Acórdão nº 1174/12.3TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução17 de Dezembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA intentou acção contra BB, Metalo Mecânica de Reparação e Construção Automóvel, Ldª (actual CC - Comércio e Reparação de Automóveis, Ldª), e DD - Comércio de Automóveis, S.A, pedindo a substituição do veículo com a matrícula ...-JF-..., de marca Mercedes-Benz, modelo C250 CDI, Station Bluefficiency, por um veículo de características iguais, em estado novo, e indemnização por danos patrimoniais em valor não inferior a €5.000.

A R. BB contestou, invocando a excepção de caducidade dos direitos da A. pelo decurso do prazo de denúncia da falta de conformidade do bem com o contrato, e, em qualquer caso, por exercício abusivo do direito de exigir a substituição do veículo. A R. DD contestou, invocando também a excepção de caducidade dos direitos da A. pelo decurso do prazo de denúncia.

Por sentença de fls. 324, a acção foi julgada improcedente e as RR. absolvidas dos pedidos.

A A. recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa. Pelo acórdão de fls. 460, a apelação foi julgada parcialmente procedente, considerando-se improcedente a excepção de caducidade, e condenando-se as RR. a entregar à A., em substituição do veículo ...-JF-..., de marca Mercedes-Benz, modelo C250 CDI, Station Bluefficiency, um veículo de características iguais, em estado novo.

  1. As RR. recorrem para o Supremo Tribunal de Justiça.

    Nas alegações de recurso, a R. CC - Comércio e Reparação de Automóveis, Ldª, formula as seguintes conclusões: “1. O douto acórdão de que se recorre, procedeu a uma errada apreciação da matéria de facto e de direito, e constitui uma profunda e clamorosa injustiça, violadora dos mais elementares princípios de boa fé e de justiça.

  2. Na apreciação jurídica da suscitada questão de caducidade, o douto acórdão recorrido parte do errado pressuposto de que "subsiste a apreciação das anomalias que a sentença reconheceu terem-se verificado no arco temporal de sessenta dias".

  3. Dizemos erradamente porque estas anomalias são inexistentes já que foram reparadas, e bem reparadas, tal como foi comprovado e resulta do relatório pericial feito pelos Srs. Peritos mais de um ano após essas intervenções.

  4. Começa, e aqui bem, por referir o douto Acórdão recorrido que "a carta de 22.05.2012, dirigida pela A. às RR., foi enviada decorridos que eram mais de 60 dias sobre o conhecimento dos problemas elencados (...) pelo que não resultando ter a A. dado a conhecer às RR ou a qualquer delas os assinalados vícios, terá como implicação que a caducidade operou".

  5. Conclui o douto acórdão recorrido que tendo a denúncia da maioria dos defeitos ocorrido após o decurso do prazo de sessenta dias previstos no artigo 5º-A do Decreto-Lei 67/2003, então consequência legal será a da verificação de caducidade.

  6. Inexplicavelmente, e como factor impeditivo da caducidade, argumentando que "subsiste ainda a apreciação das anomalias que a sentença reconheceu terem-se verificado no arco temporal de sessenta dias, quer as, anomalias encaradas no seu conjunto", conclui afinal que a questão da caducidade não pode, neste caso, ser equacionada em função dos defeitos isoladamente considerados.

  7. A proceder esta argumentação estar-se-ia a adulterar por completo o instituto da caducidade e a compactuar com uma interpretação da lei do consumidor claramente distorcida e distinta daquela que foi a intenção do legislador.

  8. Dispõe o artigo 4º do Decreto-Lei 67/2003, cuja aplicação aos presentes autos é indiscutível, que "em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato." 9. E conforme dispõe o artigo 5º-A, para exercer estes direitos e, sob pena de caducidade, "o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses a contar da data em que a tenha detectado".

  9. Esse prazo de dois meses conta-se a partir da data em que o consumidor detecta a falta de conformidade.

  10. Todas as intervenções referidas e dadas como, foram efectuadas sem qualquer intervenção da Recorrente CC.

  11. Essas intervenções, e os motivos que as determinaram, não foram denunciadas perante a recorrida vendedora.

  12. A única denúncia efectuada perante a recorrente CC, foi feia por intermédio da supra referida carta de datada de 22 de Maio de 2012.

  13. Nessa data, quaisquer situações ocorridas anteriormente a 22 Março de 2012, haviam caducado, não procedendo o entendimento perfilhado no douto acórdão recorrido.

  14. A ser assim, o que não se concede, os prazos de caducidade perpetuar-se-iam por tempo indeterminado, contrariando assim o espírito e a intenção do legislador que ao estabelecer determinado prazo de caducidade visa conferir certeza às situações jurídicas e solucionar com brevidade os conflitos.

  15. A não ser assim, a caducidade dos direitos do consumidor nunca se verificaria porquanto o potencial aparecimento de novos defeitos, viabilizariam, a todo o momento, a propositura da acção que, assim, estaria sempre em tempo, desaparecendo pois a "ratio" do instituto da caducidade.

  16. As denúncias efectuadas pelo consumidor perante o vendedor, são autónomas entre si, sendo que cada uma delas deve ser denunciada, sob pena de caducidade, no prazo de sessenta dias a contar do seu conhecimento.

  17. Não existe na letra e espírito da lei nenhuma sustentação para a tese do douto acórdão recorrido de que apenas o conjunto das anomalias é susceptível de ser valorizado para efeitos de aferição da falta de conformidade.

  18. Aliás, a ser assim, o legislador teria consignado a possibilidade de denúncia a todo o tempo, independentemente da data do seu conhecimento, o que não foi evidentemente o que sucedeu.

  19. Todas as situações referidas nos autos, incluindo aquelas que já haviam caducado à data da denúncia perante a vendedora, foram devidamente reparadas ao abrigo da garantia a pedido da recorrida que, nessa medida, exerceu os direitos que a lei lhe confere.

  20. A reparação, é na sua essência uma operação material sobre o bem, operação que visa a correcção desse bem por forma a que o mesmo passe a estar conforme com o contrato.

  21. Durante o período de garantia do bem, e perante a existência de defeito, sobre o vendedor impende a obrigação de reparar a coisa ou de proceder à sua substituição.

  22. Se nos prazos definidos pela lei, o bem for reparado, e sem qualquer encargo para o consumidor, terá forçosamente que se considerar definitivamente cumprida a obrigação de reparação que recai sobre o vendedor.

  23. Cumprida a obrigação de reparação, e sendo a mesma bem sucedida, o bem fica, obviamente, conforme com o contrato extinguindo-se, pelo cumprimento, a obrigação do vendedor de reparar/substituir o bem.

  24. A proceder o entendimento do douto Acórdão recorrido, teríamos aberto a via para que os consumidores, antes de expirar o prazo de garantia, e independentemente do número de vezes que tenham denunciado faltas de conformidades e solicitado a sua reparação, exigissem pedidos de substituição do bem (ou até de resolução dos contratos) porquanto, atentas as diversas anomalias ocorridas durante aquele período temporal, tinham "extravasado a sua margem de tolerância" e não porque o bem padecesse de qualquer falta de conformidade.

  25. Com a reparação das anomalias que surgiram no veículo, foi reposta a conformidade do bem, pelo que não assiste à recorrida a possibilidade de exercer os demais direitos elencados no artigo 4º do Decreto-Lei 67/2003.

  26. Não procede pois o entendimento perfilhado pelo douto acórdão recorrido de que as anomalias, analisadas numa perspectiva global, constituem factor impeditivo da caducidade.

  27. Não procede porque a recorrida/consumidora não cumpriu os prazos que a lei, de modo cristalino, prevê, e também porque tendo a obrigação de reparação sido cumprido o bem ficou conforme ao contrato, sendo que apenas a falta de conformidade permite ao consumidor o exercício dos seus direitos.

  28. O que resulta dos autos, em termos factuais, é que o veículo foi reparado ao abrigo da garantia (e portanto a recorrida exerceu o direito que enquanto consumidora lhe assistia), de que se encontra em conformidade com o contrato o que, consequentemente, implica que, quanto aquelas denúncias foram cumpridos e extintas as obrigações que sobre a recorrente (enquanto vendedora) recaíam.

  29. Ao decidir como o fez, compactua o douto acórdão recorrido com uma situação de verdadeiro abuso de direito.

  30. A A. perante uma panóplia de direitos que a lei lhe confere, optou inequivocamente pela reparação do bem.

  31. Ao optar pela reparação do bem, não pode, depois de reparado o bem, optar pela substituição do bem por outro novo sob pena de abuso de direito.

  32. Com efeito, pese embora a lei não estabeleça nenhuma hierarquização dos direitos do consumidor, certo é que o seu exercício está sempre balizado abuso de direito.

  33. Finalmente uma breve nota para referir que, contrariamente ao que se defende no douto acórdão recorrido, a substituição do veículo por um novo veículo configura uma situação de enriquecimento sem causa.

  34. É que a recorrida adquiriu o seu veículo em 13 de Julho de 2010, a única denúncia que fez perante a vendedora foi em Maio de 2012, e durante esse período (e até após esse período) utilizou e utiliza o seu veículo sem quaisquer limitações.

  35. A recorrida beneficiou do uso do veículo pelo que a substituição do veículo usado (e bem utilizado porquanto o mesmo está conforme e apto ao fim a que se destina) por um veículo novo, configura uma situação de enriquecimento sem causa, violador da boa fé contratual sendo, no caso concreto, uma solução absolutamente desproporcionada.

  36. Nestes termos deve dar-se provimento ao recurso interposto pela recorrente, revogando-se na integra, o douto acórdão recorrido.” Nas alegações de recurso, a R. DD - Comércio de Automóveis, S.A, apresenta as seguintes conclusões: “A. O veículo dos autos foi alvo de intervenções de natureza e causas distintas, entre as quais, com...

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