Acórdão nº 1725/12.3TBRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Maio de 2015
Magistrado Responsável | JOÃO CAMILO |
Data da Resolução | 05 de Maio de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, em 7-03-2012, no Tribunal Judicial de Braga, contra BB, S.A e CC, Lda.”, pedindo que: - Se declare resolvido o contrato de compra e venda do veículo automóvel celebrado entre o autor e a 1.ª ré, desde 15.03.2010; - Se condenem as rés a restituir-lhe 41.000,00 Eur. (quarenta e um mil euros), acrescidos de juros desde 15.3.2010, correspondente ao preço do veículo que adquiriu à 1ª R. até integral pagamento; - Se condenem as rés a pagar-lhe uma indemnização no valor de cinco mil euros (5.000,00 Eur.), a título de danos não patrimoniais.
Caso assim não se entenda, subsidiariamente, requer que se condene a 1.ª ré a substituir o veículo por outro com as mesmas características, no estado de novo, ou a entregar-lhe o veículo devidamente reparado e em perfeitas condições de funcionamento, apto a circular em segurança, sem qualquer avaria, tudo sem prejuízo de serem as duas rés condenadas no pagamento da indemnização referida de cinco mil euros.
Alega, em síntese, que a 15 de Março de 2010, adquiriu à 1.ª ré, concessionário da 2.ª ré, o veículo automóvel da marca CC, modelo …, de matrícula IV, no estado de novo pelo preço de 41.000,00 Eur. (quarenta e um mil euros), que pagou em numerário.
Sucede que o veículo logo a partir dos seis mil quilómetros, uns meses após a compra, nomeadamente em inícios de Agosto de 2010, começou a ter falhas de aceleração e na embraiagem, o que se foi reiterando ao longo do tempo, sendo que apesar das suas sucessivas colocações nas oficinas da 1.ª ré para reparação, nunca tais problemas foram sanados, o que o levou a reclamar, por escrito, por telefone e pessoalmente quer junto da 1.ª quer junto da 2.ª ré.
Entre as reclamações o carro ficou nas instalações da 1.ª ré pelo menos em 15.11.2010, 23.2.2011, 7.6.2011, 30.8.2011 e 29.11.2011, sendo substituída a embraiagem, feitas diversas actualizações do sistema e substituído o motor.
Porém, manteve-se o problema da embraiagem, pelo que o carro ao fazer-se ponto de embraiagem treme, por vezes fumega e arranca a velocidade mínima, não desenvolve de forma a fazer um arranque seguro, dando a sensação que vai desligar-se.
Desde a última tentativa de reparação o veículo é utilizado para situações pontuais na vida do autor, face ao receio que ele e a esposa sentem ao conduzir o mesmo, desde logo porque o mesmo causa distúrbios na circulação, tendo de ser imobilizado de forma repentina.
O autor e a esposa circulam agora diariamente num veículo de dois lugares, cedido por familiar, o que os obriga a sujeitar-se a favores quando precisam de fazer viagens longas ou se for necessário transportar outros familiares ou amigos, a todo o transtorno causado acresce o desgosto do autor, que amealhou dinheiro para comprar o veículo que idealizou e obteve um veículo como o descrito.
Citada a 2.ª ré contestou de fls. 66 e seguintes, por excepção, alegando ser o autor parte ilegítima por estar a demandar relativamente a um bem comum do casal sem o cônjuge ou o seu consentimento.
Por impugnação alega inexistir qualquer desconformidade. O veículo dos autos tem um motor N..., que optimiza o consumo do combustível e o comportamento do motor a baixa rotação, implicando uma condução ligeiramente adaptada, que implica que o uso da embraiagem seja feita doseando o acelerador e o curso daquela, de forma gradual e progressiva, em todos os arranques, e sobretudo em casos em que há subidas de forte inclinação. O autor tem conhecimento destas recomendações da marca.
Quem conduz habitualmente este veículo é o autor, porém a sua esposa também o usa, sendo que esta conduz habitualmente um veículo de caixa automática que determina dificuldades acrescidas de condução de um veículo como o dos autos.
A não utilização daquele método de arranque implica o desgaste da embraiagem, devido à fricção provocada e consequente aumento de temperatura do disco, volante do motor e prato de embraiagem. Este desgaste anormal provoca os descritos “tremores” e “repelões”, porém tal não limita a capacidade de deslocação do veículo, nomeadamente a realização de viagens de longo curso, pelo contrário será no pára-arranque citadino que tal poderá suceder. E tal vibração não põe em causa a segurança dos passageiros ou do condutor, pelo que não estão previstas as condições do art. 2.º, n.º 2 do D.L n.º 67/2003.
Em Janeiro de 2012 foi proposto ao autor a substituição da embraiagem do veículo por uma nova versão daquele componente (desenvolvido pelo fabricante no final do ano de 2011), sem custos, o que o autor recusou.
Uma vez que o contrato que o autor pretende seja resolvido foi celebrado entre ele e a 1.º ré, mesmo a ser resolvido, não pode ser a 2.ª ré condenada a restituir-lhe o preço, mesmo considerando as excepções ao princípio da relatividade dos contratos, já que a responsabilização do produtor, prevista como excepção aquele principio no art. 6.º do D.L n.º 67/2003, se limita à “reparação ou substituição” da coisa defeituosa. E ainda que se considerasse poder a 2.ª ré ser assim condenada nunca o seria pela totalidade do preço, já que tem de ser contabilizado e deduzido do valor a restituir o benefício que o veículo proporcionou ao autor desde a venda até à entrega à 1.ª ré, por eventual resolução, sob pena de o autor ter uma vantagem económica injustificada, ao usar o veículo por mais de dois anos e com o mesmo ter percorrido cerca de 40.000 Kms.
Segundo dados da Eurotax de Abril de 2012 o valor do veículo dos autos é de 31.300,00 Eur. (trinta e um mil e trezentos euros), tendo sofrido desvalorização de 9.700,00 Eur. (nove mil e setecentos euros), valor que sempre deve ser abatido ao preço que eventualmente se decida condenar as partes a restituir ao autor.
Concluiu ainda pela improcedência do pedido de condenação das rés em juros que só serão devidos a partir da eventual resolução do contrato.
Quanto aos danos não patrimoniais além destes não merecerem tutela face ao que foi alegado é excessivo o valor peticionado quanto aos mesmos.
Quanto aos pedidos subsidiários não existindo qualquer desconformidade, e face ao disposto no art. 2.º, n.º 2 do D.L n.º 67/2003, não podem proceder, porém, ainda que se aplique o disposto no art. 6.º, n.º 1 a exigência ao produtor da reparação ou substituição do bem só pode ocorrer se “não se manifeste desproporcionada”. Ora, tendo facultado ao A. uma solução alternativa – substituição da embraiagem por outra de última geração, apta a eliminar o efeito de “vibração” produzido pela técnica de não utilização de arranque recomendada, não pode proceder o pedido de substituição, por manifestamente desproporcionado.
Também a 1ª R. contestou, defendendo-se por excepção e impugnação, invocando os mesmos factos e argumentos da 2ª R.
O autor replicou. Quanto à excepção de ilegitimidade invocou que o veículo é um bem próprio dele, porquanto adquirido em 15.3.2010, com dinheiro seu, antes do casamento que apenas foi celebrado em 27 de Julho de 2010.
Quando adquiriu o veículo, não lhe foi dada qualquer explicação sobre a necessidade de uma condução especial, nem foi alertado para qualquer especificidade da embraiagem.
Relativamente ao abuso do direito, alegou que o recurso à via judicial foi o último recurso já que andou a tentar resolver o assunto extra-judicialmente junto da 1.ª ré, aceitando sucessivas intervenções, recusando sim a última proposta por entender que não está obrigado a aceitar sucessivas e eternas intervenções num veículo que adquiriu novo, nem tão-pouco tinha de acreditar que a proposta substituição pelo novo modelo de embraiagem ia resolver a situação, já que isso foi feito antes.
Por fim, quanto à dedução do valor da desvalorização da viatura no preço a restituir, deverá a mesma ser equitativamente fixada pelo tribunal, sem uso a tabelas de mercado, atendendo a que o veículo não proporcionou ao autor uma utilização normal.
Foi dispensada a realização da audiência preliminar, tendo sido proferido despacho saneador, onde se conheceu a excepção de ilegitimidade activa, que se julgou improcedente, bem como foi feita a selecção dos factos assentes e da matéria controvertida.
Foi requerida perícia ao veículo que foi admitida, tendo sido junto o relatório pericial a fls. 253 a 259.
Procedeu-se à realização do julgamento e a final foi proferida sentença que decidiu: “- Declarar resolvido o contrato de compra e venda celebrado entre o autor e a 1.ª ré a 15.3.2010 e que teve por objecto o veículo de matrícula IV; - Condenar a 1.ª ré “BB, S.A” a restituir ao autor a quantia de 28.000,00 Eur. (vinte e oito mil euros), correspondente ao preço deduzido da desvalorização entretanto sofrida pelo veículo, a acrescer de juros caso não entregue a 1.ª ré o valor fixado ao autor após o trânsito da decisão, contando-se desde aí juros à taxa civil, e contra a restituição do veículo pelo autor à mesma 1.ª ré, também após o trânsito da decisão; - Condenar solidariamente as 1.ª e 2.ª rés a pagar ao autor a quantia de 1.000,00 Eur. (mil euros), a título de danos não patrimoniais sofridos, absolvendo-as do restante valor peticionado.” A ré CC veio a requerer a reforma...
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