Acórdão nº 1504/12.8PHLRS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução25 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA e BB arguidos nos presentes autos vieram interpor recurso da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que, no segmento penal, confirmou a decisão proferida em sede de primeira instância que os condenou, respectivamente, nas penas conjuntas de 17 anos e nove meses e 17 anos de prisão: -Por co-autoria material, na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 26.º, 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas e) e j), ambos do Código Penal, por referência ao n.º 3 do artigo 86.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, sendo que, em relação aos arguidos BB e AA, ainda com a pena acessória de expulsão prevista no artigo 151.º, n.ºs 1, 2 e 3 da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho; - Em relação ao arguido AA, também pela prática, em concurso efectivo, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos art.ºs 2.º, n.º 1, alínea s) e art. 3.º, n.ºs 1 e 5, alínea c), 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.

Confirmando a decisão recorrida no que toca àquelas condenações refere ainda a decisão recorrida que: - Em alterar a matéria de facto constante do ponto 24 tido por provado, que passará a assumir a seguinte redacção: 24. Em resultado do tiro desferido pelo arguido AA, CC sofreu ferida perfuro-contundente na região nasal, naso-labial e mandibular com solução de continuidade de forma oval/circular, de bordos irregulares, invertidos, medindo cerca de 5,5 cm X 5 cm, com ausência de pele, tecidos moles e tecido ósseo da base e corpo da pirâmide nasal, do lábio superior e sulco nasogeniano, bem como com exposição de tecido ósseo fragmentado, de músculo lacerado e de tecido celular subcutâneo.

- Não considerar verificada a circunstância qualificativa do homicídio, decorrente da al. e) do n.º 2, do art. 132.º do Cód. Penal.

As razões de discordância do presente recurso encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que: AA 1. O tribunal a quo, no caminho que percorreu para resolver a contradição no texto do acórdão do tribunal colectivo, data venia, não respeitou o princípio estruturante do Direito Penal da busca da verdade material. Ao acertar o texto para superar a contradição que detectou, afastou-se do caminho iniciado pelo tribunal colectivo que, munido do imediatismo e da oralidade, reconheceu que nunca poderia imputar ao arguido AA, a autoria do disparo que foi fatal para a vida de CC.

  1. As declarações da co-arguida DD, por não serem credíveis e porque não foram corroboradas por outro meio de prova, não poderão ser tidas como válidas, por força do estabelecido no n.º 4, do art.º 345º e alínea a), do n.º 1, do art. 61º do CPP.

  2. O acórdão de que se recorre ofende, com toda a vénia, o art. 32° da Constituição da República Portuguesa, bem como, os arts. 47° e 48° da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, o art. 14° do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o art. 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, porque inverte o ónus da prova em Direito Penal.

  3. A decisão recorrida, porque autonomiza como crime do art. 86.°, n.º 1, aI. c), da lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, o uso da arma e ao mesmo tempo, utiliza o n.º 3, do art. 86°, da lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, como agravante do crime de homicídio qualificado, ofende o nº 5, do art. 29° da Constituição da República Portuguesa.

  4. Atendendo aos factos dados como provados, pelo tribunal a quo, no comportamento global, o sentido de ilícito do homicídio é absolutamente dominante e é subsidiário o sentido de ilícito da utilização da arma proibida. Existe «unidade de sentido social do acontecimento ilícito global», pois o que o arguido pretendeu foi matar a vítima, não sendo o uso de arma proibida mais do que, o processo de que se serviu para atingir o resultado almejado. Pelo que, por esta via, não deveria o recorrente ter sido condenado por uso de arma ilícita.

    Por seu turno refere BB que 1. Para resolver a contradição no texto do acórdão do tribunal coletivo, o tribunal ad quo, com o devido respeito, não atentou ao princípio estruturante do direito penal que é o da busca da verdade material. Acertou formalmente o texto do acórdão mas afastou-se dos factos que o tribunal colectivo tinha identificado e que eram impeditivos de conhcer quem terá feito o disparo fatal.

  5. As declarações da co-arguida DD, além de não credíveis, não foram corroboradas por outro meio de prova, pelo que não poderão ser tidas como válidas, por força do estabelecido no n.º 4 do art.º 345°.

  6. O acórdão de que se recorre, "data maxima venia", ofende a Constituição da República Portuguesa, os arts. 47° e 48° da Carta de Direitos fundamentais da União Europeia, o art.14° do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o art. 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem porque inverte o ónus da prova num julgamento criminal.

  7. A decisão recorrida, ao agravar através do n.º 3 do art. 86° da Lei 5/2006 o crime de homicídio qualificado, ofende o art. 1° da Constituição da República Portuguesa e não respeita as exigências de compatibilização lógico-valorativas inerentes à uma condenação privativa de liberdade.

    Respondeu o Ministério Público ao primeiro daquele recursos referindo que : Por acórdão do Tribunal Colectivo de 1ª Instância foi o arguido, ora recorrente, condenado "pela práctica, na forma consumada e em co-autoria, de um crime de homicídio qualificado, p. p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 26.º, 131.º e 132º, n.ºs 1 e 2, alíneas e) e j), ambos do Código Penal, por referência ao nº3 do artº 86º da Lei nº 5/2006 de 23/02, na pena de 17 (dezassete) anos de prisão, e na pena acessória de expulsão do território nacional por 5 anos;", tendo ainda sido condenado pela práctica, "em concurso efectivo, na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. p. pelos art.ºs 2.º, n.º1, al. s) e artº 3.º, n.ºs 1 e 5, al. c), 86.º n.º1, alínea c), da Lei nº5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 2 (dois) anos de prisão".

    Em cúmulo jurídico, na pena única de 17 anos e 9 meses de prisão.

    Desta condenação recorreu o arguido para este Tribunal da Relação.

    Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4.11.2014, foi dada parcial procedência ao recurso interposto da condenação da 1ª Instância, alterando-se o ponto nº24 dos factos dados como provados e considerou-se ainda a não verificação da circunstância qualificativa do homicídio, decorrente da alínea e) do nº2 do artº 132º do Código Penal.

    Inconformado, recorre o arguido para o STJ.

    Nas conclusões da motivação que apresentou o arguido limita-se a retomar e a repetir, no essencial, toda a argumentação que expendeu ingloriamente na 1ª instância - diga-se, aliás, que nem sequer se dignou apresentar novos argumentos rebatendo, desta feita, os argumentos e fundamentação do acórdão de que ora se recorre.

    Assim e ao reeditar os argumentos com que não logrou convencer o Tribunal da Relação, apenas nos resta dizer que no acórdão recorrido contém-se, ponto por ponto, a mais clara e proficiente resposta às teses do recorrente.

    Com efeito - e seria fastidioso proceder à transcrição da fundamentação que consta do texto da decisão - o acórdão analisa, em todos os seus aspectos, a natureza, sentido e extensão de cada uma das questões suscitadas pelo recorrente, o que faz de forma detalhada, profunda e exaustiva, pelo que nada mais nos resta do que para ela remeter.

    Vem, porém, agora e só agora, porque o não fez no recurso interposto da decisão da 1ª instância, impugnar o acórdão deste Tribunal da Relação na parte em que confirma a decisão da 1ª instância, respeitante à sua condenação pela práctica do crime de detenção de arma proibida p. p. pelos art. 2º nº1 s) e artº 3º nºs 1 e nº5 da c), 86º nº1 c) da Lei nº5/2006 de 23/02 alegando para o efeito no ponto 4 das suas conclusões que: " A decisão recorrida, porque autonomiza como crime do artº 86º, nº1, al. c), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, o uso da arma e ao mesmo tempo, utiliza o nº3, do artº86º, da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, como agravante do crime de homicídio qualificado, ofende o nº5, do artº 29º da Constituição da república Portuguesa".

    Ora, a este respeito e para além daquilo que já foi referido por este Tribunal, no acórdão ora recorrido e que que inteiramente subscrevemos, acrescentaremos ainda o que na mesma linha se escreveu no Ac. do STJ proferido no P. nº137/08.8SWLSB.L1.S1 da 5ª Sª de 18.12.2013, entendimento que igualmente perfilhamos: "Com efeito, deve ser perante cada caso em concreto e respectivo circunstâncialismo que se deve aferir se o crime de detenção de arma proibida pode, ou não, ser autonomizado face ao crime de homicídio. Na verdade, encontramo-nos perante crimes que tutelam bens jurídicos distintos - no crime de homicídio tutela-se o bem jurídico vida e no crime de detenção de arma proibida a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas.

    No caso em apreço, o modo como o arguido utilizou a arma de fogo permitiu a qualificação do crime de homicídio, pelas aIs. h) e i) do n.º 2 do art. 132.º do Código Penal, pois essa utilização revestiu-se de especial censurabilidade e perversidade.

    No entanto, essa especial censurabilidade e perversidade nada tem a ver com o facto de o arguido não ser titular de licença de uso e porte de arma. A sua conduta revelou-se particularmente perigosa e insidiosa pela forma como utilizou a espingarda caçadeira para atacar o ofendido, independentemente da existência ou não dessa licença. Se a arguido fosse titular de licença de uso e porte de arma e o homicídio tivesse sido praticado de igual modo, não deixaria de ser qualificado. Ou seja, a circunstância de o arguido utilizar uma espingarda caçadeira sem para tal estar legalmente habilitado extravasa e ultrapassa a questão da qualificação do crime de homicídio. Existindo um tipo legal de crime que pune semelhante conduta, não há razão para que os factos praticados pelo arguido não sejam...

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