Acórdão nº 352/13.2PBOER.L1. S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução27 de Maio de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No âmbito do processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo n.º 352/13.2PBOER, do então 2.º Juízo Criminal da Comarca do Seixal, integrante do Círculo Judicial de Almada, foram submetidos a julgamento os arguidos: AA, ..., e, actualmente, preso preventivamente à ordem dos presentes autos, no Estabelecimento Prisional de Caxias; BB, então preso preventivamente à ordem dos presentes autos, no Estabelecimento Prisional de Caxias, CC; e DD, com os sinais dos autos.

Por acórdão do Colectivo do Seixal, de 2 de Abril de 2014, constante de fls. 881 a 937, depositado no mesmo dia, conforme fls. 939, foi deliberado: I - Absolver os arguidos: 1 - AA, BB, CC da prática, em co-autoria material, de um crime de roubo agravado, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204.º, n.º 2, al. f), ambos do Código Penal; 2 - DD, da prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. p. pelo artigo 25.º, alínea a), do DL n.º 15/93, de 22-01.

II – Condenar: - O arguido AA, como co-autor material e em concurso efectivo, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Cód. Penal, de um crime de roubo agravado, na forma tentada, p. e p. pelo art. 210.º, nºs 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.º 2, al. f), ambos do Cód. Penal, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, nº 1, al. c), da Lei nº 5/2006, de 23-02, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 50/2013, de 24-07, nas penas de: 5 (cinco) anos de prisão; 6 (seis) anos de prisão; 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena unitária de 8 (oito) anos e 10 (dez) meses de prisão.

- O arguido BB, como co-autor material e em concurso efectivo, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do Cód. Penal, de um crime de roubo agravado, na forma tentada, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.º 2, al. f), ambos do Cód. Penal, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23/02, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 50/2013, de 24/07, nas penas de: 5 (cinco) anos de prisão; 6 (seis) anos de prisão; 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico foi condenado na pena unitária de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.

- O arguido CC, como co-autor material e em concurso efectivo, de um crime de roubo agravado, na forma tentada, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.º 2, al. f), ambos do Cód. Penal, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23-02, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 50/2013, de 24-07, nas penas de: 4 (quatro) anos de prisão e 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico foi condenado na pena unitária de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na execução, pelo mesmo período, sob regime de prova .

******* Inconformados com a decisão, interpuseram recurso os arguidos BB, de fls. 944 a 974 e AA, de fls. 976 a 992.

******* Por acórdão proferido na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, de 7 de Outubro de 2014, constante de fls. 1141 a 1162, foi negado provimento a ambos os recursos.

******* De novo inconformado, o arguido AA interpôs recurso para este Supremo Tribunal, apresentando a motivação de fls. 1169 a 1184, que remata com as seguintes conclusões: 1- Em preito da verdade não ficou provada a factualidade que constitui a imputação do crime de roubo agravado, na forma consumada, ao co-arguido AA.

2- O douto Tribunal ad quem optou pelo caminho mais fácil e aderiu simplesmente às conclusões do Tribunal a quo, deixou passar a ideia que não ouviu o que as testemunhas disseram, e escolheu o sentido do tribunal de 1ª instância, ouviu e não escutou, de forma e poder preencher a acusação.

3- O que na prática de traduz na identificação clara, por parte das testemunhas, do recorrente, o que o coloca na hora e no local do roubo da viatura, atendendo a todo o circunstancialismo que as próprios depoentes desde o início o descreveram, o facto de ser noite, de já ter passado algum tempo desde a prática dos factos até ao momentos de prestar declarações, não se obteve qualquer reconhecimento visual das testemunhas, quer em sede de inquérito, quer em sede de julgamento.

4- É flagrante a violação do princípio in dubio pro reo consagrado constitucionalmente, e dele não se deve fazer letra morta, e desde já, aproveita-se o ensejo quanto ao crime que o recorrente também foi condenado, quanto à detenção de arma proibida que mais à frente se explanarão as razões pelas quais o mesmo deverá ser absolvido.

5- Ainda assim, temos que convir que na apreciação e valoração da prova produzida em julgamento, a lógica resultante da experiência comum não pode valer só por si, porque na verdade, do dia-a-dia desmente muitas vezes os padrões de normalidade, que não constituem regras absolutas.

6- De outro modo, seríamos conduzidos, a coberto de um suposta “normalidade”, resultante da “experiência comum”, para um sistema de convenções apriorísticas, equivalente a uma espécie de prova tarifada, resultado que o legislador não quis e que a própria razão jurídica rejeita, pois equivaleria à definitiva condenação do princípio da livre apreciação da prova.

7- Ainda assim, o Tribunal condenou, sem pejo o recorrente pela prática de um crime de roubo agravado, na forma consumada, p. p. pelo disposto nos artigos 26° e 210°, n°s 1 e 2, al. b) com referência ao artigo 204°, n.º 2, als. a) e f), todos do Código Penal.

8- Concluindo, que quanto ao crime de roubo na forma consumada o recorrente deveria ter sido absolvido, devido a erro notório e nessa senda ter sido absolvido.

9- Como é consabido a desistência há-de ser espontânea e tem de se traduzir em actos adequados a impedir a continuação a evitar a prática do crime: o arguido esperou pela carrinha, viu-a chegar, viu a carregar os valores, não se aproximou da mesma, desceu a rua, mas voltou para trás, quando o co-arguido lhe perguntou o que fazer, disse-lhe para irem embora, e foi nesse momento que foram abordados pela Policia.

10- Importa reter, que os tripulantes da carrinha não se aperceberam de qualquer movimento, o que numa tentativa de roubo, e atendendo ao cadastro que é referenciado do recorrente estes actos seriam postos em execução e em evidência caso este fosse mesmo levar avante o seu plano, a sua tentativa! 11- Desta forma, temos uma tentativa inacabada não punível, por haver uma desistência juridicamente relevante, em virtude do agente/recorrente ter voluntariamente deixado de prosseguir na execução do crime, o que conduziu à não verificação do resultado típico, para o qual os meios eram idóneos.

12- O que se requereu desde o início foi a absolvição do Recorrente quanto a este crime.

13- O sapiente Tribunal da Relação baseou-se nos factos dados como provados pela 1ª Instância, e que constam dos números 15 a 21, sendo a conclusão que a desistência foi forçada.

14- Perante o acervo de factos e de toda a prova carreada o recorrente debaixo da espada de Dâmocles, avoca Vossas Excelências para aplicar a justiça ao caso concreto, abstraindo-se do seu passado.

15- Prevê o art.° 24°, n.°1, 1ª parte, do CP, a desistência da tentativa inacabada (abandono da prossecução do crime), sendo então a tentativa não punível. Necessário é, porém, para o preenchimento da previsão legal, não só que o agente deixe de prosseguir a acção e que a consumação não sobrevenha (situação objectiva), como ainda a convicção do agente de que a interrupção da execução não levará à consumação do crime (situação subjectiva).

16- Atento o circunstancialismo é pedra angular desta questão o facto de a arma não ter sido encontrada na posse do recorrente, e a sua condenação é uma manifesta violação do artigo 32° da CRP.

17- O crime de detenção de arma proibida não pode ser imputado ao recorrente.

18- Segundo o senhor Agente da PSP mais propriamente quando esta enceta perseguição ao Recorrente refere peremptoriamente que «não vi a arma a ninguém. Caso contrário não teria ido a correr atrás dos dois!» 19- O vício da “insuficiência da matéria de facto provada” radica na insuficiência de investigação/apuramento de matéria de facto - resultante da acusação, da contestação, da discussão da causa ou que o Tribunal tivesse o dever de investigar oficiosamente dentro objecto do processo e da aplicação da pena.

20- Facilmente se apura que o recorrente não poderia ter sido responsabilizado pelo resultado dos actos dos outros, porque não se apurou a posse da arma, isto é, não podem uns ser condenados solidariamente, o que importou para si uma pena de 6 anos.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogado o douto aresto recorrido julgando-se procedente o recurso interposto da decisão proferida em primeira instância.

******* O recurso foi admitido por despacho de fls. 1187.

******* A Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal recorrido apresentou a resposta de fls. 1192 a 1197, concluindo: 1. Só se pode considerar que existe violação do princípio "in dúbio pro reo" quando concluída a valoração da prova se conclui que tal valoração não permite chegar a uma conclusão porque existem dúvidas insanáveis sobre a verificação ou não dos factos objectivos e subjectivos.

  1. No caso concreto do roubo agravado a prova que foi considerada pelo tribunal não suscitou qualquer dúvida pelo que não se verifica qualquer inobservância do princípio “in dubio pro reo”.

  2. O princípio da livre apreciação da prova tal como foi consagrado no artigo 127° do CPP não implica qualquer obstáculo a uma correcta apreciação da prova nem impõe decisões afastadas da realidade porque tal princípio objectiva os meios que propiciam a possibilidade e perseguir a verdade material através da livre convicção do julgador e da observância das regras da...

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