Acórdão nº 1514/12.5JAPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No âmbito do processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo n.º 1514/12.5JAPRT, da 1.ª Vara de Competência Mista de Vila Nova de Gaia, foi submetido a julgamento o arguido AA, nascido ..., preso preventivamente desde 4 de Setembro de 2012, no Estabelecimento Prisional do Porto - fls. 108, 757, 807, 880.

Em despacho de pronúncia foi imputada ao arguido a prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, alíneas b), e), h) e j), do Código Penal e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 59/2007, de 4-09, n.º 17/2009, de 06-05, n.º 26/2010, de 30-08 e n.º 12/2011, de 27-04.

Foi deduzido pedido de indemnização civil pelo assistente BB, pedindo a condenação do arguido a pagar-lhe a quantia de 120.000,00 €, acrescida de juros de mora.

Por acórdão do Colectivo da 1.ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia, datado de 31 de Outubro de 2013, constante de fls. 756 a 807, do 3.º volume, depositado no mesmo dia, conforme declaração de fls. 810, foi deliberado: Parte Criminal 1 - Julgar a acusação parcialmente procedente e, consequentemente, condenar o arguido pela prática de: 1.1 - Um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, alínea b), do Código Penal, na pena de 15 (quinze) anos e 6 (seis) meses de prisão. * 1.2 - Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, por referência ao artigo 3.º n.º 5, alínea c), do mesmo diploma, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão.

2 – Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 16 (dezasseis) anos de prisão.

Parte Cível 3 - Julgar o pedido de indemnização civil parcialmente procedente, e condenar o arguido/demandado a pagar ao demandante a quantia de 75.000,00 €, acrescida de juros de mora a contar da notificação do pedido de indemnização.

* NOTA No dispositivo, alínea A), a fls. 805, consta a condenação do arguido na pena de 15 anos e 6 meses de prisão “pela prática como autor material, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo artigo 22.º, 23.º, 72.º, 131.º, 132.º, n.º 1 e 2, alínea b) do Código Penal”.

Ora, não está em causa a punição por tentativa, como facilmente se retira do contexto do próprio acórdão, no início do relatório, a fls. 757, referindo a pronúncia sem dúvida a prática de homicídio qualificado consumado, embora com mais qualificativas, e a fls. 792, quando a terminar a subsunção relativa ao homicídio qualificado e depois de afastar as qualificativas das alíneas e), h) e j), de págs. 789 a 792, refere o acórdão que “Deste modo, o arguido deverá ser condenado [por] um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, alínea b), do Código Penal”.

O recorrente na motivação reproduz o que consta do dispositivo, com referência aos artigos 22.º, 23.º e 72.º, a fls. 848, e depois, de forma correcta a fls. 934, e de igual modo o Ministério Público na Comarca refere a incriminação que consta do dispositivo – resposta de fls. 886 – e de igual forma o Ministério Público no Tribunal da Relação do Porto, a fls. 930.

O caso foi solucionado no acórdão recorrido, na nota de rodapé a fls. 954, onde ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 2, do CPP, se procedeu à correcção, no sentido de se ter por não escritas as referências aos artigos 22.º, 23.º e 72.º do Código Penal, por tais normas nada terem a ver com o caso.

********** Inconformado com tal deliberação judicial, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, a fls. 813 e em original a fls. 847, argumentando conforme fls. 814 a 845, e em original, de fls.848 a 879.

O recurso, limitado à parte criminal, foi admitido por despacho de fls. 880.

O Ministério Público respondeu, conforme fls. 886 a 893, pugnando pela respectiva improcedência.

O assistente BB respondeu como consta de fls. 901 a 906, defendendo igualmente a confirmação do acórdão recorrido.

********** Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21 de Maio de 2014, constante de fls. 954 a 981, foi deliberado negar provimento ao recurso, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.

*********** O arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal, produzindo a motivação de fls. 989 a 1003, com texto incompleto, fls. 1005 a 1027 e original, de fls. 1029 a 1051, rematando com as seguintes conclusões (transcritas na íntegra, incluídos realces): I 1.

Errada qualificação jurídica dos factos dados como provados.

  1. Os factos dados como provados integram a previsão de homicídio simples p. e p. no artº 131º do C.P. e apenas este e não o de homicídio qualificado plasmado no artº 132°, nº 2 alínea b) do C.P., com evidente e manifesta implicação na medida da pena.

  2. Vem a doutrina entendendo, que os exemplos-padrão prendem-se essencialmente com a questão da culpa, mais do que com a ilicitude, pois ainda que se refiram a um maior desvalor da conduta (por exemplo, o homicídio cometido na pessoa do pai ou do filho), não é essa circunstância, por si, que determina a qualificação do crime, antes a especial censurabilidade ou perversidade do agente, isto é, o especial tipo de culpa.

  3. “A qualificação do crime de homicídio qualificado não é consequência irrevogável da existência de qualquer das circunstâncias constantes do nº 2 do artigo 132º do C.P. Essencial, é que, as circunstâncias em que o agente comete o crime revelem uma especial censurabilidade ou perversidade, ou seja, uma censurabilidade ou perversidade distintas (pela sua anormal gravidade) daquelas que, em maior ou menor grau, se revelem na autoria de um homicídio simples”.

    5. E, não é pelo facto de se verificar em concreto uma qualquer das circunstâncias referidas nos exemplos-padrão ou noutras substancialmente análogas que fica preenchido o tipo, deduzindo-se daquelas a especial censurabilidade ou perversidade; é preciso que, autonomamente, o intérprete se certifique de que, da ocorrência de qualquer daquelas circunstâncias resultou em concreto a especial censurabilidade ou perversidade.

  4. Contudo, torna-se necessário verificar se, em concreto, se pode concluir pela existência do maior grau de culpa em que assenta o tipo qualificado.

  5. Cremos que não se deu como provada, in caso, a especial censurabilidade e; perversidade exigida pela norma. 8. Não se provou qualquer circunstância que, no caso, revelasse a especial censurabilidade e perversidade necessária para a qualificação do tipo simples do crime de homicídio.

  6. O simples facto de arguido e vítima serem ex cônjuges não pode, per si, constituir consequência necessária e direta daquelas especiais censurabilidade e perversidade ensinamento, apoiado pela vasta jurisprudência referida supra, como o foi no douto acórdão! 10. Assim, o recorrente teria de ser condenado pela prática do crime homicídio simples, p. e p. pelo artº 131º, com pena de prisão aplicável de 8 a 16 anos.

  7. E, assim sendo, é nosso entendimento que a pena se deve situar no seu mínimo legal, ou seja, nos oito (8) anos de prisão, atendendo o plasmado nos artº 40.° e 71.° do Código Penal.

    Sem prescindir, II.

  8. Deficiente fixação da medida concreta da pena aplicada pela prática dos crimes de homicídio qualificado e detenção de arma proibida pelo que veio a ser condenado.

  9. Entendemos que no douto acórdão de que se recorre não foram suficiente e corretamente valoradas todas as circunstâncias previstas no artº 71º, do CP, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior e posterior ao facto.

  10. Assim, atendendo aos factos que anteriormente foram exaustivamente referidos (i.e., confissão, arrependimento, bom comportamento anterior e posterior, quadro depressivo que limitava a capacidade de valorar e discernir, diminuição da culpa, etc.) e aqui nos abstemos de reproduzir, e a todos aqueles considerados pelo Tribunal, a pena concretamente aplicada ao crime de homicídio qualificado deverá fixar-se em 12 (doze) anos de prisão e ao crime de detenção de arma proibida 1 (um) ano de prisão, sendo que, em cúmulo jurídico crê-se que a pena justa aplicada deverá ser de 12 (doze) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

    Termina pedindo que seja concedido provimento ao recurso.

    ******* O recurso foi admitido por despacho de fls. 1052.

    ******* O Exmo. Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação do Porto apresentou resposta, conforme fls. 1058 a 1065, que remata com as seguintes conclusões: A.

    Por acórdão desta Relação tirado em 21.05.2014, foi confirmada a decisão proferida na 1ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, que havia condenado, o arguido AA, pela prática, enquanto autor material, dos seguintes crimes: B.

    Um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 22°, 23°, 72°, 131°, 132°, n ° s 1 e 2, alínea b), todos do C.P, na pena de quinze anos e seis meses de prisão; Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86°, n ° 1, alínea c), da Lei nº° 5 / 2006, de 23 / 02, por referência ao art. 3º, n ° 5, alínea c) do aludido diploma legal, na pena de um ano e quatro meses de prisão; Nos termos do artigo 77° do C.P., na pena única de 16 anos de prisão.

    C.

    Inconformado, o arguido AA, interpôs recurso para esse Alto Tribunal, em que como se vê das conclusões extraídas, suscita dois tipos de questões: • A da qualificação jurídico-penal dos factos integrantes do crime de homicídio, que entende deverem ser qualificados, como perfectibilizando, tão só tipo fundamental do crime, previsto no art. 131° do CP; • A medida das penas...

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