Acórdão nº 2615/11.2TBBCL.G2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução28 de Maio de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - AA intentou acção declarativa de reconhecimento judicial de paternidade contra BB pedindo que este seja reconhecido como seu pai e seja ordenada a alteração do respectivo assento de nascimento.

Alegou que nasceu no dia 17-5-65, tendo sido registado sem nome do pai e avós paternos, e apenas muito recentemente tomou conhecimento, através de sua mãe, que o R. seria seu pai.

O R. contestou excepcionando a caducidade do direito do autor intentar a presente acção, nos termos do disposto nos arts. 1873º e 1817º do CC. Contestou ainda por impugnação, aceitando que manteve um relacionamento amoroso com a mãe do autor até 1963, sendo que, durante o período de concepção do A., a sua mãe manteve relações sexuais com mais de 4 homens, podendo qualquer um deles ser o pai do A. Além disso, o A. já há mais de 15 anos que vem propalando que o R. pode ser seu pai.

Replicou o A. para dizer que o preceito invocado pelo R. para sustentar a caducidade é inconstitucional, sendo que a acção de reconhecimento judicial de paternidade foi intentada em tempo, por se entender que o direito fundamental, inviolável e imprescindível de conhecer a paternidade não tem prazo. No mais manteve o já alegado na petição inicial, sustentando a exclusividade do relacionamento sexual de sua mãe com o réu.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido julgada improcedente a excepção de caducidade invocada pelo R.

O R. interpôs recurso de apelação do despacho saneador, na parte em que apreciou a excepção de caducidade, tendo a Relação considerado caduco direito do A., em face do nº 1 do art. 1817º do CC (prazo máximo de 10 anos após a maioridade). Porém, ordenou o prosseguimento dos autos para apreciação da mesma excepção de caducidade, tendo em conta a matéria que fora alegada em torno da previsão da al. c) do nº 3 do art. 1817º, em conjugação com o art. 1873º (prazo de 3 anos a contar do conhecimento superveniente de factos que justifiquem a investigação da paternidade).

Este acórdão foi sumariado nos seguintes termos: “1 - O prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no art. 1817º, nº 1, do CC, na redacção da Lei nº 14/09 de 1-04, é suficiente para o exercício maduro e ponderado do direito de propor acção de investigação de paternidade, não exigindo o princípio constitucional de protecção do direito fundamental à identidade pessoal, a imprescritibilidade deste tipo de acção.

2 – Este entendimento está consagrado na decisão proferida em plenário do Trib. Const. e exarada no Ac. nº 401/2011 de 22-9-11, que não julgou inconstitucional essa norma, decisão essa que vem sendo seguida pelas decisões mais recentes desse Tribunal.

3 – Os prazos de 3 anos referidos nos nºs 2 e 3 do art. 1817º do CC, contam-se para além do prazo fixado no nº 1 do mesmo artigo, não caducando o direito de propor a acção de investigação de paternidade antes de esgotados todos eles”.

Tal acórdão da Relação transitou em julgado, prosseguindo os autos na 1ª instância, onde foi proferida sentença que também julgou verificada a caducidade do direito de investigação sustentada no art. 1817º, nº 3, al. c), do CC, absolvendo o R. do pedido.

O A. apelou e a Relação confirmou a sentença, concluindo pela inexistência de inconstitucionalidade do normativo que prevê a concessão de um prazo de 3 anos para a instauração de acção de investigação de caducidade ao abrigo do art. 1817º, nº 3, al. c), do CC.

O A. interpôs recurso de revista concluindo:

  1. O A. visa invocar, por via do art. 1873° do CC, a inconstitucionalidade dos nºs 1 e 3, do art. 1817° do CC.

  2. A interpretação das ditas normas, à luz da redacção actual, é violadora do princípio da igualdade plasmado na CRP, uma vez que quem, não obstante a sua idade, intentou acção de investigação de maternidade/paternidade no período compreendido entre a declaração de inconstitucionalidade da norma constante do n° 1 do art. 1817° do CC, na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 21/98, de 12-5, viu, independentemente de prazo, reconhecido o seu direito à identidade pessoal e estabelecida a maternidade/paternidade.

  3. Quem, independente dos motivos, com a mesma idade daqueles outros, não procedeu à instauração da sobredita acção nesse período está completamente vedado ao reconhecimento dos mesmos direitos.

  4. No caso dos autos, o insucesso do reconhecimento da sua paternidade do recorrente está relacionado com o período da sua vida em que decidiu desencadear temática afectivamente difícil e exigente e importunar a sua mãe na prestação de depoimento íntimo destinado à averiguação do seu pai.

  5. O recorrente, que é filho do recorrido, não vê reconhecido o seu direito à identidade pessoal e reconhecida a sua paternidade, só porque instaurou a sua acção em 6-9-11, isto é, em data posterior àquela em que era possível reconhecer a paternidade independentemente de prazo.

  6. São inconstitucionais as previsões legais postas em crise, os nºs 1 e 3 do art. 1817° do CC, na interpretação de que a sua redacção actual tem aplicação erga omnes e não é manifestamente violadora do princípio da igualdade plasmado no art. 13° da CRP.

  7. Ao decidir como decidiu, não aderindo ao acórdão do STJ de 15-11-11 (e julgando constitucional a aplicação do actual do n° 1 e n° 3 do art. 1817° do CC, por via do art. 1873°), o Tribunal a quo não interpretou correctamente as normas dos arts. 13°, nºs 1 e 2, 18°, n°s 1 e 2, 26°, n° 1, e 36°, n° 1, da CRP, pelo que a decisão deve ser alterada e ser proferida decisão que reconheça que o recorrente é filho do recorrido.

  8. Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado procedente e declarar-se a inconstitucionalidade dos nºs 1 e 2 do art. 1817° do CC.

Houve contra-alegações.

Cumpre decidir.

II - Factos provados: 1. No dia 17-5-65, nasceu em Barcelos um indivíduo de sexo masculino a quem foi dado o nome de AA, o aqui A., o qual foi registado na CRC de Barcelos como filho de CC e sem nome do pai e de avós paternos; 2. O R. e mãe do A. conheceram-se numa festa/romaria, visto que o R. era músico e frequentava todas as romarias para que era convidada a banda de música que integrava; 3. O R. e a mãe do A. namoraram durante cerca de 4 anos, tendo a relação terminado com o nascimento do A., em Maio de 1965; 4. Durante a sua...

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