Acórdão nº 529/11.5TBPSR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelGREGÓRIO SILVA JESUS
Data da Resolução01 de Dezembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Recurso de Revista nº 529/11.5TBPSR.S1[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - RELATÓRIO AA, por si e em representação da sua filha menor BB, e CC, residentes Rua ..., nº …, …, …, intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra “DD – …”, com sede na Rua …, nº …, em Lisboa, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhes as seguintes quantias: à autora AA 130.181,52€, à BB 99.392,42€, e à CC 51.383,02€.

Para tanto, alegam, em síntese, diversos danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes da morte de EE, marido da 1ª autora e pai das restantes autoras, que ocorreu em virtude de um acidente que teve lugar a 22/09/10, no monte da …, ….

Referem que o EE conduzia o veículo ligeiro de mercadorias, pick up, com a matricula -IV-, M..., estacionou-o numa barreira, saiu do mesmo e avançou a pé a apanhar madeira, quando, sem que nada o fizesse prever, o veículo resvalou na sua direcção apanhando-o e entalando-o entre o para-choques frontal e o solo, esmagando-lhe a perna direita.

Encontrado por familiares que foram à sua procura, foi levado para o Hospital de Abrantes e depois transferido para o Hospital de S. José, em Lisboa, onde foi reanimado, submetido a transfusões de sangue, a várias intervenções cirúrgicas, e amputação do membro inferior direito, vindo a falecer em 3/11/2010 devido a infecção generalizada.

O EE que utilizava o ligeiro de mercadorias transferira a responsabilidade civil emergente de acidente de viação através de contrato de seguro para a ré, que declina responsabilidades com o fundamento de que o falecido era também o tomador do seguro.

Contestou a ré alegando, em resumo, que a vitima era tomador do seguro, proprietário e condutor do veículo, nunca podendo ser considerado terceiro em relação ao contrato de seguro, e o seguro em apreço ter visado transferir para a ré a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros com a circulação do veículo e não cobrir os próprios danos do segurado.

Pronunciou-se ainda pelo excesso dos valores peticionados, concluindo pela improcedência da acção.

Responderam as autoras a matéria que entenderam de excepção, afirmando que o acidente não se deveu a culpa da vitima, mas à natureza do solo, tratar-se de um sinistro causado pelo risco de circulação de veículos, a vitima não era condutor mas um peão, e o seguro de responsabilidade civil obrigatório garante também a responsabilidade pelos risco próprios do veículo, mesmo que sem condutor.

Concluíram como na petição inicial.

Elaborou-se despacho saneador e procedeu-se à condensação dos autos, sem reclamação.

O Instituto de Solidariedade e Segurança Social, IP (ISSS, IP) deduziu contra a ré pedido de reembolso de prestações no valor de 13.946,40€, a que ela se opôs dando por reproduzida a sua anterior contestação e alegando nada dever pagar.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que assim decidiu: “Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente, porque provada apenas em parte, e, em consequência, decido condenar a R., DD Sucursal em Portugal, a pagar às AA. os seguintes montantes indemnizatórios: 1. Pelos danos não patrominiais e patrimonais sofridos pela vitima € 61.029,60 (sessenta e um mil e vinte e nove euros e sessenta centimos) 2. Pelos danos não patrimoniais e patrimoniais sofridos pela A. AA FF, o valor global de 25.082,09 (sessenta e cinco mil e oitenta e dois euros e nove cêntimos) 3. Pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos peça A. BB e 18.000 (dezoito mil euros) 4. Pelo danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela A. FF € 5.000 (cinco mil euros) Absolvendo a R. do demais peticionado”.

Inconformadas, recorreram autoras e ré, tendo esta, porque limitado à matéria de direito, requerido que nos termos do art. 678.º do CPC o recurso subisse per saltum a este Supremo Tribunal de Justiça, ao que as autoras deram a sua anuência nas contra-alegações que juntaram.

Nas alegações que apresentaram as recorrentes formulam as seguintes conclusões: As autoras A- Vem o presente recurso interposto da douta sentença, apenas e só no que toca aos valores em que condenou a R. no pagamento, e designadamente dos seguintes montantes indemnizatórios ( e uma vez que no demais é absolutamente irrepreensível ): 1- Pelos danos não patrimoniais e patrimoniais sofridos pela vítima € 61.029,60; 2 – Pelos danos não patrimoniais sofridos pela A. AA FF, mulher, do valor de € 5.000 3 – Pelos danos não patrimoniais sofridos pela A. BB, filha menor, valorados em € 8.000 4 – Pelos danos não patrimoniais sofridos pela A., atribuídos pelo valor de €5.000 à filha maior FF.

B- Quanto a indemnização pela perda do direito à vida, atenta a idade da vítima, 51 anos, pessoa saudável e activa, entendem as AA. que o valor a fixar, conforme jurisprudência sobre a matéria, não deve ser inferior a 60.000 Euros ( sessenta Mil Euros ).

C - Quanto aos danos morais sofridos pela própria vítima, provado que ficou encarcerada durante parte de um dia, que ficou 42 dias internado, que teve várias intervenções cirúrgicas, incluindo uma amputação, primeiro, pelo terço da perna, e depois, outra pela raiz da coxa, e tendo um quadro de extrema violência física e psicológica, até acabar por falecer, e de acordo com abundantes referencias na doutrina e jurisprudência, seria ajustado o valor de 25.000 ( Vinte e Cinco Mil )Euros.

  1. Relativamente aos danos patrimoniais da própria vítima, decorrentes do período de incapacidade para o trabalho enquanto esteve internada, 42 dias, existe mero lapso, de que se requer correcção, pois o valor arbitrado foram 1060,27 €, Mil e Sessenta Euros e Vinte e Sete Cêntimos, e no final da decisão foram apenas considerados 1.029,60 €(Diferença de 61.029,60 – 10.000 – 50.000).

  2. Por danos morais da mulher e filhas da vítima, afigura-se adequado fixar a indemnização por danos não patrimoniais em 20.000 (Vinte Mil) Euros para mulher AA e filha maior FF, para cada uma, 30.000 (Trinta Mil) Euros para a filha menor de 11 anos, privada de pai numa altura em que muito dele precisaria.

  3. Quanto a danos patrimoniais futuros, deve ser atribuída à mulher A. AA e à filha menor A. BB um valor para ambas de, respectivamente, € 79.746,00 para AA FF e € 39.039,00 para BB FF, a titulo de lucros cessantes, e a título de perda de rendimento – deduzindo naturalmente os valores pagos entretanto pela segurança social, e desobrigando esta de tal obrigação, até aos montantes arbitrados, nos termos legais.

    Por todo o exposto, a douta sentença, decidindo de forma diversa, violou, por erro de interpretação e aplicação, entre outros, o disposto nos artigos 494º, 496º nº 1, 2 e 3, e ainda os arts.º 562º, 564º nº 2 e 566º do Código Civil.

    A ré DD 1 – O seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel não prescinde da verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil.

    2 – Conforme foi decidido no recente Acórdão do STJ nº 12/2014 de 8.7.2014: “A inquestionável função social e económica do contrato de seguro obrigatório automóvel, no actual quadro normativo, não afasta, pelo contrário exige, a verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil, todos e não apenas o dano”.

    Contudo, 3 – Na douta decisão recorrida, apesar da ausência de pressupostos da responsabilidade civil, condenou-se a Recorrente a indemnizar os danos corporais que o agente (condutor do veículo seguro/tomador do seguro e proprietário do veículo) causou a si próprio!...

    Não pode ser!...

    4 – Sem a verificação de um facto (ilícito ou gerador de responsabilidade pelo risco) praticado por pessoa diversa do lesado, não pode haver obrigação de indemnizar.

    5 – São completamente diferentes as situações em que o tomador do seguro/proprietário do veículo sofreu danos corporais quando seguia como passageiro do veículo (nesse caso, o facto ilícito não lhe é imputável) da situação dos autos em que o facto ilícito (ou gerador da responsabilidade pelo risco) é imputável à própria vítima.

    Logo, 6 – A jurisprudência citada pelo tribunal “a quo” (longe de ser pacífica) não tem aplicação ao caso dos autos.

    7 – A interpretação do nº1 do artigo 14º do Dec-Lei 291/2007 não pode ser feita isoladamente, mas dentro de todo o quadro normativo pertinente.

    8 – Da interpretação conjugada dos artigos 4º, 11º, 14º e 15 do referido Dec-Lei, resulta claro que o regime jurídico do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel remete para as regras gerais da obrigação de indemnizar estabelecidas na lei civil.

    Consequentemente, 9 – Citando o referido Acórdão do STJ nº 12/2014: “a questão da obrigação de indemnizar pela seguradora tem de ser analisada no quadro dos pressupostos da responsabilidade civil para o qual as normas citadas expressamente remetem” 10 – Se o marido e progenitor causou a sua própria morte (por culpa sua ou como responsável pelo risco de circulação do veículo) não existe um terceiro a quem imputar este resultado (morte).

    Ora 11 – Não havendo um terceiro responsável pela morte do condutor, é manifesto que os danos sofridos pelos filhos e viúva em consequência desta morte não são indemnizáveis.

    Na verdade, 12 – No caso dos autos, o condutor, marido e pai das A.A., porque causador e responsável pela produção do acidente, não foi lesado de conduta ilícita de outrém – v. artigo 483º do CC.

    13 – Como bem se vincou em douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa: “O contrato de seguro tem uma característica necessária de alteridade, expressa nomeadamente pelo noção de terceiros, que implica a...

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