Acórdão nº 605/11.4TAOAZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelNUNO GOMES DA SILVA
Data da Resolução21 de Maio de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. – No âmbito do processo nº 605/11.4TAOAZ do então 2º Juízo Criminal de Oliveira de Azeméis foi deduzida acusação imputando a AA a prática de um crime de peculato dos arts. 375º, nº 1 e 386º, nº 1, al. c) do Código Penal[1] O demandante civil BB deduziu pedido civil pedindo a condenação da arguida AA e do Fundo de Garantia dos Agentes de Execução a pagar-lhe a quantia global de € 807.693,71, a título de danos patrimoniais, e € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros legais desde 11 de Maio de 2011 sobre o valor apropriado e desde a notificação sobre o pedido, até integral pagamento.

    Efectuado o julgamento foi decidido por acórdão de 2014.03.03: - Determinar «a remessa das partes para os tribunais civis para aí dirimirem o pedido de indemnização civil ora em causa, exclusivo à demanda contra o Fundo de Garantia dos Agentes de Execução»; - Condenar a arguida AA pela prática do crime de peculato dos arts 375º, nº 1 e 386, nº 1, al. c) do C. Penal na pena de 6 anos de prisão; - Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante BB e condenar a arguida AA a pagar-lhe a quantia de € 507.693,71, a título de danos patrimoniais e € 5.000 a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora desde a notificação até integral pagamento, absolvendo-a da parte restante.

    Interpuseram recurso a arguida a respeito da pena imposta e sua medida e o demandante civil a respeito da decisão de remessa para os meios comuns no tocante ao pedido de indemnização contra o Fundo de Garantia dos Agentes de Execução.

    O demandante civil BB formulou na sua motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1 - Subjazem ao direito processual penal, princípios conformadores das suas regras, desde logo o princípio da suficiência do processo penal, previsto no artigo 7° do Código de Processo Penal, que consiste na competência do tribunal penal para decidir todas as questões prejudiciais penais e não penais que interessem à decisão da causa, assim consignando que o processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e que nele se resolvem todas as questões relevantes, independentemente da sua natureza; 2 – No desenvolvimento desse princípio estruturante decorre, do art° 71° CPP, o estabelecimento de que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei: estamos a falar do chamado princípio da adesão obrigatória da acção civil ao processo penal; 3 - Tal opção do legislador justifica-se "desde logo razões de economia processual e economia de meios, (..) e ainda razões de prestígio institucional, evitando‑se deste modo julgados contraditórios”, neste sentido Ac. RL, 12/02/2009, Proc. n.° 150/98.1 GTALQ-A.L1-3; 4 – Acresce que, mesmo no âmbito das excepções ao princípio da adesão, que vêm previstas no art° 72° do CPP, a dedução em separado é sempre uma opção, "pode ser deduzido em separado”, diz o texto da lei, consagrando-se assim uma regra da opção, portanto, é uma faculdade teleologicamente posta à disposição do lesado; 5 - A excepção ao princípio de adesão, que nos cuida versar é a situação sub judice, e que decorre do reenvio para os tribunais civis, nos termos previstos no n° 3 do art 82°, do CPP, em que o tribunal penal, mediante o qual o pedido cível foi deduzido, se recusa a conhecê-lo, sustando a indemnização em processo penal; 6 - À luz do referido preceito legal, parece-nos, ressalvado o devido respeito, que é sempre muito, que o julgador terá de avaliar, casuisticamente, as questões suscitadas pela dedução do pedido cível, e reenviar, para os meios comuns, se concluir que ocorre grande desvantagem na manutenção da adesão porque as questões suscitadas inviabilizam uma “solução rigorosa”; 7 - Ou seja, e salvo melhor opinião, a pedra de toque desta derrogação não é a protecção de uma decisão rigorosa atendendo a interesses terceiros mas, unicamente, quando esse pouco rigor determinar que os interesses do ofendido poderão ficar, de alguma forma, precludidos; 8 - Aliás, neste sentido veja-se o referido por Maia Gonçalves, in Cód. Proc. Penal Anotado, nota 3 ao art.° 82°, pág. 234, 9ª Ed: “Trata-se de uma disposição cautelar, destinada a evitar que através do sistema de adesão se possa entravar a rápida administração da justiça penal.

    ” 9 - Ressalvado o devido respeito, que é muito, não poderemos sufragar o entendimento de que a decisão de mérito sobre a responsabilidade solidária do FGAE possa ferir o rigor de uma decisão por via do constrangimento da aplicação dos condicionalismos previstos no citado Regulamento n° 484/2011; 10 - Desde logo, porque aquilo que está em causa é saber se os factos constantes da acusação pública ocorrerem? se sim quais as suas consequências patrimoniais? e se as houve quem são os seus responsáveis — quem por elas responde? Ora, parece que a todas estas questões a resposta é positiva e ainda que existam circunstancialismos que condicionem o pagamento de um ressarcimento pelo FGAE, o facto é que tais condicionalismos são alheios ao presente processo; 11 — O que releva para a decisão acerca da responsabilidade solidária do FGAE é que a arguida beneficia do mesmo, o acto criminoso que praticou foi-no no exclusivo exercício da sua actividade, pelo que o FGAE é solidariamente responsável com a arguida pois este visa garantir o cumprimento das obrigações assumidas pelos seus beneficiários, no exercício das suas funções, art.° 127°-A do Estatuto de Câmara dos Solicitadores; 12 — Acresce, igualmente, a situação em causa não se olvidando que o Queixoso é pessoa já idosa, está há sete anos que está sem o referido valor, por ter sido vítima de um crime de peculato — facto que coloca a imagem da Justiça, em causa; 13 - A douta sentença agora em crise, ao declarar-se alheia ao conhecimento da condenação do FGAE, e ordenando que se recorra a meios comuns para se declarar que o FGAE é responsável para o pagamento do valor (pelo menos parte), vem procrastinar a assunção de uma responsabilidade que nem sequer está em causa, pois existe; 14 - O que está, verdadeiramente, em causa é a liquidação do valor que aquele Fundo deverá liquidar e pagar ao Queixoso e, salvo melhor opinião, isso é alheio ao caso em apreço, é algo que será o próprio Fundo a invocar no lugar e no momento próprio - no máximo, e muito embora não se subscrevendo o agora aventado, sempre uma condenação no presente processo seria compaginável com o acautelamento dos condicionalismos previstos no invocado Regulamento, através da remissão para um incidente de liquidação em execução de sentença do valor a ser pago pelo FGAE, nos termos do art.° 706° n.° 6 do Cód. Proc. Civil; 15 – Antes o exposto, o recurso aos meios comuns é de tal forma redundante, que conforma uma grave violação do princípio de economia processual, ao acarretar uma duplicação, efectiva e sucessiva, de processos; 16 - Cremos que, à míngua de outros condicionalismos, os requisitos específicos cm que a indemnização paga pelo FGAE se processa, são contas de outro rosário.

    17 — Por outro lado, pedido de indemnização cível foi recebido – vide despacho de 10/10/2013 e ao tempo não foi colocada ou levantado qualquer incidente ou questão, desde logo por parte do FGAE; 18 - Ora, no caso dos autos, e feita a prévia ressalva por melhor entendimento, não se consegue vislumbrar, na decisão recorrida, onde é que a falta de rigor poderia inquinar a decisão natural e consequente de condenação do FGAE como responsável solidário pelos actos da arguida.

    19 - Cremos que não será razoável que tal circunstância – de índole meramente adjectiva – possa ser fundamento para remeter as partes para os tribunais civis; 20 - Em suma, no caso em análise, nenhuma das referidas situações previstas no n° 3 do art° 82° CPP se verificam, pelo que o uso daquela faculdade se mostra manifestamente injustificado pelo que se conclui que a douta sentença recorrida, ao remeter o Ofendido para os meios comuns, violou o disposto no artigo 71° e o n° 3 do artigo 82°, ambos do C.P.P.

    Termina pedindo a revogação da decisão e a sua substituição por outra que condene o FGAE como solidariamente responsável pelos danos patrimoniais causados pela arguida.

    A arguida formulou na sua motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1. Salvo o devido respeito por melhor opinião, o Tribunal "a quo", na determinação da medida da pena, não apreciou devidamente as circunstâncias que depuseram a favor da arguida e dadas como provadas.

  2. A pena aplicada à ora recorrente é excessiva, para além de que violou o disposto no art.° 71° do C.P.P, ao não ter em consideração na determinação da medida da pena todos os factos que depuseram a favor da arguida, nomeadamente o grau de ilicitude, a situação pessoal; o seu comportamento anterior e posterior à prática do crime, a idade da arguida, o facto de a arguida ter confessado os factos e ter demonstrado arrependimento, o facto de a arguida não ter tido qualquer proveito com o dinheiro, continuando a exercer o seu trabalho até à sua suspensão.

  3. Importa ponderar a favor da arguida, os elementos constantes do relatório social junto aos autos, e deve ter-se em especial consideração os factos provados 25 e 26, que se dão por integralmente reproduzidos, quanto às condições sociais e pessoais.

  4. Quanto à prevenção especial devia o tribunal ter tomado em consideração o facto de a arguida à data dos factos não ter antecedentes criminais; a arguida confirmou na íntegra e sem reservas, duma forma totalmente convincente, de forma livre e fora de qualquer coacção, os factos por que vinha acusada; a todo o passado da arguida, nele se incluindo as habilitações literárias, as condições sociais, familiares e económicas, etc, designadamente as existentes na data da prática dos factos, bem assim as suas condições de vida actuais; a recorrente apenas não ressarciu o ofendido porque não tinha condições...

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