Acórdão nº 3558/04.1TBSTB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução17 de Dezembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA, BB e CC (menor, representado por seus pais, BB e DD) propuseram uma acção contra EE e o Fundo de Garantia Automóvel, pedindo a sua condenação solidária no pagamento das seguintes quantias (com dedução da franquia de € 299,28 quanto ao Fundo de Garantia Automóvel): – a AA, € 44.404,31, com juros de mora contados desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4% ao ano; – a BB, € 142.214,04, com juros de mora contados desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4% ao ano; – a BB e DD, “na qualidade de pais e representantes legais do menor CC”, € 75.000,00, com juros de mora contados desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4% ao ano; – a BB, “o custo da intervenção cirúrgica a que esta, ainda em consequências das lesões que sofreu com o acidente (…), terá de ser submetida”; – a BB e DD, “na qualidade de pais e representantes legais do menor CC”, uma indemnização pelas eventuais sequelas que ainda se venham a revelar no menor, a liquidar ulteriormente.

Para o efeito, e em síntese, alegaram ter sido vítimas de um acidente de viação ocorrido em 17 de Dezembro de 2002, provocado por culpa exclusiva de EE, sem que esta dispusesse de seguro válido de responsabilidade civil, do qual resultaram diversos danos, patrimoniais e não patrimoniais, cujo ressarcimento pretendem.

O Fundo de Garantia Automóvel contestou, impugnando alguns factos e aceitando outros, e concluindo que a acção apenas deve proceder em parte.

No mesmo sentido contestou EE, igualmente aceitando alguns dos factos alegados e impugnando outros.

A acção foi julgada parcialmente procedente pela sentença de fls. 476, que condenou os réus, solidariamente (com dedução da franquia de € 299,28 quanto ao Fundo de Garantia Automóvel), no pagamento: «– À A. AA a quantia global de 2.134,91 € a título de indemnização por danos patrimoniais e a quantia de 19.500,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais; – À A. BB a quantia global de 25.572,80 € a título de indemnização por danos patrimoniais e a quantia de 40.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais, bem como na quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença correspondente aos custos da intervenção cirúrgica a que foi submetida em 28/2/2008 à perna.

– Ao A. CC a quantia global de 15.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais.», com juros de mora, contados à taxa legal de 4% anuais, desde 8/7/2004 (ou seja, desde a citação, efectuada em 7 de Julho de 2004), até efectivo e integral pagamento, absolvendo-os quanto ao mais que fora pedido.

O Fundo de Garantia Automóvel recorreu. Por acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26 de Março de 2015, de fls. 576, foi concedido provimento parcial à apelação: «Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogar, nessa parte, a sentença recorrida, condenando os Réus a pagar, solidariamente, com dedução da franquia de € 299, 28 por lesado, quanto ao Réu Fundo de Garantia automóvel: a) À Autora AAs, a quantia de € 12.000,00 (doze mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais; b) À Autora BB, a quantia de € 20.572,80 (vinte mil quinhentos e setenta e dois euros e oitenta cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, e a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais; c) Ao Autor CC, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) de indemnização a título de danos não patrimoniais.

d) Sobre as quantias atribuídas a título de danos não patrimoniais incidem juros moratórios, à taxa legal, a contar da prolação da sentença em 1ª instância.

No mais, permanece inalterada a sentença recorrida, designadamente, quanto aos danos patrimoniais fixados à 1ª Autora, aos juros moratórios incidentes sobre as quantias fixadas a título de danos patrimoniais, e quanto às despesas que se vierem a apurar em liquidação correspondente aos custos da intervenção cirúrgica a que foi submetida a 2ª Autora, que não foram impugnados.» 2. Os autores recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça, por não se conformarem com as reduções determinadas pela Relação.

Nas alegações que apresentaram, formularam as seguintes conclusões: «I - A imagem da possível morte de familiares, maxime de uma irmã e de um sobrinho com um mês de idade, causada de forma violenta, num acidente de viação, é fortíssima e causadora de um dano profundo.

II - Em particular, a morte ou um ferimento grave infligido de forma violenta a uma criança indefesa ofende a sensibilidade humana de uma forma muito intensa.

III - A medida da intensidade do sofrimento da Autora e ora recorrente AA com a brutalidade do acidente de viação em causa e das suas consequências é dada pela alteração verificada na sua personalidade, resultante da experiência vivida.

IV - A redução da indemnização arbitrada à Autora e ora recorrente AA pelos danos sofridos pela situação dos seus familiares e pelas angústias sofridas não tem justificação – devendo manter-se o valor de € 15.000,00 (quinze mil euros) fixados em primeira instância.

V - A carreira profissional da Autora e ora recorrente BB como gestora hoteleira tem uma componente de relações públicas muito pronunciada, que leva a que o dano estético se repercuta a perda de ganho profissional muito para lá do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica estabelecido em abstracto.

VI - Uma jovem profissional de gestão hoteleira, que tem de mostrar qualificação na área do atendimento ao público para poder evoluir na carreira e para poder responder afirmativamente aos desafios que lhe surjam na vida laboral, fica muito afectada, ao nível da sua capacidade de ganho profissional, por ter o rosto cheio de cicatrizes bem visíveis.

VII - A fixação em €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), feita em primeira instância, da indemnização devida à Autora e ora recorrente BB pelo dano biológico traduzido na perda de ganho afigurava-se inteiramente correcta e não passível de qualquer censura.

VIII - O quantum doloris reconhecido à Autora e ora recorrente BB é muito elevado (5/7) e muito prolongado. Por outro lado, IX - O sentimento de uma mulher pelo filho que acaba de nascer (ainda por cima o primeiro) é dos mais fortes que a alma humana pode experimentar, situando-se nessa medida a intensidade do dano não patrimonial sofrido pela Autora e ora recorrente BB.

X – Também no caso da indemnização devida à Autora e ora recorrente BB pelo dano não patrimonial, a redução do valor dessa indemnização de €40.000,00 (quarenta mil euros) para €30.000,00 (trinta mil euros) não tem justificação.

XI - As marcas que as lesões e as dores sofridas deixaram no menor CC existem, mesmo ao nível do subconsciente.

XII - O menor não sofreu menos dores por não se lembrar delas e o trauma que essas dores provocaram não é eliminado por o menor não ter memória delas. Por outro lado, XIII - Os recém-nascidos precisam da companhia física da mãe e da amamentação com o leite materno, que é essencial para o seu desenvolvimento harmonioso e para o seu equilíbrio.

XIV - Em consequência do acidente, e tal como foi dado como provado, o menor CC viu-se privado da companhia da mãe e da amamentação com o leite materno, o que constituiu uma fonte de sofrimento, a par das dores expressas no quantum doloris fixado (3/7).

XV - A indemnização fixada em primeira instância para os danos não patrimoniais sofridos pelo menor CC devia ter sido mantida.

XVI - Em primeira instância, os montantes atribuídos a título de indemnização pelos danos não patrimoniais não foram actualizados à data da prolação da sentença. Assim, XVII - Não tem aplicação ao caso dos autos o Acórdão para Fixação de Jurisprudência n° 4/2002, de 9 de Maio, devendo manter-se a condenação dos Réus no pagamento de juros sobre os montantes arbitrados a título de indemnização por danos não patrimoniais, a contar da data da citação (8 de Julho de 2004) e até integral pagamento.

XVIII – Ao decidir em sentido contrário, o douto Acórdão violou o disposto nos arts. 483º, nº 1, 496º, nº 1, 562º, 564º, nº 1, 566º, nº 1 e 805º, nº 2, c), CC.

Concluíram no sentido de que devia manter-se o decidido em 1ª instância.

Não houve contra-alegações.

O recurso foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

  1. A fls. 681 foi proferido um despacho, convidando as partes sobre a possibilidade de não ser apreciado o recurso interposto por CC, por parecer que o não permitiria o valor da sucumbência relevante – diferença entre as condenações determinadas nas instâncias, nos termos do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 14 de Maio de 2015 (www.dgsi.pt, proc. nº 687/10.6TVLSB.L1.S1-A): «Conformando-se uma parte com o valor da condenação na 1.ª instância e procedendo parcial ou totalmente a apelação interposta pela outra parte, a medida da sucumbência da apelada, para efeitos de ulterior interposição de recurso de revista, corresponde à diferença entre os valores arbitrados na sentença de 1.ª instância e o acórdão da Relação.» Os representantes do menor CC responderam no sentido de que o recurso devia ser admitido, porque a diferença entre os juros arbitrados na sentença e na Relação deveriam ser somados à diferença de capital, alcançando-se um valor da sucumbência superior a metade da alçada da Relação (vigente à data da propositura da acção).

    Admite-se que tenham razão e, portanto, decide-se conhecer do presente recurso, na parte respeitante a CC.

  2. Vem provado o seguinte: A) No dia 17 de Dezembro de 2002, cerca das 16.00 horas, a Autora AA conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca FIAT, modelo Punto 55 SX, com a matrícula ...-...-LB, pela E.N. nº 10, no sentido Setúbal-Azeitão, num local denominado Alto das Necessidades B) No veículo com a matrícula ...-...-LB, para além da Autora AA, que conduzia, seguiam ainda como passageiros a Autora BB, sua irmã, e o filho menor desta, CC, que tinha...

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