Acórdão nº 3327/07.7TBVLG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução28 de Maio de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório: AA intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra o ESTADO PORTUGUÊS, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 63.000,00, a título indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento.

Para fundamentar o seu pedido alegou, em síntese, que em acção executiva intentada contra o, na altura, seu marido e após ter sido penhorado um imóvel, bem comum do casal, a autora não foi citada nos termos do artigo 864º do Código de Processo Civil, apesar de tal citação ter sido ordenada por despacho judicial, prosseguindo a execução para a fase da venda coerciva, entretanto ordenada pelo magistrado, sem se certificar de que estava efectuada.

Sendo de aplicar o disposto no artigo 864º, 3, do Código de Processo Civil, em vigor à data dos factos (antes da revisão do CPC de 2003), a venda realizada não poderia ser anulada.

Fundou ainda o seu pedido na responsabilidade civil extracontratual do Estado no âmbito da sua função jurisdicional.

Em consequência, alegou que sofreu danos, porquanto o imóvel penhorado foi adjudicado ao então reclamante hipotecário (banco que havia concedido empréstimo para aquisição do imóvel com hipoteca) pelo preço de € 62.000,00, que é inferior ao seu custo real – € 120.000,00 –, pelo que teve um prejuízo de € 58.000,00 (€ 120.000,00 - € 62.000.00), montante que permitiria pagar ao banco o remanescente da dívida, quantia que, por seu lado, aquela instituição bancária ainda exige noutra acção executiva.

Uma vez que o seu nome se encontra na lista de clientes bancários de risco, face ao débito bancário ainda existente, tem graves prejuízos a título de danos não patrimoniais, os quais computa em € 5.000,00.

Na contestação o réu excepcionou a incompetência em razão da matéria e impugnou a facticidade alegada pela autora, sustentando ainda que, não tendo sido pedida pelo exequente a citação do cônjuge do executado quer nos termos do artigo 825º, quer aquando do requerimento para cumprimento do artigo 864º do Código de Processo Civil, esta formalidade não poderia ser cumprida oficiosamente, pelo que a invocada omissão não poderá ser imputada ao réu a título de dolo ou de negligência, esta grosseira, recaindo a obrigação de indemnizar sobre o exequente.

Na réplica a autora defendeu a competência material dos tribunais comuns, especificamente da comarca de Valongo, para conhecer da acção, concluindo que o réu litiga com manifesta má fé.

Houve tréplica.

A excepção da incompetência material do tribunal foi julgada procedente, após o que os autos foram remetidos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, o qual se declarou, igualmente, incompetente.

O Tribunal de Conflitos veio a declarar competente a jurisdição comum.

Após a audiência final foi proferida a sentença, que julgou a acção improcedente e absolveu o réu Estado Português dos pedidos formulados.

Desta sentença apelou a autora.

O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 9 de Julho de 2014, decidiu: «julgar procedente a apelação, revogar parcialmente a sentença recorrida e (…) condenar o Estado Português a pagar à A. a quantia que se vier a apurar em incidente de liquidação, reportada à data da venda judicial, mas tendo em consideração um valor nunca inferior a € 80.000,00, nem superior a € 120.000,00 para o imóvel em causa e correspondente a metade do diferencial entre esse valor apurado e aquele pelo qual foi adjudicado (vendido)».

Inconformado, recorreu de revista o Mº P, em representação do réu Estado.

Alegou e formulou a seguinte síntese conclusiva: I - As questões colocadas em sede de recurso de apelação não foram resolvidas pelo Tribunal recorrido, nomeadamente a questão da aplicação aos autos dos artigos 864º nº 3 ou 921º do CPC, nada referindo o acórdão a esse respeito, pelo que deve ser declarado nulo, nos termos do artigo 668º nº 1 alínea d), 1ª parte por força do disposto no artº 721º nº 2 do CPC, dada a omissão de pronúncia sobre uma questão suscitada pelas partes e com interesse para a decisão da causa.

II - Com efeito, resulta dos autos que a A estrutura todo o seu pedido, como resulta dos autos e das conclusões do seu recurso da sentença da 1ª instância, na alegação de que todo o seu dano se deveu ao estipulado no nº 3 do artº 864º do CPC então em vigor e nos termos do qual se viu coarctada de anular a venda ocorrida, deixando, assim, os Exms Senhores Desembargadores no acórdão recorrido de se pronunciar sobre uma questão da qual deviam, salvo melhor opinião, tomar conhecimento.

III - Entende-se tal como o Professor Anselmo de Castro, que o regime aplicável à falta de citação do executado, é o da anulação da execução na parte respectiva (art° 921, n° 1) e não o regime para a falta de citação dos credores, previsto no artº 864º, nº 3.

IV - A falta de citação do cônjuge redunda em penhora ostensivamente feita em bens alheios – os bens comuns nomeados, logo não pode caber-lhe outro regime senão o estabelecido para a falta de citação do executado, da anulação da execução na parte respectiva, (art° 921, n° 1), pois o cônjuge não é, ou, está, na emergência de ser executado"( Professor Anselmo de Castro, Acção Executiva, 1977, ps 196-197).

V - Acresce que o artº. 22 da CRP e artigos 2º. n.º 1, 6 e 7, todos do Decreto-Lei n." 48.051, de 1967.11.21, regulam a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, no domínio dos actos de gestão pública, pois a acção foi instaurada em 24.7.2007, antes da lei nº 67/2007de 31.12.

No caso em apreço, o Estado Português foi condenado por acto ilícito culposo.

VI - Contudo, para que se verifique tal responsabilidade é necessário que se preencham os requisitos, ou pressupostos, clássicos da obrigação de indemnizar no âmbito do direito civil: facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade.

VII - Ora, no caso concreto, inexiste facto ilícito, inexiste nexo de causalidade entre o facto (falta de fiscalização) e os danos patrimoniais. nos quais o Estado foi condenado, Não existe facto ilícito, culposo, pois o erro praticado, não é grosseiro e de tal forma grave, não se verificando o nexo de causalidade adequada à produção de qualquer dano, só com aquela actuação, pois a A ora recorrida nada fez para proceder à nulidade da citação e anulação da venda nos termos do artº 921º do CP C, entre outros meios que teria ao seu alcance.

VIII - Por outro lado, os factos assentes e relacionados com os danos têm todos, também, como causa adequada a falta de actuação por parte da recorrida IX - Deste modo, o acórdão recorrido violou, por erro de interpretação, os artigos 22°, da Constituição da República Portuguesa, e os artigos 2°, n.ºs 1, 6 e 7, todos do Decreto-Lei n.º 48.051, de 1967.11.21, 668º, n° 1 d), 1ª parte, e 721º, n° 2 do CPC.

Termos em que, declarando-se a nulidade do acórdão recorrido ou, então, revogando-se o mesmo e mantendo-se a decisão da 1ª instância, e, em consequência, absolvendo-se o Estado Português do pedido contra ele formulado, se fará Justiça.

A autora contra-alegou, defendendo a manutenção do julgado.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. Fundamentos: De facto: Os factos provados, considerando a procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto no âmbito do recurso de apelação, são os seguintes: A) A A. casou com BB em 23 de Junho de 1991, tendo o respectivo casamento sido dissolvido por divórcio decretado em 31 de Janeiro de 2005 (certidão de fls. 43/44 destes autos) B) Na constância do matrimónio, por escritura pública de compra e venda de 27/02/1997, a A. e o então seu marido adquiriram uma habitação no terceiro andar direito e um lugar de aparcamento, na cave do prédio urbano sito na Rua de …, nº … e ..., da freguesia de Ermesinde, concelho de Valongo (certidão de fls. 45 a 51 destes autos), descritas na Conservatória do Registo Predial de Valongo como fracções autónomas urbanas designadas pelas letras “I” e “I1” sob o nº 00845/041186, da freguesia de Ermesinde, concelho de Valongo e inscritas na matriz predial urbana sob o artº. nº 5286-I da 2ª Repartição de Finanças de Valongo (certidão de fls. 52 a 56 destes autos).

  1. Em 2 de Maio de 2001 o Condomínio do Edifício sito à Rua de … n.ºs …, … e … intentou neste Tribunal Judicial de Valongo acção executiva para pagamento de quantia certa, nos termos do disposto no art. 1º do DL n.º 274/97, de 8 de Outubro, que segue a forma sumária, com base em acta de assembleia do condomínio, contra BB, a qual foi distribuída ao 2º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, sendo-lhe atribuído o nº492/01.0TBVLG.

  2. Peticionou de quotas de condomínio, juros e outras quantias, o montante total de Esc. 206.669$00.

  3. Com a petição inicial o exequente juntou aos autos certidão do registo predial do imóvel descrito na...

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