Acórdão nº 83/13.3JAPDL.L1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça - No processo comum nº 83/13.3JAPDL.L1 do Tribunal Judicial de São Roque do Pico respondeu perante o tribunal colectivo, o arguido AA, devidamente identificado nos autos, na sequencia de acusação deduzida pelo Ministério Público imputando-lhe a prática de factos integradores de quatro crimes de maus-tratos, p. e p. pelo artigo 152º-A, nº 1, alínea a), e artigo 30º, nºs 1 e 3, ambos do Código Penal, um crime de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, 145º, nºs 1, alínea a) e 2, e 132º, nº 1, alíneas b), e) e j), todos do Código Penal, dois crimes de violação, p. e p. pelo artigo 164º, nº 1, alíneas a) e b), do Código Penal, e um crime de coação agravada, p. e p. pelos artigos 154º, nº 1, e 155º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal, todos na forma consumada e em concurso efectivo.

- Efectuado o julgamento, após o cumprimento do disposto no art. 358º, do CPP, foi proferido acórdão em 18 de Março de 2013, que decidiu: a) condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de maus-tratos, p. e p. pelo artigo 152°-A, nº 1, a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; b) condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de maus-tratos, p. e p. pelo artigo 152°-A, nº 1, a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; c) condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de maus-tratos, p. e p. pelo artigo 152°-A, nº 1, a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; d) condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de maus-tratos, p. e p. pelo artigo 152°-A, nº 1, a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; e) condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, 145º, 132º, n.º 2, e) e j), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos 3 (três) meses de prisão; f) condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de violação, p. e p. pelo artigo 164°, nº 1, a) e b), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; g) condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de violação, p. e p. pelo artigo 164º, nº 1, b), do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos de prisão; h) condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de violação, p. e p. pelo artigo 164º, nº 1, a), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; i) condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de coacção qualificada, p. e p. pelos artigos 154°, nº 1 e 155°, nº 1, a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; j) condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de coação qualificada, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 154º, nº 1 e 155º nº 1, a), do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão; l) em cúmulo jurídico, condenar o arguido AA na pena única de 14 (catorze) anos de prisão; Parte Cível Julgar o pedido de indemnização civil deduzido por BB parcialmente procedente e, em consequência: n) condenar o demandado AA a pagar à demandante a quantia de 20.000,00 € (vinte mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, contados da data da notificação do pedido e até efectivo e integral pagamento; o) absolver o demandado quanto ao demais contra si pedido pela demandante Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pelo Hospital da Horta procedente e, em consequência, condenar o demandado AA a pagar ao demandante a quantia de 955,06 € (novecentos e cinquenta e cinco euros e seis cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, contados da data da notificação do pedido e até efectivo e integral pagamento.

- Inconformado com o acórdão, dele interpôs recurso o arguido, para o Tribunal da Relação de Lisboa, que por decisão de 17 de Setembro de 2014, acordou “em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, e, em consequência, confirmar o douto acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC.” - De novo inconformado, recorreu o arguido para este Supremo Tribunal, apresentando as seguintes conclusões na motivação de recurso: I – A técnica interpretativa dos tribunais, para além do âmbito punitivo, jamais superará a falta de uma compreensão humanista e não retributiva da justiça penal (citação de Fernanda Palma - Juiz Conselheira).

No caso dos autos, configura-se uma estória de um homem frio e calculista, incapaz de se colocar no lugar da vítima impedindo-o de imaginar o seu sofrimento, portador de anomalia psíquica, cuja conduta social se encontra patologicamente alterada. Cego pelo ciúme da “amante” que o repudiou, cedeu às pulsões mais primárias e sem que para tal tivesse concorrido qualquer adição de álcool ou droga, já que abstémio, tão vulgar neste tipo de ocorrências.

Ao não admitir a realização de avaliação clínica e de sintomas psiquiátricos ao arguido o Tribunal de 1ª Instância ficou privado de um dos elementos integradores da roupagem do julgador que necessariamente veste a pele do arguido no apuramento dos factos, para aquilatar da sua culpa, e compreender como agiria naquelas específicas circunstâncias, omissão esta que viola o disposto no artigo 32º/nº 1 da Constituição da República Portuguesa.

II – Não está em causa a falta de capacidade de entender e querer do arguido durante a prática dos factos ilícitos/típicos cujos efeitos não dominasse, como preconiza o douto acórdão recorrido. O que sobreleva é a formação de um ser humano afastado da mãe aos 9 meses de idade devido a excesso de álcool da progenitora, a morte do tio materno e o processo de adopção cuja mãe substituída foi uma má escolha marcada por estratégias educativas de cariz agressivo (vide pontos 154, 155 e 156 dos Factos Provados).

Ora, é um lugar comum dizer que o violado acaba violador e o agredido vira agressor, sendo temerário sustentar como o fez o Tribunal de 1ª Instância, não desmentido pelo acórdão confirmatório, ora em recurso, de que a conduta do arguido é de todo incompreensível, na ausência de um quadro patológico.

Ainda assim, o arguido é primário quanto à prática e violência, nomeadamente sexual, exercida sobre mulheres (vide ponto R dos Factos Não Provados); vive há cerca de 8 anos em casa da sua companheira CC e goza do apoio desta (vide pontos 151 e 153 dos Factos Provados); tem hábitos de trabalho (vide ponto 159 dos Factos Provados); tem 3 filhos de 13, 9 e 3 anos de idade sem incidentes participados (Ponto 152 dos Factos Provados); a prática do crime de ofensa à integridade física qualificada ocorreu 5 anos antes dos factos ora em apreço.

O que releva da dosimetria penal fixada pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, mostrando-se excessiva, e, na perspectiva do recorrente, violadora do princípio da proporcionalidade das penas ínsito no artigo 40º do Código Penal.

E sem qualquer medida acessória de ordem psico-psiquiátrica, que previna, no futuro, uma eventual recidiva do arguido face ao quadro patológico atrás explicitado.

III – O Tribunal “a quo” considerou manifestamente extemporâneo o seu pedido de intervenção Do Tribunal de Júri, já que o mesmo só poderia ser apresentado no prazo de 20 dias, ou seja no prazo do requerimento para a abertura da instrução (artº. 13º/3 do C.P.P.).

Sucede que, ao entender-se que o Tribunal de 1ª Instância apenas qualificou de maneira diversa os factos descritos na acusação, e que essa alteração de qualificação consistiu em autonomizar os factos relativos à introdução do pau, com violência, na vagina da ofendida, aplica-se ao caso o preceituado no nº 3 do artº. 358º do C.P.P. com referência ao nº 1 do mesmo preceito. Norma esta que, foi observada pelo Exmo. Colectivo do Tribunal “a quo”. Porém, a comunicação para apresentar a defesa e bem assim arrolar testemunhas, não pode retirar ao arguido o direito de requerer o julgamento pelo Tribunal de Júri atenta a nova moldura penal que tal alteração implicou – (neste sentido, vide anot. 3”in fine” do artº. 358º págs. 814, 815 e 816 – Maia Gonçalves – Código de Processo Penal, Anotado – Legislação Complementar, 17ª. Edição – 2009).

Sob pena de violação das garantias de defesa constitucionalmente consagradas no artº.

32º/1 da C.R.P.

, cujas consequências o recorrente quis acautelar, que, como se viu, foram perniciosas para o arguido, ao ser condenado a 7 (sete) anos de prisão.

IV – Sustentar que um único testemunho, ainda que da vítima e inclusivamente de uma criança, pode ser suficiente para desvirtuar a presunção de inocência desde que ocorram 3 circunstâncias tarifadas na doutrina e jurisprudência latinas, quais sejam a ausência de incredibilidade subjectiva, corroborações periféricas de carácter objectivo e persistência na incriminação, será eventualmente defensável no nosso Código de Processo Penal quanto prevalência da versão da vítima, lamentavelmente esquecida nas agressões diárias de que os detidos são regularmente alvo na intimidade das nossas esquadras e postos da GNR e dos transportes utilizados pelas autoridades, em nome da não desautorização dos respectivos agentes.

Porém, não é líquido que a ofendida BB não consentisse na continuação da ligação amorosa com o agressor se este tivesse rompido com a companheira CC, ou continuasse a confiar as suas crianças à guarda e educação do agressor, demitindo-se dos deveres de mãe e já agora da própria avó que nunca gostou do “genro”. Houve aqui, num primeiro momento, um móbil de ressentimento da vítima pelo não afastamento da CC por parte do arguido AA (vide ponto 31 dos Factos Provados).

Não é líquido que, do depoimento prestado pelo ginecologista DD, ao relatar em audiência de julgamento, que do exame ginecológico à vítima não encontrou grandes lesões e não viu nada que pudesse provar a intensidade das agressões...

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