Acórdão nº 18-A/2001.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução07 de Maio de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA, na qualidade de liquidatário judicial e em representação da Massa Falida de BB, SA, veio deduzir incidente de liquidação da condenação ilíquida do Estado Português, determinada por sentença de 15 de Julho de 2005 da Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Setúbal, com as alterações introduzias pelo acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 3 de Maio de 2007, confirmadas pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 2007, no pagamento de trabalhos de construção civil executados por BB, SA, em apoio a contratos de empreitada identificados nos autos principais.

Pediu que o montante em que o Estado foi condenado fosse “liquidado em € 1.667.770,03”, no qual se incluía a actualização do preço a pagar [(6.686.831.000$00 x 0.04) - 70.000.000$00 = 197.473.240$00, ou seja, € 984.992,39], “de modo a reflectir a desvalorização da moeda ocorrida (…) desde a data em que os serviços foram prestados e deveriam ter sido pagos, (…), 1 de Janeiro de 1993, e a presente data” ou, subsidiariamente, que fosse promovida a liquidação oficiosa e, em qualquer caso, que o Estado fosse condenado no pagamento de juros de mora sobre a quantia que fosse apurada, contados da citação até efectivo pagamento.

O Ministério Público contestou, em representação do Estado. Por entre o mais, sustentou que a autora não justificou as verbas que especificou, sendo inepta a petição inicial por falta de causa de pedir, e discordou do critério de cálculo utilizado. Considerou que, “atendendo à condenação do R. nas várias instâncias, a quantia a pagar é a que se liquidar em liquidação de sentença, ou seja, o preço a pagar corresponderá ao cômputo dos trabalhos desenvolvidos pelo A. e que se provaram terem sido executados, e esse preço será aquele que o A. praticar à data da conclusão do contrato”.

Houve resposta à contestação.

Pela sentença de fls. 81, a obrigação do réu foi liquidada em € 833.844,31€, acrescidos de juros contados à taxa dos juros comerciais desde a data em que foi proferida, até integral pagamento. O tribunal considerou provado que “O valor dos trabalhos de construção civil de apoio às quatro empreitadas referidas na decisão proferida nos autos principais é de 2,5% de 6.616.831.000$00 (6.686.831.000$00 – 70.000.000$00)” e julgou nestes termos: “A decisão proferida nos autos relegou para execução de sentença o apuramento do valor da contraprestação dos trabalhos de construção civil desenvolvidos pelo A., de apoio às empreitadas realizadas também pelo A..

Tendo em conta a matéria que resultou provada nos autos, esse valor tem de ser fixado em 833.844,31€, ou seja, 2,5% de 33.353.772,41 € (6.616.831.000$00)).

Quanto aos juros os mesmos são devidos desde a liquidação, como foi decidido no Douto Acórdão da Relação de Évora, ou seja, são devidos desde a presente data”.

Apenas recorreu AA, na mesma qualidade de liquidatário judicial e em representação da Massa Falida de BB, SA, para o Tribunal da Relação de Évora, sustentando que a sentença não tinha apreciado o pedido de actualização e a tinha condenado indevidamente em custas. Concluiu que, o montante em que o réu tinha sido condenado, € 833.844,31, devidamente actualizado, correspondia a € 1.411.002,48, devendo ter sido essa a condenação.

A Relação, pelo acórdão de fls. 220, de 22 de Maio de 2014, observando que o recurso interposto apenas colocava três questões – nulidade da sentença, actualização da prestação e custas processuais –, uma vez que a “liquidação (…), em si mesma, não é posta em causa no recurso –, decidiu, quanto ao que agora releva, que a sentença tinha omitido indevidamente a apreciação da questão da actualização e que, tendo em conta a regra da substituição, lhe cabia decidi-la: “E, conforme se alcança da sentença, o tribunal não só não procedeu à actualização do valor da liquidação a que procedeu (€ 833.844,31) como nem sequer se pronunciou sobre tal questão, conforme se lhe impunha, atento o disposto no n° 2 do art. 660° do CPC (n° 2 do art. 608° do novo CPC, recentemente entrado em vigor).

Desta forma, e neste âmbito, estamos perante uma das situações de nulidade da sentença prevista na al. d) do n° 1 do art. 668° do CPC (a que corresponde a ai. d) do n° 1 do art. 615° do novo CPC).

Todavia, nos termos do disposto no n° 1 do art. 715° do CPC (n° 1 do art. 665° do novo CPC), não obstante a declaração de tal nulidade, impõe-se conhecer do objecto da apelação, ou seja, se, in casu, deve ou não haver lugar à actualização da quantia que foi objecto de liquidação na sentença recorrida (liquidação essa que, em si mesma, não é posta em causa no recurso) - questão essa de que conheceremos de seguida.

(…) Trata-se assim de uma dívida de valor que, como tal, não está sujeita ao princípio nominalista e que, por consequência, é passível de actualização.

Desta forma, conforme bem se considerou no acórdão do STJ de 17.11.94 (em que é relator Sousa Inês, in www.dgsi.pf) a liquidação, como acto pelo qual se procede à fixação do quantitativo de um crédito ilíquido também compreende a actualização monetária.

E por se tratar de uma dívida sujeita a liquidação, é que, conforme bem se salienta no acórdão desta Relação, não há mora e, como tal, não eram devidos juros, sendo estes devidos apenas a partir da sentença que procedeu à respectiva liquidação (conforme, de resto, foi decidido na sentença recorrida).Conforme já supra referimos, o autor apelante defende que a actualização deve ser feita com referência a 31.12.1992, data relativa à conclusão dos trabalhos.

Conforme resulta da factualidade dada por provada na acção declarativa (vide fls. 172 e sgs.), e com interesse específico para a questão, foi dado como provado (n°s 31 e 15) que "em 31.12.1992 o valor dos trabalhos realizados (já medidos e aceites pelo dono da obra) no âmbito das empreitadas à J.E.M era de 6.886,851 contos" e que a J.E.M facturou os trabalhos de apoio de construção civil em 26.02.1993.

Assim, afigura-se-nos que a actualização deve ser reportada ao coeficiente de desvalorização da moeda com referência ao de 1993 – coeficiente esse que, nos termos da Portaria n° 376/2013 de 30.12 é de 1,68.

E assim sendo, o valor dos trabalhos em questão, que foi liquidado em € 833.844,31, deve ser fixado, por força da referida actualização, em € 1.400.858,44 (€ 833.844,31 x 1,68).

(…) Termos em que, julgando a apelação parcialmente procedente se acorda: a) Em revogar parcialmente a sentença recorrida no sentido de alterar a quantia que ali foi objecto de liquidação (€ 833.844,31), a pagar pelo réu ao autor, e por força da respectiva actualização, para o valor de € 1.400.858,44 (um milhão, quatrocentos mil, oitocentos e cinquenta e oito euros e quarenta e quatro cêntimos); b) No mais se mantendo a sentença no que se refere ao pagamento pelo réu de juros de mora, à taxa dos juros comerciais - a contar da presente data.

  1. E em revogar ainda a sentença no que se refere à condenação do autor em custas, dada a isenção supra referida.

Apelação sem custas, dada a isenção de ambas as partes.” 2.

O Estado recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões: «I - O que se provou no incidente de liquidação foi que o valor total das empreitadas em causa foi o que já havia ficado provado no ponto 31 da acção declarativa, e indicado pelo A. na pi do incidente de liquidação – 6.686.831.000$00 – devendo o valor dos trabalhos de apoio em dívida ser calculado por meio da aplicação de uma percentagem de 2,5% sobre a referida quantia, e só depois, ao resultado assim obtido, haveria então que deduzir os 70.000.000$00 já pagos pelo R. ao A. – conforme provado no ponto 14 da matéria de facto provada na acção declarativa – e não deduzi-los ao valor das empreitadas, como foi feito.

II - A fórmula matemática necessária para a operação de liquidação é aquela que foi apresentada pelo A. na pi do respectivo incidente, ou seja: primeiro, chegar ao montante total dos trabalhos de apoio, resultante da multiplicação da percentagem pelo valor total das empreitadas e, de seguida, subtrair a esse montante assim apurado o valor que anteriormente já fora recebido, de 70.000.000$00, pelo que o despacho que decidiu a matéria de facto em 1ª instância incorreu em erro ao usar uma fórmula de cálculo em que subtraiu os referidos 70.000.000$00 ao valor total das empreitadas.

III - Assim, a decisão sobre a matéria de facto traduziu a prova obtida numa forma de cálculo que não lhe corresponde e que contraria a prova já fixada na acção declarativa relativamente à quantia de 70.000.000$00, já paga (ponto 14 da matéria de facto) e que tinha de ser deduzida ao montante dos trabalhos de apoio e não ao valor das empreitadas.

IV - Verifica-se, pois, a existência de um erro na fixação dos factos materiais da causa, o qual pode ser objecto de recurso de revista, dado que se mostra ocorrer ofensa duma disposição expressa da lei que fixa a força de determinado meio de prova, como se prevê no art° 722° nº2 do CPC (anterior ao DL 303/2007).

V - A matéria de facto julgada provada no incidente de liquidação, nos termos e com a fórmula matemática errada ente utilizada, contraria frontalmente o facto provado nº 14 da matéria de facto provada na acção declarativa, o que constitui violação do disposto no art° 671° nº 1 do CPC, segundo o qual "transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo... ", e, em consequência, tal matéria de facto pode ser alterada em sede de recurso para o STJ, alterando-se a fórmula de cálculo erradamente utilizada.

VI - O facto provado sob nº 14 da matéria de facto na acção...

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