Acórdão nº 1730/14.5 JAPRT-S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelARMINDO MONTEIRO
Data da Resolução02 de Dezembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: Em Processo Comum com intervenção do Tribunal Coletivo sob o n.º 1730/14.5 JAPRT, do Tribunal da Instância Central do Porto, foi submetido a julgamento o arguido: AA, nascido em ..., ..., ..., preso preventivamente à ordem dos presentes autos, vindo a final a ser condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, al. e ), do Código Penal, na pena de 14 anos de prisão.

  1. O Exm.º Procurador da República, em 1.ª instância, inconformado com o teor do decidido, interpôs recurso para este STJ, apresentando na motivação as seguintes conclusões: 1. O BB, tal como o Tribunal considerou provado, na noite de 12 para 13 de Setembro de 2014, no interior do Café e Salão de Jogos denominado “...”, sito na Rua ..., estando numa mesa com amigos e demonstrando estar embriagado, disse em voz alta que “não gostava de ciganos”, “não tinha medo deles” e “já tinha batido em ciganos”.

    1. De acordo com a testemunha de defesa CC, esses ditos terão sido proferidos antes das 11:00/11:30 horas da noite (23:00/23:30 horas), sendo certo que, tal como decorre do respectivo depoimento que ficou devidamente registado, a mesma terá abandonado o estabelecimento por essa altura.

    2. O arguido, porém, sem ter assumido qualquer posição ou tido qualquer tipo de reacção na altura em que aqueles comentários terão sido proferidos, manteve-se no referido estabelecimento até à 01:20/01:30 hora, altura em que abandonou o mesmo.

    3. Aí regressando pela 01:50 hora, munido com uma faca com 20 cms de lâmina, após o que, entrando no estabelecimento, se dirigiu para a esplanada situada nas traseiras.

    4. Aí chegado, foi na direcção da mesa junto da qual se encontrava o BB sentado numa cadeira em convívio com amigos, passou por detrás do mesmo e, colocando-se na sua frente, sem pronunciar sequer uma palavra, abraçou-o e enterrou-lhe a referida faca no abdómen.

    5. O infeliz BB ainda se ergueu, olhando atónito para a ferida que o arguido lhe provocara, acabando, no entanto, por não conseguir manter-se de pé e por morrer em consequência das lesões sofridas.

    6. Entretanto, e com a referida faca ensanguentada na mão, o arguido atravessou o Café e entrou de imediato no veículo de matrícula ...-IO que deixara estacionado junto ao estabelecimento, pondo-se de imediato em fuga para o sul do país, vindo a ser detido apenas cerca de dois meses depois da prática daqueles factos pela Polícia Judiciária que, colhendo de imediato no local informações seguras relativamente à sua identificação, começou logo a efectuar diligências tendentes à respectiva detenção.

    7. O acto do arguido, revelador de uma total insensibilidade e desprezo pela vida de um semelhante, ficou a dever-se a um motivo absolutamente fútil, foi premeditado e revelador de frieza de ânimo, com reflexão sobre o meio empregado, sendo certo que foi buscar a faca precisamente para concretizar o seu propósito, utilizando-a de forma traiçoeira e desleal, sem qualquer possibilidade de defesa por parte do BB, o que traduz a utilização de meio insidioso.

    8. O motivo, a premeditação, a frieza, a reflexão sobre o meio utilizado e a forma insidiosa de execução de acto tão chocante a todos os níveis, evidenciam a elevadíssima intensidade do dolo e o elevadíssimo grau de ilicitude.

    9. Por isso, e tendo em consideração as exigências de prevenção, geral e especial, esta no sentido de prevenir a reincidência, a censura em termos jurídico-penais terá de ser adequada e proporcional a acto tão repugnante e que perturba a consciência ético-jurídico de qualquer pessoa normal.

    10. O crime cometido pelo arguido, p.p. pelos art.ºs 131.º e 132.º do CP, integra as qualificativas do n.º 2, als. e), i) e j) desta disposição legal, e não apenas a al. e), tal como foi decidido pelo Tribunal “a quo”.

    11. Levar também em linha de conta essas qualificativas, é mera integração em termos de direito.

    12. Impõe-se, por isso, a ponderação de todas essas circunstâncias em concurso, para efeito de determinação da pena concreta.

    13. Face à moldura penal de 12 a 25 anos de prisão, a pena de 14 anos de prisão fixada no Acórdão recorrido não cumpre a finalidade da pena nem respeita os critérios para a determinação da respectiva medida, legalmente estabelecidos.

    14. Não devendo, face a tudo o que supra se deixa referido, ser aplicada ao arguido pena inferior a 17 anos de prisão.

    15. Ao decidir como decidiu, o Douto Acórdão recorrido violou o disposto nos art.ºs 40.º, n.ºs 1 e 2, 71.º e 132.º, n.º 2, als. i) e j) do Código Penal.

    16. Deverá, assim, a nosso ver, o Acórdão recorrido ser revogado, e, consequentemente, o arguido ser condenado de acordo com o referido no art.º 15.º, desse modo se dando provimento ao recurso.

  2. O arguido, em resposta, limitou-se a aderir à decisão recorrida, proclamando o seu acerto e confirmação.

  3. Neste STJ, o Exm.º Procurador Geral – Adjunto, em seu parecer, acolhendo, em parte, a argumentação explanada pelo Exm.º Magistrado do M.º P.º, recorrente, divergindo no aspecto em que considera que as duas agravantes qualificativas, meio insidioso e frieza de ânimo, não declaradas como militando contra o arguido na condenação em 1.ª instância, apenas agravam a responsabilidade do arguido, como agravantes de carácter geral e não naqueloutra qualidade, por não constarem da acusação pública, sem embargo de a matéria de facto pertinente ali figurar e ter sido dado como provada, justificando que a pena a aplicar ao arguido deva, no entanto, ser elevada para 16 anos de prisão.

  4. Mostra-se cumprido o preceituado no art.º 417.º n.º 2, do CPP.

  5. Colhidos os legais vistos, cumpre decidir, considerando como MATÉRIA DE FACTO PROVADA, a seguinte: 1. Na noite de 12 para 13 de Setembro de 2014, a vítima BB encontrava-se na esplanada instalada nas traseiras do café e salão de jogos denominado “...”, sito na Rua ....

    1. Nessa mesma noite, o arguido AA, de etnia cigana, conhecido pela alcunha de “...”, estava no mencionado estabelecimento a beber cerveja, onde permaneceu, por tempo indeterminado, até cerca da 01h20/01h30 de 13 de Setembro, altura em que saiu do café.

    2. O arguido consumiu cocaína nessa noite, fumando três “charros”.

    3. BB encontrava-se sentado numa mesa com amigos a beber cervejas, demonstrando estar embriagado, em voz alta dizia que “não gostava de ciganos”, “não tinha medo deles”, “já tinha batido em ciganos”.

    4. O arguido ouviu as frases proferidas pela vítima que entendeu dirigidas à sua pessoa, porque nesse momento se encontrava próximo da mesa da vítima a jogar matrecos com a testemunha CC.

    5. Cerca da 01h50 desse mesmo dia 13 de Setembro, o arguido AA regressou ao referido café, munido de uma faca, com cerca de 20 cm de lâmina.

    6. O arguido dirigiu-se às traseiras onde se encontrava sentado BB, aproximou-se dele e apanhando-o desprevenido, envolveu-o com o braço esquerdo, impedindo-o de resistir, e, sem qualquer motivo ou razão aparente, desferiu-lhe uma facada com a mão esquerda, na zona do abdómen, junto à grade costal.

    7. De seguida, o arguido AA atravessou a correr o interior do café, levando na mão a faca ensanguentada, saiu do referido estabelecimento e entrou na viatura da marca “Audi”, modelo A6, com a matrícula ...-IO, de cor verde colocando-se em fuga.

    8. Entretanto, o BB caiu inanimado no solo, onde veio a ser assistido pelo INEM que efectuou manobras de reanimação, durante 45 minutos, mas sem sucesso, tendo sido declarado o seu óbito às 03h05.

    9. O comportamento do arguido AA supra descrito foi causa direta e necessária para o BB das lesões descritas no relatório de autópsia a fls. 440/446, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente: solução de continuidade a nível do quadrante superior esquerdo do abdómen, no hipocôndrio esquerdo imediatamente inferior à grade costal (fotografias 1 e 2), tendo esta lesão descrito um trajeto de cima para baixo, da esquerda para a direita e de anterior posterior, atravessando sucessivamente o tecido celular subcutâneo (fotografia 3), o músculo transverso abdominal esquerdo (fotografia 3), o peritoneu (fotografia 4), o grande epíploon (fotografia 5), a parede anterior do estômago, ao nível da grande curvatura junto ao piloro (fotografia 7), a parede posterior do estômago, ao grande curvatura junto ao piloro (fotografia 7), o mesentério (fotografia 6) e a artéria aorta, a cerca de sete centímetros da sua bifurcação em artérias ilíacas comuns (fotografia 8), causando, deste modo, lesão traumática da artéria aorta no BB associada a hemoperitoneu de grande volume, que, por sua vez, foi causa direta e necessária da morte do BB.

    10. Os exames toxicológicos realizados ao sangue periférico da vítima revelaram a presença de etanol na concentração de 2,49 +/- 0,32 g/L e confirmação positiva de canabinóides.

    11. O arguido AA agiu livre e conscientemente, com o propósito de tirar a vida ao ofendido BB, como logrou fazer, utilizando para o efeito uma faca com cerca de 20 cm de lâmina, e sem qualquer motivo, demonstrando assim ser insensível ao valor da vida humana.

    12. Mais sabia o arguido que ao atingir o ofendido com uma faca com cerca de 20 cm de lâmina na zona do abdómen, atingiria, como atingiu, órgãos vitais.

    13. O arguido sabia ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei.

    14. No certificado...

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