a Rua … e … – art. 26.º, da base instrutória.

  33. A circulação de trânsito processa-se em ambos os sentidos, separados por linha longitudinal contínua – art. 27.º, da base instrutória.

  34. Trata-se de uma zona comercial no interior da cidade, muito movimentada, embora com pouco movimento à hora em que o acidente ocorreu, com semáforos, bastantes passadeiras, marginada por casas de habitação, comerciais, escritórios e uma Igreja – art. 28.º, da base instrutória.

  35. O limite máximo de velocidade é de 50Km/h – art. 29.º, da base instrutória.

  36. No ‘RC’ seguia, no banco do passageiro da frente, a A. – art. 30.º, da base instrutória.

  37. Fazia bom tempo – art. 31.º, da base instrutória.

  38. Por sua vez, os passageiros ficaram feridos no interior do veículo RC, tendo sido necessário proceder ao seu desencarceramento – art. 41.º, da base instrutória.

  39. Desde o prédio com o n.º 105 até ao local de imobilização do RC vão 52,30m – art. 42.º, da base instrutória.

  40. Passando a apreciar as questões jurídicas controvertidas entre as partes, considerou a Relação no acórdão recorrido, antes de decretar a absolvição do pedido da seguradora demandada: Em termos de enquadramento normativo, importa, desde logo, esclarecer que, tendo o acidente em apreço ocorrido em Outubro de 2008, sendo a celebração do contrato do seguro, naturalmente, anterior ao acidente, o dito contrato não está submetido ao novo regime do contrato de seguro (LCS), resultante do Dec. Lei nº 72/2008, de 16/04, cuja entrada em vigor ocorreu em 01/01/2009, aplicando-se a todos os contratos de seguros celebrados a...

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