Acórdão nº 1863/08.7GLSNT-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelJOÃO SILVA MIGUEL
Data da Resolução10 de Dezembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. A Magistrada do Ministério Público junto do Juízo de Pequena Instância Criminal - Juiz 1, da Comarca da Grande Lisboa – Noroeste, Sintra e no âmbito do processo n.º 1863/08.7GLSNT, vem, nos termos do disposto nos artigos 427.º, 449.º, n.º 1, alínea d), 450.º, n.º 1, alínea a), 451.º e 452.º, todos do Código de Processo Penal (CPP), interpor recurso de revisão da sentença nele proferida, que condenou o arguido AA, pela prática de um crime de roubo, p. e p., pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal (CP), na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano.

  1. O fundamento da pretensão decorre de resultar de sentença transitada em julgado, no processo n.º 2852/09.0T3SNT, que o crime pelo qual AA foi condenado ter sido praticado por BB, e assenta nas seguintes conclusões que formulou[1]: «1 - O arguido AA por douta sentença proferida nestes autos, no dia 22 de outubro de 2008 e transitada em julgado em 21 de novembro de 2008, foi condenado, pela prática de um crime de roubo, p. e p: pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano.

    2 - O arguido esteve presente na audiência de julgamento, sucede que se identificou como sendo AA, nascido em ...., e na verdade era "BB, nascido a ...., natural de ...., filho de .... e de ....".

    3 - O arguido não esteve presente na leitura da sentença em 22.10.2008, mas como esteve presente na audiência, a sentença transitou em julgado em 21.11.2008.

    4 - Aquando do registo da condenação do arguido no Boletim à DSIC, a DGAJ informou a fls, 73, que o BI indicado não correspondia ao arguido, bem como a filiação e toda a identificação, cfr. fls. 75 e 76.

    5 - Foi extraída certidão do processo fls, 87 a fim de apurar a falsa identidade do arguido, que a fls. 113, veio efetivamente a apurar-se que o arguido nos presentes autos se tratava de BB (fls, 114 a 119).

    6 - O arguido BB no âmbito do processo n° 2852/09.0T3SNT, Juízo de Média Instância Criminal, 2ª Secção - Juiz 4, desta Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, Sintra, foi acusado pela prática de um crime de falsidade de declaração, p. e p., pelo artigo 359.º, n.º 2, do Código Penal, praticado nos presentes autos.

    7 - A factualidade supramencionada foi apresentada aos presentes autos, em momento posterior ao trânsito em julgado da sentença, e aquando da junção da certidão da sentença proferida no supra referido processo em que o arguido foi condenado, por se ter identificado em audiência de julgamento nestes autos, como sendo AA, e na verdade ser BB, nascido em ..., natural de ..., filho de .... e de ....

    8 - Ora, tal constatação, justifica a interposição de um recurso extraordinário de revisão da sentença, previsto no artigo 449.º, n.º1, alínea d), do C.P.P., na parte da condenação na prática de um crime de roubo, ao arguido BB, e não ao AA.

    9 - O recurso extraordinário de revisão de sentença já transitada em julgado é admissível, segundo o artigo 449.º, n.º 1, na alínea d), do C.P.P. "( ... ) quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação." 10 - A propósito da interpretação a esta norma e quanto a um caso semelhante esclarece o douto Acórdão do STJ de 25 de março de 2010, processo n.º 329/07.7GAACB-A.S1, consultado em www.dgsi.pt, que o Ministério Público tem legitimidade para a interposição de recurso de revisão ainda que em benefício do arguido, uma vez que para o ora recorrente a titularidade do arguido de carta de condução e de não ter sido este a praticar os factos, mas sim o seu irmão que se identificou como sendo o arguido se afigura um facto novo.

    11 - No mesmo entendimento segue o douto acórdão do STJ de 01/07/2009, no processo n.º 69/04.9GTBJA, pesquisado em www.dgsi.pt.

    A final, pede que a sentença proferida nos autos seja revista «na parte em que condenou o arguido AA, pela prática de um crime de roubo, tendo sido BB a praticar tais factos, como se constata da certidão da sentença proferida no processo 2852/09.0T3SNT».

  2. Junto o certificado do registo criminal do arguido BB, e instruído o pedido com as certidões dos elementos solicitados pelo requerente, a Senhora Juiz produziu, nos termos do artigo 454.º do CPP, a informação que se transcreve, na parte pertinente: «Resultam dos autos os seguintes factos com relevo para a decisão a proferir: 1. Em 30.09.2008, o arguido foi detido por militares da Guarda Nacional Republicana em flagrante delito por ter cometido os factos pelos quais veio a ser acusado.

  3. O arguido identificou-se como sendo AA, filho de ... e de ...., natural de ..., residente na Rua ....

  4. Nessa mesma data o arguido foi sujeito a Termo de Identidade e Residência, o qual se recusou a assinar.

  5. Em 01.10.2008, o arguido foi julgado, tendo-se identificado em audiência de julgamento, apesar de advertido para as consequências da sua conduta, como sendo AA.

  6. Em 22.10.2008, foi o arguido condenado pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo art.º 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de um ano de prisão, suspensa por igual período.

  7. Em 18.03.2009, foi devolvido o boletim de registo criminal oportunamente emitido porquanto “o BI indicado não corresponde ao arguido assim como a id está incorreta (…)”.

  8. Em 10.01.2011 foi remetida certidão do processo n.º 2852/09.0T3SNT na qual se dá conta da falsa identidade do arguido, o qual se chama BB.

  9. Em 14.03.2011, foi declarada extinta a pena aplicada a AA por não se terem apurado circunstâncias que pudessem implicar a revogação da pena suspensa e ter decorrido o aludido período.

  10. Em 18.12.2012 foi remetida aos autos certidão da acusação proferida no processo n.º 2852/09.0T3SNT, pela prática por BB de um crime de falsas declarações, previsto e punido pelo art.º 359.º, n.º 2 do Código Penal, por ter nestes autos se identificado em audiência de julgamento como sendo AA.

  11. O arguido veio a ser condenado no processo n.º 2852/09.0T3SNT pela prática do crime pelo qual vinha acusado.

    Do Direito: Determina o art.º 449.º do CPP que: “1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

    1. Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão; b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo; c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

    e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º; f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação; g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.” Ora, in casu, o recurso vem interposto com fundamento na alínea d) do citado normativo.

    O fundamento de revisão de sentença previsto na citada norma acarreta a averiguação cumulativa de dois pressupostos: 1. A descoberta de novos factos ou meios de prova e 2. Que tais novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

    A errónea identidade do arguido, que este conhecia à data da prática dos factos e da prolação da sentença condenatória, só veio a ser conhecida no processo em momento posterior a esta.

    A manutenção da condenação de AA pela prática de um crime [de] roubo, quando o mesmo não foi o autor do facto, afigura-se-nos materialmente injusta.

    Tanto mais que BB veio a ser condenado por crime de falsas declarações por se ter identificado nos presentes autos como sendo AA.

    Pelo que, se mostram reunidos os pressupostos para que seja dado provimento ao recurso.» 4. Neste Supremo Tribunal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer «no sentido de que, sem prejuízo da retificação oficiosa dos dados de identificação do condenado, a levar a efeito na 1.ª Instância nos termos e pelos fundamentos acima explicitados, será de denegar a pedida revisão da sentença», atenta a argumentação que, em termos sintéticos, a seguir se transcrevem: «1 – Liminarmente há que dizer que a questão a dirimir pode resumir-se a esta de saber se, tendo sido julgada e condenada uma pessoa que se identificou com um nome falso[2], deve proceder-se às necessárias correções pela via do instituto da retificação da sentença, nos termos do disposto no art. 380.º do CPP, ou antes, como sucedeu “in casu”, lançar mão do recurso de revisão da sentença penal transitada, regulado no art. 449.º e segs. do mesmo corpo normativo? 2 – A questão jurídica assim suscitada não é nova e vem sendo objeto de decisões jurisprudenciais de...

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