Acórdão nº 1775/11.7TBOLH.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução12 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

AA, BB e CC vieram propor esta acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra: DD e mulher EE, FF e mulher GG, HH e mulher II, JJ, por si e na qualidade de cabeça de casal por óbito de KK e ainda contra os demais herdeiros LL, KK, MM e NN.

Reivindicam o direito de propriedade sobre as fracções autónomas "A" e "F" do lote 1 e fracções "C","D" e "E" do lote 2", sitas em ..., na Urbanização da ..., pedindo também: a condenação dos RR na restituição dessas fracções; a acatar esse direito e a abster-se da prática de actos que o violem ou perturbem; a desocuparem e entregar-lhes essas fracções, no prazo de um mês, completamente livres e desocupadas de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições e ainda a pagarem a quantia mensal de € 400,00 para a fracção A, lote 1, € 370,00 (da fracção "F" do lote 1 e "C" do lote 2) € 385,00 (fracções "D" e "E" lote 2).

Como fundamento, invocam o direito de propriedade sobre as referidas fracções, sendo terceiros em relação aos contratos-promessa em que o direito de retenção invocado pelos réus se funda, não se verificando o circunstancialismo estabelecido no art. 754º do CC; invocam ainda a extinção da obrigação e do direito de retenção e, bem assim, a extinção do direito de retenção por prescrição a favor de terceiro adquirente al. b) do artigo 730º do CC.

Os RR contestaram, pugnando pela total improcedência da acção, alegando que os autores não têm, nem nunca tiveram, qualquer reserva de propriedade sobre os prédios urbanos onde se inserem as fracções autónomas que foram objecto do contrato-promessa de compra e venda entre os RR e a sociedade "OO, Lda". Por outro lado, nas datas de celebração desses contratos-promessa não estava inscrita no registo qualquer cláusula de reserva de propriedade. Entendem que a retenção é sobre o imóvel e acompanha-o ou sobre ele incide mesmo que este, por alguma forma, seja transmitido, inexistindo ainda por banda dos RR abuso de direito, já que estes retêm os imóveis com base em sentença. Acresce que, entre as causas de extinção da retenção não está a dissolução do devedor, não ocorrendo também qualquer prescrição a favor de terceiro adquirente.

No saneador, por entender que os autos continham todos os elementos necessários, o Sr. Juiz conheceu do mérito, proferindo sentença em que decidiu: Reconhecer o direito de propriedade dos AA; Absolver os RR do remanescente peticionado, por sobre as fracções exercerem um direito de retenção legítimo e eficaz (…).

Discordando desta decisão, os autores interpuseram recurso, que a Relação julgou improcedente.

Ainda inconformados, vieram os autores pedir revista excepcional que foi admitida.

Apresentaram as seguintes conclusões (expurgadas das que se referem especificamente aos pressupostos de admissibilidade da revista excepcional): 4ª) O acórdão recorrido declarou que o direito real máximo (direito de propriedade dos aqui Recorrentes) e/ou a reserva de propriedade sobre fracções autónomas, registados na competente Conservatória do Registo Predial (CRP) cede(m) perante os direitos menores em que se consubstanciam os alegados "direitos de retenção" dos Recorridos, mesmo não havendo reciprocidade de créditos entre os mesmos.

  1. ) Isso, apesar do direito dos Recorrente ter eficácia erga omnes e gozar das demais garantias registrais, uma vez que foram registados na competente CRPredial (cfr. arts. 42, 52, 62, 72, 82, 92 e 1042, todos do Cód. Reg. Predial e arts. 754º e ss do Cód. Civil); e 6ª) Dos alegados direitos de retenção dos Recorridos não gozarem de eficácia erga omnes, pois não foram registados e foram constituídos após o registo do direito dos Recorrentes, sendo que quando foram celebrados os contratos promessa, por mero documento particular sem reconhecimento notarial das assinaturas, já estava registada a reserva de propriedade a favor dos recorrentes, registo que se mantinha ao tempo do reconhecimento dos direitos de retenção.

  2. ) Em face das inscrições registrais a favor dos Recorrentes, presume-se legalmente serem titulares dos direitos respectivos (cfr. art. 7º do Cód. Reg. Pred.), até porque os recorridos não lograram ilidir tal presunção, incumbindo-lhes o ónus da prova (cfr. arts. 344º, nº 1, e 350º do CC).

  3. ) Ora a matéria inserta nas precedentes conclusões está comprovada pelos Factos Assentes vertidos no acórdão recorrido (…).

    l2ª) A menção "pendente de rectificação", datada de 6/3/1993, não deixa dúvidas de que se reporta à reserva de propriedade convencionada no contrato de permuta, sendo certo que o registo é público, podendo ser consultado por qualquer cidadão, inclusive os documentos arquivados que instruem os registos (cfr. art. l04º do Cod. de Reg. Predial), ditando as regras da experiência comum e o homem médio colocado perante tal menção que se dúvidas suscitassem tais menções, solicitaria informações à Conservatória.

  4. ) O averbamento registral subsequente clarificou que: a "rectificação pendente era para inserção de reserva de propriedade", por certo para abreviar os sucessivos pedidos de informação.

  5. ) É consabido que os pedidos de registos fundados em escrituras públicas, como in casu, são instruídos com certidão dessa escritura ficando a requisição (com as notas e despachos tidos por convenientes) e a escritura que titula o pedido arquivadas na Conservatória ao dispor de todos os cidadãos.

  6. ) Presentemente, o registo de aquisição das fracções a favor dos Recorrentes remonta a 29/8/1986, na sequência da resolução da permuta e do accionamento da reserva de propriedade em virtude de incumprimento da Sociedade OO. Facto que deveria e deve ser atendido, in extremis, à luz do princípio da actualidade (cfr. art. 611º do CPC).

  7. ) Incorrectamente o Acordão Recorrido não deu provimento às inconstitucionalidades arguidas pelos aqui Recorrentes de que a interpretação dos arts. 442º, nº 2, 755º, al. f) e 759º do Cód. Civil no sentido da prevalência do direito de retenção, emergente de contrato promessa, sobre o direito de propriedade sem que se verifique reciprocidade de créditos entre os respectivos titulares, colide frontalmente com os princípios da legalidade, jurisdicionalidade e protecção da certeza e segurança jurídica e com a garantia da defesa da propriedade privada, plasmados nos arts. 2º, 13º, 60º, 65º e 62º da nossa Lei fundamental.

  8. ) Igualmente, a posição acolhida no acórdão revidendo colide com os mais elementares princípios que presidem ao nosso registo predial: os princípios da tutela e eficácia dos actos registados (igualando os actos não registados aos actos registados); o princípio da oponibilidade erga omnes dos actos registados, o princípio da prioridade do registo e as presunções derivadas do registo, consignados nos arts. 4º, 5º, 6º, 7º e 9º, todos do Cód. de Registo Predial e consequentemente também não é consentânea com o disposto nos citados preceitos constitucionais.

  9. ) Interpretação consentânea com o consignado nos aludidos normativos legais, civilistas e registrais, e com o plasmado nos referidos preceitos constitucionais deverá ser no sentido de que o direito de propriedade de titular de direito de propriedade ou mesmo de reserva de propriedade, que não tem reciprocidade de créditos com o titular do direito de retenção, sobre os mesmos imóveis, prevalece sobre este.

  10. ) Também, a actuação dos Recorridos consubstancia um abuso de Direito à luz do previsto no art. 334º do Cód. Civil, nomeadamente porque tem mais de vinte anos que gozam das fracções, apesar de bem saberem que a propriedade e/ou reserva de propriedade nunca pertenceu à sociedade OO que lhes prometeu vender as mesmas, mas sim aos aqui recorrentes, sem suportarem as despesas inerentes (IMIs, despesas de condomínios, taxas de esgotos, etc), tendo vindo as mesmas a ser suportadas pelos aqui Recorrentes, tendo rentabilizado os recorridos os andares dando de arrendamento os mesmos, como é perceptível ao homem médio perante a situação, assim há muito que se ressarciram dos valores pagos a título de sinal.

  11. ) Posto isto, andou mal o Tribunal da Relação de Évora ao entender que não se verifica in casu o instituto do abuso de Direito, sendo que se trata de matéria relevante em sede de excepcionalidade da Revista.

    Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a Douta decisão recorrida, e, em consequência, ser decretada a prevalência do direito de propriedade dos Recorrentes sobre os direitos de retenção dos Recorridos e dado provimento ao mais peticionado.

    Não foram apresentadas contra-alegações.

    Após os vistos legais, cumpre decidir II.

    Questões a resolver: - Prevalência do direito de retenção sobre o direito de propriedade; eficácia e oponibilidade da cláusula de reserva da propriedade; - Violação de princípios do registo predial: da tutela e eficácia dos actos registados, da oponibilidade erga omnes dos actos registados, da prioridade do registo e as presunções derivadas do registo; - Abuso do direito; - Inconstitucionalidade das normas dos arts. 442º nº 2, 755º nº 1 f) e 759º do CC, quando interpretadas no sentido da prevalência do direito de retenção sobre o direito de propriedade, por colidir com os princípios das legalidade, da jurisdicionalidade, da protecção da certeza e segurança jurídicas e com a garantia da defesa da propriedade privada – arts. 2º, 13º, 60º, 62º e 65º da CRP.

    III.

    Vêm provados os...

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