Acórdão nº 3969/07.0TBBCL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Dezembro de 2015
Magistrado Responsável | TOMÉ GOMES |
Data da Resolução | 03 de Dezembro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA (A.) instaurou, em 18/10/ 2007, junto do Tribunal Judicial de Barcelos, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BB (1.ª R.) e o Fundo de Garantia Automóvel (2.º R.), alegando, no essencial, que: .
Em 04/04/2006, pelas 21h00, na freguesia de Vila Seca, município de Barcelos, ocorreu um acidente de viação que se traduziu no atropelamento da A. pelo veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, com a matrícula 20-40-..., conduzido pela sua proprietária, a 1.ª R.; .
A A. foi colhida pelo referido veículo, que circulava a uma velocidade superior ao limite máximo ali permitido, de 40 km/hora, quando atravessava a via, no sentido sul - norte, tendo já ultrapassado o respetivo eixo e encontrando-se a meio da hemi-faixa de rodagem do lado norte; .
Além do excesso de velocidade a que seguia, a 1.ª R. conduzia o veículo com manifesta falta de atenção à presença dos demais utentes da via, pelo que a ocorrência do acidente foi da sua exclusiva responsabilidade, a título de culpa; .
Em virtude das lesões sofridas, a A. suportou prejuízos patrimoniais e não patrimoniais no valor global de € 82.156,45.
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À data do acidente, a 1.ª R. não dispunha de seguro automóvel.
Concluiu a A. pedindo a condenação dos R.R. a pagar-lhe a quantia de € 82.156,45 acrescida de juros de mora desde a citação.
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O “Fundo de Garantia Automóvel”, 2.º R. contestou ação, impugnando, por desconhecimento, os factos articulados pela A..
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Por seu lado, a 1.ª R. também deduziu contestação, apresentando uma contraversão do acidente, segundo a qual imputou unicamente à A. a responsabilidade culposa pela eclosão do acidente, pugnando pela sua absolvição do pedido.
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Findos os articulados, foi proferido despacho saneador tabelar e selecionada a matéria de facto tida por relevante com a organização da base instrutória (fls. 104-112).
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Porém, já após a instrução da causa e outras vicissitudes, a A. requereu a intervenção da “CC - Comapnahia de Seguros, S.A.”, a qual foi admitida como associada das R.R., tendo também apresentado contestação, a sustentar a inexistência de contrato de seguro relativamente ao veículo …, por falta de pagamento, e a impugnar, por desconhecimento, os factos articulados pela A.
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Realizada a audiência final e decidida a matéria de facto controvertida conforme despacho de fls. 553-561, foi proferida sentença a fls. 574-588, datada de 04/02/2014, a julgar a ação totalmente improcedente e, consequentemente, a absolver as R.R. do pedido, embora por diferentes fundamentos.
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Inconformada com tal decisão, a A. recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães, que julgou a apelação improcedente, confirmando a sentença da 1.ª instância, conforme acórdão proferido a fls. 649-648, datado de 26/02/2015. 8.
Novamente inconformada, a A. recorreu de revista, pretensamente a título excecional, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - Pretende a A. revista excecional com fundamento no disposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC.
2.ª - Pretende a A. que seja apreciada a questão da concorrência de culpa do lesado com o risco próprio da circulação de veículos automóveis, questão de grande relevância e que tem dividido a doutrina e a jurisprudência, tornando-se necessária a sua apreciação para melhor aplicação do direito.
3.ª - A doutrina e jurisprudência tradicionais têm entendido que em matéria de acidentes de viação, a verificação de qualquer das circunstâncias referidas no art.º 505.º do CC, maxime, ser o acidente imputável a facto, culposo ou não, do lesado, exclui a responsabilidade objetiva do detentor do veículo, não se admitindo o concurso do perigo especial do veículo com o facto da vitima, de modo a conduzir a uma repartição de responsabilidade: a responsabilidade pelo risco é afastada pelo facto do lesado; 4.ª - Esta corrente doutrinal e jurisprudencial engloba as situações mais díspares e não distingue as condutas culposas das não culposas e dentro daquelas as de culpa mais grave das de culpa mais leve, conduzindo muitas vezes a resultados chocantes e injustos e mostra-se ainda insensível ao alargamento crescente, por influência do direito comunitário, do âmbito da responsabilidade pelo risco e da expressa consagração da hipótese da concorrência entre o risco da actividade do agente e um facto culposo do lesado, que tem tido tradução em recentes diplomas legais.
5.ª - Tem alguma/vária jurisprudência feito uma interpretação progressista e atualista do texto do artigo 505.º do CC, no sentido de nele se acolher a regra do concurso da culpa do lesado com o risco próprio do veículo.
6.ª - No caso dos autos, quer a 1.ª instância, quer a Relação de Guimarães consideraram culposa a atuação da A. e que a culpa na produção do acidente coube na totalidade à mesma e com base nesta conclusão a decisão da Relação arredou a possibilidade de aplicação da tese atualista concorrência entre o risco e o facto do lesado; 7.ª - As decisões proferidas, quer da 1.ª instância, quer da Relação, deveriam ter apreciado a questão quer com base na culpa, quer com base no risco; 8.ª - "Se o autor pede em juízo a condenação do agente invocando a culpa deste, ele quer presuntivamente que o mesmo efeito seja judicialmente decretado à sombra da responsabilidade pelo risco, no caso da culpa se não provar. E assim, mesmo que não faça prova da culpa do demandado, o tribunal pode averiguar se o pedido procede à sombra da responsabilidade pelo risco, salvo se dos autos resultar que a vítima só pretende a reparação se houver culpa do réu"- Ac. STJ de 04/10/2007, Proc. 0781710. dgsi.net.
9.ª - A decisão recorrida, partindo da conclusão de que a A. teve culpa na produção do acidente, afastou logo a responsabilidade do condutor do veículo automóvel sem sequer ter apreciado a hipótese de este poder ser responsabilizado pelo risco.
10.ª - Face às decisões proferidas em sentido diferente, no tocante à concorrência da culpa do peão com o risco do veículo automóvel, pretende a A. a apreciação desta questão, por entender necessária para uma melhor aplicação do direito, devendo ter-se por verificado o requisito da revista excepcional da alínea a) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC; 11.ª - O recurso de revista excecional deve ainda ser admitido por na situação em apreço estarem em causa interesses de particular relevância social, trazendo-se à discussão a questão da proteção dos peões, vítimas de acidentes de viação, mesmo nos casos em que haja culpa da sua parte.
12.ª - Com o crescente e imparável aumento da circulação automóvel, que se tornou um bem ou meio essencial e imprescindível para toda e qualquer pessoa, integrando e fazendo já parte dos seus direitos fundamentais, como sejam o da liberdade de deslocação e movimentação, a circulação dos peões tornou-se cada mais perigosa e sujeita a riscos, constituindo muitas vezes, sobretudo nas cidades, uma verdadeira aventura na selva urbana.
13.ª - O acidente dos autos deve ser submetido à apreciação deste Tribunal, a fim de se apurar se a A., enquanto peão atropelado e mesmo considerando existir culpa na sua conduta, é merecedora de alguma protecção e em que medida.
14.ª - Com efeito, casos há em que mesmo havendo culpa do peão, é do mais elementar sentido de justiça social a sua proteção e o ressarcimento dos danos sofridos, como é o caso dos acidentes envolvendo menores (cheios de energia e genica muitas das vezes incontroláveis), pessoas portadoras de deficiência ou idosos (com menor capacidade de acção e reacção), a par de outras situações de comportamentos mecanizados, automatizados, involuntários ou quase inconscientes.
15.ª – Trata-se duma questão em que estão em causa interesses de particular relevância social, verificando-se, assim, o requisito da alínea b) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC para a admissão da revista excecional.
16.ª - O acórdão recorrido, ao não ter equacionado nem apreciado a responsabilidade da condutora do veículo automóvel com base no risco, mesmo havendo culpa da A., encontra-se em contradição com outro acórdão do STJ já transitado em julgado no domínio da mesma legislação - artigos 503.º, 505.º e 570.º do CC - e sobre a mesma questão fundamental de direito - concorrência de culpa e risco em ação emergente de acidente de viação, designadamente o acórdão proferido em 04/01/2007 no Processo Ordinário n.º 2901/2001 do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, já transitado em julgado, conforme certidão que se junta; 17.ª - Porque na decisão recorrida nem sequer se apreciou a responsabilidade civil do condutor do veículo automóvel com base no risco, por se ter concluído pela culpa da lesada (A.), o acórdão recorrido incorre em contradição com o referido acórdão, no domínio da mesma legislação (artigos 503.º, 505.º e 570.º do CC) sobre a mesma questão fundamental de direito (concurso de culpa e risco em acidentes de viação); 18.ª - Sendo certo que não foi proferido acórdão de uniformização de jurisprudência sobre a matéria em questão.
19.ª - Apesar da diversidade da matéria de fado, pois que, como é natural, não existem acidentes iguais, o acórdão-fundamento, numa situação de fado equiparável à dos autos, decidiu atribuir indemnização ao menor atropelado por um veículo automóvel ligeiro de passageiros com base na concorrência entre a culpa do menor e o risco inerente à circulação do veículo automóvel, quando as instâncias tinham afastado a possibilidade de responsabilizar a condutora do veículo atropelante com base no risco, porque concluíram ser o acidente imputável a título de culpa ao menor sinistrado, sem se ter demonstrado qualquer parcela de culpa do condutor do veículo atropelante; 20.ª - No caso dos autos, as instâncias porque concluíram pela culpa do peão atropelado nem sequer apreciaram a possibilidade de responsabilidade da condutora do veículo automóvel nem pelo risco; 21.ª - Assim, a decisão em causa, ao entender que havendo culpa do lesado (A.) não existe responsabilidade do condutor...
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