Acórdão nº 2876/12.0TTLSB.L11.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Dezembro de 2015
Magistrado Responsável | GONÇALVES ROCHA |
Data da Resolução | 10 de Dezembro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1---- AA instaurou uma acção com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra Santa Casa da Misericórdia de BB, pedindo que seja declarada ilícita a cessação do contrato de comissão de serviço que havia celebrado com a R e que esta seja condenada a pagar-lhe todas as retribuições até ao seu final, ou seja, até Abril de 2013, no valor de 69.911,08 euros, tudo acrescido dos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos até à data do trânsito em julgado da sentença. Pediu ainda a condenação da R no pagamento da quantia de 9.500, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos.
Alegou, para tanto, e em síntese, que: Pertence aos quadros de pessoal do Instituto da Segurança Social, IP, detendo com este um contrato de trabalho em funções públicas, que esteve suspenso desde 25/05/2007 a 10/12/2011, por se encontrar em situação de cedência de interesse público a prestar serviço à ré; Efectivamente, em 25/05/2007, foi contratado por esta para exercer, em regime de Comissão de Serviço, o cargo de Director da Unidade de Selecção e Gestão de Quadros da Direcção de Recursos Humanos; E em 1/04/2011, celebrou com a Ré novo contrato de Comissão de Serviço através do qual aceitou desempenhar o cargo de Director da Unidade de Gestão de Recursos Humanos e Contratação, contrato cuja elaboração resultou de um longo período de negociação e de reflexão; Em Outubro de 2011, a ré comunicou-lhe que rescindia o contrato de comissão de serviço, com efeitos a 11/11/2011, sem invocar qualquer fundamento justificativo, pelo que lhe é devida a indemnização prevista no contrato que foi celebrado, pois foi acordado que em tal situação lhe deverão ser pagas as retribuições até final do contrato, que deveria ocorrer em 1/04/2013; A conduta da ré afectou o seu estado de saúde e a sua estabilidade emocional e profissional; O vice provedor tinha poderes para assinar tal contrato; Além do mais, a eventual falta de poderes daquele não lhe é oponível, pois sempre negociou e contratou com a ré de boa fé, não lhe cabendo saber se quem assinou o seu contrato tinha ou não poderes para tal; A delegação de competências empossava o representante da Santa Casa com poderes que lhe permitiam a assinatura dos contratos típicos e os atípicos, nomeadamente, os que resultavam de negociação entre as partes e nos quais era aposta uma cláusula indemnizatória; Sempre esteve convicto que o Sr. Vice Provedor era detentor de poderes, por delegação de competências, para assinar os referidos contratos e por consequência para negociar o seu clausulado, excedendo a ré claramente os limites impostos pela boa fé.
A ré contestou, alegando que: Por despacho do Vogal da Mesa, de 11/11/2011, ratificado pela Deliberação de Mesa n.º 303, de 17/11/2011, foi autorizada a cessação do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço do trabalhador em causa, com efeitos imediatos, devendo o mesmo regressar ao ISS; Tal resolução foi comunicada pessoalmente ao trabalhador, através de ofício, datado de 11/11/2011; Devido à falta de aviso prévio pagou ao trabalhador uma indemnização correspondente a sessenta dias da retribuição base; A SCML submete aos seus órgãos de administração a aprovação das minutas dos contratos de trabalho; Nenhuma das minutas aprovadas pela Deliberação n.º 332 contém ou prevê a existência de qualquer cláusula de teor compensatório ou indemnizatório pela frustração da expectativa de exercer o cargo até ao final da comissão de serviço; Não existiu Deliberação de Mesa que previamente tenha aprovado a minuta com a inclusão de tal cláusula indemnizatória; O então Vice-Provedor não dispunha dos poderes necessários ou bastantes para, em nome e representação da SCML, a vincular, obrigando-a ao cumprimento dos contratos de comissão de serviço que incluem as cláusulas compensatórias; A Deliberação de Mesa n.º 77, de 27/01/2011, apenas autorizou a renovação das Comissões de Serviço nos precisos termos estipulados nos respectivos contratos, não determinando nem fazendo qualquer referência a eventuais alterações aos mesmos, designadamente no que diz respeito à introdução de qualquer cláusula indemnizatória; O acto do Vice-Provedor é nulo por falta de poderes e a inclusão de tal cláusula é juridicamente ineficaz.
No decurso da audiência preliminar foi proferido despacho saneador, no qual se relegou para a sentença final o conhecimento da excepção peremptória da nulidade/ineficácia parcial do contrato de comissão de serviço deduzida pela Ré, bem como o conhecimento do abuso de direito invocado pelo Autor, e elaborou-se base instrutória.
Instruída e julgada a causa, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, decidiu: 1) Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 62.665,03 (sessenta e dois mil seiscentos e sessenta e cinco euros e três cêntimos), a título de indemnização em razão da denúncia do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço promovida antes do respectivo termo, acrescida dos juros de mora vencidos até à data da presente sentença (08/05/2014) no valor de € 4.155,96 (quatro mil cento e cinquenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos), e dos juros de mora vincendos desde a data de 09/05/2014 até ao integral e efectivo pagamento; 2) E absolver a Ré do demais contra si peticionado pelo Autor.
Inconformada, interpôs a R recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de BB julgado procedente o recurso, decidindo: 1. Declarar ineficaz, em relação à recorrente, a clausula 4ª, n.º 3 do contrato de comissão de serviço celebrado em 1/04/2011, junto a fls. 89 a 91 dos autos.
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Absolver a recorrente do pedido de pagamento da indemnização prevista nessa cláusula.
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Condenar o apelado nas custas do recurso.
É agora o A, que irresignado, nos traz revista, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões: “1-O Acórdão recorrido viola o princípio da confiança jurídica contido no art° 406° do Cod. Civil, porquanto, o contrato celebrado, terá de ser cumprido nos exactos termos em que foi aceite e subscrito pelas partes - PACTA SUNT SERVANDA 2 O Contrato celebrado entre recorrente e recorrida não está proibido nem por força da Lei nem por força dos Estatutos da recorrida.
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O Acórdão recorrido viola ainda o disposto nos art°s 236°, 238°, 239° e 217°, todos do C. Civil, e a regra da imodificabilidade do contrato por vontade unilateral de um dos contraentes (art° 406° C.C.), porquanto, da factualidade provada resulta que Recorrente e Recorrida celebraram dois contratos de trabalho, em regime de comissão de serviço, 4.O primeiro vigorou pelo período contratado, enquanto que o segundo daqueles contratos teve início em 01/04/2011 e destinava-se a vigorar durante um período de dois anos, isto é, findava no dia 31/03/2013; 5.Em 11/11/2011, a Recorrida comunicou ao Recorrente sem qualquer aviso, a denúncia, com efeitos imediatos, deste segundo contrato sem invocação de facto imputável ao Recorrente.
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As partes, Recorrente e Recorrida, negociaram as condições da renovação do contrato de trabalho em regime de comissão de serviços, ficando inequivocamente expressa, no documento de fls. 68 dos autos, a vontade dos contraentes, que, por força do disposto no art° 406° do C.C., não pode, unilateralmente, ser o mesmo modificado.
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A Recorrida estava pois obrigada a indemnizar o Recorrente, nos termos em que as partes consignaram e não nos termos do disposto no art° 366° do C.T., isto é, está a Recorrida expressamente adstrita ao pagamento ao Recorrente de uma indemnização específica para o caso desta fazer cessar o contrato antes do respectivo termo (cláusula 4a, n° 3 - cfr. facto provado nº16).
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É totalmente falsa a alegada pretensa excepção peremptória da nulidade/ineficácia parcial do contrato relativamente à cláusula 4a, nº3 (cfr. 68 dos autos) nele constante, sob o pretexto de falta de poderes do Vice Provedor para subscrever o contrato com essa cláusula, na medida em que, está provado que, em data anterior à celebração do segundo contrato de trabalho em regime de comissão de serviço, e usando de uma faculdade expressamente prevista nos Estatutos da Recorrente, o Órgão Provedor distribuiu ao Vice-Provedor (Dr. CC) os pelouros da Direcção de Recursos Humanos e do Gabinete Jurídico, atribuindo-lhe simultaneamente os poderes e as competências necessários para superintender e despachar todos os assuntos que se encontrem no âmbito desses pelouros, e mais delegou ao Vice-‑Provedor (Dr. CC) a competência para representar a Santa Casa da Misericórdia de BB na outorga de contratos, no âmbito daqueles mesmos pelouros e cujas minutas tenham sido previamente aprovadas pelo órgão Mesa, tendo este órgão deliberado tomar conhecimento de todas estas decisões (cfr. facto provado nº 33).
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Nessa medida, está igualmente provado que a Recorrida submeteu à aprovação dos seus órgãos de administração (a Mesa e o Provedor) a aprovação das «minutas dos Contratos para o exercício de cargos em regime de Comissão de Serviço na Santa Casa da Misericórdia de BB» e que, pela Deliberação nº 332, de 19/03/2009, a Mesa aprovou «as minutas dos Contratos para o exercício de cargos em regime de Comissão de Serviço na Santa Casa da Misericórdia de BB» (cfr. factos provados nos. 30 e 31).
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Provou-se igualmente que a Recorrida através dos seus órgãos competentes, conferiu, efectiva e inequivocamente, ao então Vice-Provedor, CC, poderes para a representar e para a vincular na celebração com o Recorrente o do segundo Contrato de trabalho em regime de comissão de serviço.
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Via contrato, provou-se que o Recorrente iria desempenhar, como de facto desempenhou, o cargo de «director de unidade de gestão de recursos humanos e contratação da direcção de recurso humanos», sendo certo que o pelouro dos recursos humanos foi atribuído àquele Vice-Provedor, mais acrescendo que este contrato se inseria no âmbito daqueles poderes, cujas minutas tinham sido aprovados pelo órgão...
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