Acórdão nº 13/11.7TBPSR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Março de 2015
Magistrado Responsável | GARCIA CALEJO |
Data da Resolução | 12 de Março de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- O Banco AA SA, com sede na Av. …., nº …, em Lisboa, instaurou a presente acção com forma de processo ordinário contra BB, CC, DD e EE, residentes na Av. …, nº … em …, bem como contra a FF, Lda, com sede na mesma morada, pedindo que lhe seja reconhecido o direito à restituição dos bens, na medida do seu interesse, na execução pendente contra o R. BB, podendo, consequentemente, executá-lo no património dos RR. DD e EE quanto à fracção autónoma designada pela letra “A”, destinada a armazéns e actividade industrial, composta por stand, arrecadação, escritório, garagem e oficina, situada no rés-do-chão, integrada no prédio urbano sito na Avenida …, nº …, freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número … e inscrito a matriz sob o artigo …º e, no património da R. FF, Lda quanto ao urbano, destinado a habitação, sito na Rua …, nº .., freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, inscrita na matriz sob artigo …º e ainda praticar sobre eles todos os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei. Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que no exercício da sua actividade, celebrou com a GG – …, SA um contrato de abertura de crédito até ao montante máximo de € 150.000,00, que, por sua vez, lhe entregou uma livrança pela mesma subscrita e avalizada pelo R. BB. Em 17.05.2010, por via do incumprimento, a A. informou a GG – …, SA e o R. BB da denúncia do contrato e consequente preenchimento da livrança com o montante de € 160.769,47, sendo este informado de que o pagamento deveria ser efectuado até 27.05.2010, o que não foi feito. Em consequência, instaurou uma acção executiva para pagamento coercivo da quantia de € 183.410,47, que corre termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Sôr com o nº 585/10.3TBPSR, em que são executados a GG – …, SA e o ora R. BB, tendo como títulos executivos as duas livranças. No âmbito dessa execução, o A. localizou diversos imóveis da GG – …, SA, todos eles onerados, termos em que são diminutas as possibilidades de vir a ver-se ressarcido à custa dos mesmos por via da venda. Apurou ainda que os RR. BB e CC foram proprietários de dois prédios urbanos, que foram objecto de transmissão, por doação, aos RR. DD e EE, um em 27.12.2007 e outro em 23.02.2010, sendo que o primeiro foi ulteriormente vendido à R. FF. A GG não tem bens susceptíveis de penhora e os RR. DD e EE são únicos sócios e gerentes da R. sociedade, tendo perfeito conhecimento da situação devedora e de incumprimento da GG – …, SA e do R. BB, e tendo as negociações existentes, nas quais aqueles intervieram, o único escopo extinguirem/diminuírem significativamente as garantias patrimoniais do seu crédito. Conclui afirmando estarem reunidos os pressupostos da impugnação pauliana e termina pelo pedido acima referenciado.
Os RR. contestaram pugnando pela improcedência da acção.
Na réplica o A. manteve a tese da petição inicial.
O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.
Nesta julgou-se a acção procedente por provada e, em consequência, reconheceu-se ao A. Banco AA, SA o direito à restituição dos bens, na medida do seu interesse na execução pendente contra o R. BB, podendo, consequentemente, executá-lo no património dos RR. DD, EE quanto à fracção autónoma designada pela letra “A”, integrada no prédio urbano sito na Avenida …, nº …, freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial … sob o número … e inscrito a matriz sob o artigo … e no património da R. FF, Lda quanto ao urbano sito na Rua …, nº …, freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial … sob o nº …, inscrita na matriz sob artigo … e ainda de praticar sobre eles todos os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.
1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os RR. de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, tendo-se aí, por acórdão de 22-5-2014, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
1-3- Irresignados com este acórdão, dele recorreram os RR. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido pela Formação de Juízes a que alude o art. 672º nº 3 do Novo C.P.Civil, como revista excepcional (somente) quanto à questão de a procedência da impugnação pauliana se dever restringir a metade dos imóveis doados e já não a totalidade desses imóveis (como decidiu o acórdão recorrido), por ocorrer contradição de acórdãos, recurso com efeito devolutivo.
Os recorrentes alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões (quanto ao tema em apreciação): …11- Não procedendo as razões expostas, daí não decorre que os bens doados possam ficar por inteiro expostas à execução do recorrido credor. Se os bens continuassem na esfera patrimonial do recorrente BB e CC, esta poderia, na execução, requerer a separação da sua meação. Seria iníquo que, só porque os bens foram doados, se entendesse que os terceiros adquirentes perderam a possibilidade de acautelar o que àquela pertencia (metade) e poderia ter acautelado se continuasse dona deles.
12- Como se sabe não é pela procedência da pauliana, por si, que o credor pode atingir os bens alienados. Só através da execução eles podem ser atingidos. E tem-se por adquirido (como principio de direito e sentimento de justiça) que, limitado como está pelo âmbito subjectivo do título, não pode o credor perseguir mais bens do que aqueles que poderia perseguir se o devedor nada tivesse alienado.
13- Ora, a execução instaurada pelo Banco, referida na al. G), só corre contra o Réu BB, não contra sua mulher, a Ré CC.
14- A circunstância de os bens terem, pelas doações, deixado o património dos cônjuges e passado ao património de terceiros (os filhos quanto ao bens da al. M) e a FF quanto ao bem da al. J) não é impeditiva do respeito da meação do cônjuge não devedor.
15- Ao proceder à doação, tudo se passa como se cada cônjuge doasse metade de cada bem. Não diz isso a lei expressamente, mas resulta isso das regras da comunhão, com expressão, entre outros, no art. 2117° do C. Civil (que, em sede de colação, dispõe que "sendo a doação de bens comuns feita por ambos os cônjuges, conferir-se-á metade por morte de cada um" e do art. 956° nº 1 do mesmo código de que decorre que seriam nulas as doações se pudessem valer como feitas só pelo Réu BB.
16- Portanto, para evitar a iniquidade a que, com o devido respeito, leva a solução da douta sentença, haverá que declarar-se que só metade de cada bem pode ser atingida no património dos beneficiários das alienações ou deixar claro que, na execução, terá de ser dada a esses terceiros a faculdade de poderem requerer a separação da metade tida como recebida de D. CC.
17- Foi com essa solução que o acórdão do Supremo de 24-10-2002 acima referido iluminou a questão, ao apontar caminho que, respeitando o direito do credor quanto a metade dos bens, conceda aos terceiros adquirentes deles (sucessores no direito do cônjuge não devedor) a possibilidade de promover, na execução, a separação das meações, por forma a verem tutelada a quota parte nos bens doados recebida de quem nada devia. Também essa a solução decorrente do acórdão da Relação do Porto de 6-5-2004.
18- Não decidindo assim, o douto acórdão recorrido violou o disposto no art. 1696°, nº 1 do C. Civil, que afasta da responsabilidade por dívidas do outro cônjuge o património do cônjuge não devedor.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas, Senhores Conselheiros, doutamente suprirão: I- … II- … III- Deve, em qualquer caso, com relação aos bens a respeito dos quais a acção proceder, declarar-se que só metade de cada um dos bens doados pode ser atingida a favor do credor ou dar-se aos terceiros, actuais proprietários deles, a faculdade de pedirem eles próprios a separação da meação, nos termos em que a poderia pedir o cônjuge doador não devedor.
O recorrido contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: II- Fundamentação: 2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos (nesta revista excepcional) apenas a questão que ali foi enunciada (art. 639º nºs 1 e 2 do Novo C.P.Civil).
Nesta conformidade, será...
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