Acórdão nº 123/06.2TBVS.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução28 de Maio de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. AA e BB instauraram, em 12-07-2006, acção declarativa constitutiva, sob a forma ordinária, contra CC e mulher DD e Herança aberta por óbito de EE, representada em juízo por: (i) Reverendíssimo Senhor Arcebispo de Évora, D. FF, na qualidade de testamenteiro do de cujus e na qualidade de administrador vitalício da obra de assistência a pessoas idosas residentes na freguesia de Galveias, a criar após o falecimento; (ii) CC; (iii) GG; (iv) HH e mulher II; (v) JJ e mulher KK; (vi) LL e mulher MM; (vii) NN e mulher OO; (viii) PP; (ix) QQ; (x) RR; (xi) SS; (xii) TT; e (xiii) UU.

Formularam os seguintes pedidos: 1) Que se declarem todos os réus como únicos interessados na herança aberta por óbito de EE; 2) Que se declarem nulas ou anuladas as escrituras públicas referidas nos arts. 4.º e 5.º e 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º 11.º, 12.º, 13.º e 14.º, da petição inicial (documentos 6 e 7); 3) Que se declare nula ou anulada a partilha referida no art. 15.º da petição inicial; 4) Que se anule as aquisições, pelo réu CC e pelo falecido EE, dos prédios identificados nos arts. 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º e 14.º da petição inicial (documento 7); 5) Que se condenem os réus a reconhecer o decidido sob 1) a 4); 6) Que se ordene o cancelamento dos registos de aquisição a favor do réu CC e do falecido EE, dos prédios identificados nos arts. 6.º a 14.º da petição inicial, bem como todos os que se tenham efectuado posteriormente.

Alegaram, em síntese, que são os únicos netos de VV, falecida em 17-06-2002, casada que foi, no regime de separação total de bens, em primeiras núpcias de ambos, com XX, falecido a 13-01-2003, de quem teve dois filhos:- CC - pai dos autores e ora 1.º réu -, e EE, falecido em 17-10-2005.

Por escritura pública de 11-10-2002, XX, cônjuge sobrevivo, e os filhos CC e EE foram habilitados como únicos e universais herdeiros de VV. Por escritura pública de 11-12-2002 os três habilitados herdeiros procederam à partilha dos bens deixados por morte de VV: todos os bens imóveis, rústicos, mistos e urbanos foram adjudicados, em comum e partes iguais, aos filhos, tendo o pai recebido as tornas em dinheiro. Na mesma data, partilharam entre si, do mesmo modo, os bens móveis deixados por VV.

Por escritura pública de 29-01-2003, CC e EE habilitaram-se como únicos e universais herdeiros do pai XX, que não deixou bens. Após a abertura do testamento de EE - o qual faleceu solteiro e sem filhos e instituiu, por testamento de 25-02-2005, seus legatários todos os 2.º réus e respectivos cônjuges - os autores vieram a ter conhecimento de que, em 16-07-1979, fora lavrado testamento por VV, instituindo-os únicos e universais herdeiros da sua quota disponível, em comum e partes iguais. A omissão, na escritura de habilitação de herdeiros de 11-10-2002 da existência desta disposição testamentária, acarreta a nulidade ou a anulabilidade do acto, bem como das subsequentes partilhas de bens imóveis e móveis.

Contestou a ré GG, alegando, em síntese, que os familiares mais próximos de VV que se habilitaram seus únicos e universais herdeiros estavam seguros de que esta não havia feito qualquer disposição testamentária, pois em 03-05-2002 emitiu uma procuração/doação a favor dos filhos, com poderes especiais e sem caducidade por morte, onde expressou a verdadeira declaração de última vontade a respeito do destino dos seus bens imóveis, conforme documento que juntou como n.º 1, nos termos do qual lhes conferiu poderes para doar (exclusivamente) a eles, seus filhos, em comum e em partes iguais, com dispensa da colação e com reserva de usufruto a favor dela e de seu marido, todos os bens imóveis ali identificados, tendo emitido uma outra procuração, na mesma data e conjuntamente com o marido, a, além do mais, na parte relevante, conferir os mesmos poderes, nos mesmos termos, porém, com referência a um único prédio rústico, sito em Portalegre. Os bens móveis referentes à casa e ao recheio desta, partilhados, eram propriedade da irmã de VV, ZZ, que os havia deixado aos dois irmãos, seus sobrinhos. E as jóias de VV foram doadas, em vida desta, à sua neta, a autora AA.

Contestou a ré Herança Aberta por óbito de EE, representada por Sua Excelência Reverendíssima, o Senhor Arcebispo de Évora, arguindo a excepção dilatória de incompetência territorial do Tribunal Judicial da Comarca de Avis, por, atento o pedido formulado em 1), ser competente o tribunal do lugar da abertura da sucessão, no caso, o Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Sôr, correspondente ao lugar da residência habitual do “de cujus”, à data do óbito. Alegou, ainda, que, considerando parcos os factos alegados pelos autores que permitiriam contextualizar as circunstâncias de tempo, modo e lugar da “descoberta” do testamento de 1979, não é possível clarificar qual a actualidade dessa manifestação de vontade, isto é, se esta manifestação de vontade foi a última e se, nomeadamente, à data da sua morte, em 17-06-2002, se mantinha actualizada, até pelo dificilmente compreensível desconhecimento da mesma pelos entes mais próximos da testadora, como o marido e os filhos, e bem assim, pelas próprias testemunhas da habilitação exarada em escritura pública de 11-10-2002. Só na posse destes elementos factuais se poderá concluir ou pela nulidade/anulabilidade requerida ou pela posição contrária.

Replicaram os autores, pedindo a improcedência da excepção de incompetência territorial do Tribunal Judicial da Comarca de Avis, por ser este o competente para preparar e julgar a presente acção, onde se cumulam diversos pedidos, sendo o principal o pedido de anulação das escrituras públicas já identificadas. Alegaram ainda que a procuração invocada pela ré GG confere apenas poderes representativos e que estes já se extinguiram com o óbito de EE, que faleceu sem a ter usado, tendo ambos os procuradores renunciado à mesma quando outorgaram, sem dela fazerem uso, a escritura de partilhas que agora se pretende anular. Caso VV quisesse revogar o testamento de 1979, ter-se-ia socorrido dos instrumentos legais ao dispor, isto é, outorgaria testamento ou escritura pública posterior.

Proferido despacho de convite a aperfeiçoamento, apresentaram os autores nova petição inicial, onde reiteraram o inicialmente alegado e acrescentaram que, numa consulta ao advogado signatário da peça processual (leia-se, petição inicial), tomaram conhecimento da existência de testamento outorgado por EE e questionaram-se sobre qual a forma de saber de todos os testamentos, visto que não tinham sido contemplados no testamento do tio e que a maior parte do prédio deste provinha de sua mãe e avó dos autores. Foram, então informados que poderiam aceder a tais dados junto da Conservatória dos Registos Centrais, onde se dirigiram, e vieram a saber da existência de um testamento público da avó outorgado no Cartório Notarial de Alter do Chão, onde novamente se dirigiram, vindo a aceder ao teor do documento, em 04-11-2005. Mais acrescentaram desconhecer a relação dos bens móveis partilhados entre pai e filhos, com adjudicação dos mesmos, em comum e partes iguais, para os últimos, tendo o primeiro recebido em dinheiro as correspondentes tornas.

Contestaram os réus HH e mulher II; JJ e mulher KK; LL e mulher MM; NN e mulher OO; PP; QQ; RR; SS; TT; UU, invocando as excepções peremptórias de caducidade do testamento; de simulação processual, do abuso de direito e da caducidade do direito à anulação da partilha de 11-12-2002.

Alegaram, em suma, que o testamento de 16-07-1979 não constitui disposição de última vontade da falecida VV, pois que, em data anterior a 03-04-2002, a falecida VV e o seu marido XX formaram a vontade de dispor de todos os seus bens, em comum e partes iguais, a favor de seus dois únicos filhos, o R. CC e o falecido EE, na sequência do que, nessa data, os mandataram para praticarem os actos necessários à concretização das suas últimas vontades expressas, e, assim, VV emitiu a procuração que lhes conferiu “os poderes necessários para doar a eles mandatários, seus filhos…”, todos os imóveis ali discriminados de que era exclusiva proprietária, e que tais doações “deverão ser feitas em comum e partes iguais aos donatários, com dispensa de colação, com reserva de usufruto a favor dela doadora e de seu marido”, mais lhes conferindo poderes para “outorgar e assinar as competentes escrituras; e ainda proceder a quaisquer partilhas judiciais ou extrajudiciais (…) e de um modo geral, praticar e assinar tudo o que se torne necessário aos indicados fins”; e, no mesmo dia 03-04-2002, XX e VV emitiram outra procuração, mediante a qual nomearam seus procuradores os aludidos filhos, tendo-lhes conferido “os poderes necessários para doar a eles mandatários, seus filhos” o prédio rústico sito na freguesia de Urra, concelho de Portalegre, e uma quota na sociedade por quotas de que era titular exclusivo, o mandante, determinando ainda que “as doações deveriam ser feitas em comum e partes iguais aos donatários, com dispensa de colação, com reserva de usufruto a favor deles doadores, mais lhes conferindo os poderes necessários para “outorgar e assinar as competentes escrituras; … e de um modo geral, praticar e assinar tudo o que se torne necessário aos indicados fins”. A partilha realizada no dia 11-12-2002 - em comum e partes iguais pelos irmãos - constitui um acto de execução do referido mandato, não tendo o pai XX recebido tornas, pois continuou a beneficiar dos imóveis partilhados e representa, a par da doação de todos os bens de XX aos seus filhos, ainda em vida (como refere o art. 18.º da p.i.), a autêntica concretização das vontades últimas expressas por VV e XX através das procurações emitidas em 03-04-2002. O testamento de 16-07-1979 caducou com a emissão das referidas procurações e com a respectiva execução mediante a partilha de 11-12-2002. Acordaram os autores e seus pais, aqui 1.ºs Réus, simular um diferendo, com vista a, por via processual, obter a destruição dos...

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