Acórdão nº 752-F/1992.E1,S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução20 de Maio de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA, na qualidade de administrador da massa falida de BB, intentou contra CC, Lda., DD e EE e FF acção de condenação, invocando os seguintes fundamentos, em síntese.

O R. BB foi declarado falido por douta sentença de 23/10/92, transitada.

Para a Massa Falida do referido BB foi apreendido, entre outros, com a verba n° 1 de Coruche o seguinte bem: -prédio rústico, sito em Foros …, com a área de 16,975 ha, inscrito na matriz sob o artigo 18° da Secção BC" e descrito na Conservatória de Registo Predial de Coruche sob a ficha n° … da freguesia de Coruche.

No quadro da liquidação da Massa Falida, o seu Administrador foi encarregado de proceder à venda dos bens que a integravam, por negociação particular, tendo sido autorizado pelo mesmo despacho a ser coadjuvado na venda dos bens por uma agência de leilões especializada, como aliás é uso em matéria de falências, a Ré CC, Lda., No leilão, onde esteve presente o Administrador da Falência, foi objecto de licitações o prédio urbano acima identificado.

Depois de requerer e obter nos autos autorização para adjudicar todos os imóveis pelas ofertas mais elevadas obtidas no leilão realizado, o Administrador da Falência deu instruções à Ré CC, Lda. para que fosse preparando a escritura, trabalho que, nos termos dos usos, lhe cabia enquanto sua coadjuvante, e que envolvia designadamente a recolha de toda a documentação necessária junto dos serviços públicos, contactos com o promitente comprador e marcação de escritura no notário.

O Administrador da Falência requereu, através de requerimento junto aos autos de liquidação, a passagem de certidões judiciais para outorga das escrituras de compra e venda dos imóveis apreendidos, onde se inclui o imóvel dos presentes autos, Como a escritura não fosse marcada, o Administrador da Falência foi insistindo, por carta e telefonicamente, com a 1a Ré CC, Lda. para que diligenciasse no sentido de obter toda a documentação necessária e marcasse a data da escritura no Cartório Notarial.

Entretanto, o Administrador da Falência deixou de receber\qualquer comunicação da Ré CC, Lda. e, em Setembro, começou a constar nos Tribunais que algo de anormal se passava com a 1ª Ré, pois haveria vendas realizadas em diversos processos, sem que o preço tivesse sido entregue e os representantes da Ia Ré deixaram de ser encontrados, constando que estariam em parte incerta.

O Administrador da Falência conseguiu então apurar que o 2º R. marido já havia adquirido para o casal que constitui com a 2ª Ré mulher, o referido prédio rústico, por escritura pública de compra e venda realizada no dia 28/06/2001, no 4º Cartório Notarial de Lisboa, onde consta que a 1ª R. declara ter a qualidade de mandatária judicial e ter sido encarregada de proceder à venda.

Ora, tal não poderia ocorrer, à face da lei então aplicável (cfr. os arts. 1211°, n.° 2, e 1248°, ambos do C. P. Civil), sendo certo que a certidão judicial arquivada em anexo à dita escritura de compra e venda não lhe conferia tais poderes.

A A. não recebeu o preço de 40 500 0000$00 que, na dita escritura, consta ter sido pago pelo 2º R. marido à R. CC, Lda.

O Notário que efectuou a escritura bem sabia que a mesma apenas poderia ser levada a cabo com intervenção do administrador da falência, o que gera a ineficácia do negócio, nos termos do art. 268°, do C. Civil.

A A. não ratificou o negócio.

A A. termina a petição, formulando os seguintes pedidos: a) declarar-se a ineficaz em relação à A. a venda pretensamente titulada pela escritura pública de compra e venda, realizada em 28/06/2001 no 4º Cartório Notarial de Lisboa, que teve por objecto o prédio rústico descrito no artigo 2º supra e em que a 1ª Ré outorgou invocando a qualidade que não tinha de encarregada da venda, devendo, em consequência, b) os 2°s RR. serem condenados a restituir o prédio em causa à A. livre e desocupado de pessoas e bens e c) serem todos os RR. condenados em custas, procuradoria condigna e no demais de legal.

O R. FF contestou, invocando a sua ilegitimidade e impugnando a factualidade alegada pela A. em síntese.

Os RR. DD e EE contestaram, impugnando a factualidade alegada e invocando que o A. bem sabia que a CC vinha realizando escrituras de venda dos imóveis apreendidos para a massa pelo que, ao intentar a acção estaria a venire contra factum proprium, num manifesto abuso de direito, nos termos do artigo 334° do Código Civil.

A outorga de escritura, por parte dos R. R., foi celebrada de boa-fé, mediante documento/certidão exarada pelo Tribunal onde corria o processo de falência, de onde constava a qualidade de encarregada da venda, sem que qualquer dúvida tivesse sido levantada.

O liquidatário judicial, bem sabendo ser a primeira R. quem outorgava as escrituras, em representação da massa falida, nunca alertou os segundos R. R. para qualquer possível irregularidade, nem antes, nem após a celebração, por estes, sua da escritura de compra e venda.

Para tal, efectuaram o pagamento do respectivo preço, como consta da escritura de compra e venda, no valor de € 202.013,15 (antes PTE 40.500.000$00), bem como a quantia de 10% sobre tal valor (acrescida de IVA), a título de comissão de agência, conforme condições lidas na altura do leilão.

Além do valor do prédio, os R.R. pagaram € 159,73 de registo, €2.368,04 de escritura e € 16.161,05 de Imposto Municipal de Sisa.

Em caso de ineficácia da escritura celebrada, o que só se aceita como mero exercício intelectual, sairiam os R.R. prejudicados nas quantias descritas nos artigos 18° e 19° desta peça processual, bem como na valorização que, entretanto, se verificou no prédio.

Responsáveis por tal situação seriam, em primeiro lugar o Estado Português, já que a celebração da escritura foi efectuada em notário público, através de promoção em processo judicial, por pessoa autorizada a outorgá-la, mediante certidão emitida pelo Tribunal da Comarca de Santarém, Em segundo lugar, só por, no mínimo, negligência grosseira do liquidatário judicial, AA, com sinais nos autos, no controle das vendas, as mesmas poderiam ter acontecido nos termos em que o foram, pelo que, requeram a intervenção principal provocada do Estado Português, representado pelo Ministério Público, bem como do liquidatário judicial, Sr. AA – sendo tal requerimento admitido no âmbito da intervenção acessória Não se tendo logrado a citação pessoal da R. CC, Lda., foi ordenada a citação edital respectiva, sem que tenha sido apresentada contestação.

O Estado Português, notificado do incidente de intervenção acessória deduzido pelos 2ºs Réus DD e EE, , contestou, aderindo à contestação dos RR, sustentando que: A venda que se pretende impugnar não padece de qualquer vício que determine a sua ineficácia, uma vez que a escritura foi outorgada pela 1ª Ré enquanto encarregada de venda, munida de poderes judiciais para o efeito, poderes esses comprovados através da certidão judicial, já junta a estes autos.

Resulta da certidão judicial emitida no dia 15/02/2001 pela Escrivã do 2.° Juízo Cível do Tribunal de Santarém a seguinte transcrição "É quanto me cumpre certificar em face do que consta nos mencionados autos aos quais me reporto em caso de dúvida e do que me foi ordenado, destinando-se a presente certidão a outorgar a escritura de venda do prédio a seguir indicados pela encarregada de venda nomeada nos autos "CC - Agencia de Leilões, Lda." Dos autos consta que o liquidatário judicial sugeriu ao tribunal que fosse coadjuvado em todos os actos pertinentes à liquidação da massa insolvente, pela agência de leilões CC através do requerimento constante a fls. 660 do Apenso B- liquidação, sendo que a comissão de credores consentiu que assim se procedesse.

E foi o próprio liquidatário quem requereu que fossem passadas as certidões judiciais para a celebração das escrituras de compra e venda (diga-se pela empresa de leilões por si sugerida).

Nos termos do artigo 134.° do CPEREF, embora se prescreva a pessoalidade e a intransmissibilidade do cargo do liquidatário judicial, partilhamos o entendimento que não está afastada a intervenção de terceiros (pessoa singular ou colectiva) de que aquele se possa socorrer, desde que mereça a confiança previamente expressa da comissão de credores enquanto entidade fiscalizadora da actuação do liquidatário.

Foi a própria comissão de credores, velando pelos seus próprios interesses, quem consentiu expressamente a intervenção da 1ª Ré na outorga das escrituras em representação do liquidatário.

Assim se conclui que a 1ª Ré estava munida de poderes (judiciais) para outorgar a escritura de venda do prédio rústico da massa falida.

Termos em que se conclui que os agentes do Estado, ora assistente, actuaram dentro da legalidade, sendo que os documentos de fé pública por eles firmados não padecem de qualquer irregularidade ou ilegalidade.

Por outro lado, mesmo que por qualquer razão formal a 1ª Ré não possuísse poderes para outorgar a escritura, a anulação do negócio não prejudicaria os direitos já...

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